A Baía de Guanabara não é só degradação. Há uma parte no seu recôncavo leste, onde a falta de conservação ambiental passa bem longe e o meio ambiente é tratado com respeito. É ali, nos 14 mil hectares da primeira unidade de conservação criada para proteger manguezal, que fica a Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, na região metropolitana do Rio. Lá atuam de forma integrada a Estação Ecológica Guanabara e as duas unidades do Instituto Chico Mendes do Ministério do Meio Ambiente, onde diversas atividades transformaram o cenário do local chamado por ambientalistas de Pantanal Fluminense.
A ONG Guardiões do Mar, pescadores e especialistas atuam na região com o desenvolvimento de projetos que renovaram a vida em áreas que sofreram devastação, no recôncavo leste da Baía de Guanabara, alcançando parte dos municípios de Magé, de Guapimirim, de Itaboraí e de São Gonçalo. Um deles é o Projeto Uçá, que leva o nome de um caranguejo da região visto junto a outras dez espécies e mantém o sustento de pescadores. O projeto, que completou sete anos nesta sexta-feira (12) é desenvolvido pela ONG com o patrocínio do Programa Petrobras Socioambiental, em 182 mil metros quadrados restaurados.
“Mangue, sempre tem o inconsciente coletivo que acha que é sujo, malcheiroso, lamoso e cheio de mosquito. Não, é berçário da vida. Não é lixeira”, apontou o biólogo Pedro Belga, presidente da Guardiões do Mar.
Plantio
Entre setembro de 2018 e abril de 2019 foram plantadas 10.250 mudas. Em quatro anos somam 56 mil. “Os manguezais ocupam só 1% de toda a área coberta por florestas do planeta Terra. Quando a gente planta uma muda aqui, a gente está plantando uma muda para o planeta, porque o serviço que o manguezal presta é absurdamente grande. 60% das espécies marinhas dependem do mangue. São 1 bilhão de pessoas que consomem proteínas todo dia, que em algum momento precisam do manguezal. Eles protegem a costa, são filtros biológicos. O trabalho que é feito na Baía de Guanabara é para o planeta”, disse Belga.
A recuperação dos manguezais é apenas um dos resultados conseguidos com este trabalho incessante. Em 21 anos de existência, a Guardiões do Mar promoveu ações socioambientais, como a criação de cooperativas de reciclagem, de pesca responsável e de moda. Outro projeto da Guardiões é o EDUC, com ações consorciadas de gestão comunitária de resíduos sólidos, em cinco comunidades no entorno da Refinaria Duque de Caxias (Reduc), na Baixada Fluminense. A ONG construiu galpões, considerados referências no estado do Rio, para a triagem, a estocagem e a comercialização de resíduos sólidos. “Não é só plantar, é conservar, preparar a comunidade e fazer educação ambiental”, pontuou o biológo.
Turismo comunitário
Na busca por outras fontes de renda para a população do entorno da APA para desenvolver o turismo comunitário, foi preciso qualificar pescadores que se formaram em marinheiros auxiliares. São 27 pessoas aptas para o serviço. “A Capitania dos Portos fez, na mesma época, um curso nacional para 30 pessoas e nós aqui na Baía de Guanabara fizemos para 27. Às vezes falar em 27, parece pouquinho, mas é quase o mesmo do nacional. Foi feito para o pescador artesanal se qualificar e dar uma força para o projeto de turismo comunitário”, indicou o presidente da Cooperativa Manguezal Fluminense, o pescador Adaildo Malafaia.
Passeio
O local é muito procurado por turistas que querem fazer passeios de barcos realizados pela cooperativa. O ponto de partida é a APA. A reportagem da Agência Brasil teve oportunidade de percorrer de barco 11 quilômetros de rio desde a APA até a foz da Baía de Guanabara e depois seguir pela área mais aberta onde se via a Ilha de Paquetá, as montanhas da região serrana do Rio e a capital até voltar à APA.
Nesse trajeto, passa-se na calha onde estão os rios Guapimirim, Guapiaçu e o Guapi-Macacu, que é o mais limpo dos 35 rios que deságuam na Baía de Guanabara e sozinho é responsável por quase 40% de água com qualidade que abastece a baía. “Esse rio aqui é responsável por toda essa qualidade de vida. A gente brinca que é arca de Noé da Baía de Guanabara”, observou Adaildo Malafaia.
O passeio seguiu ainda pela área reflorestada Capinzal de 9 hectares. Lá, as mudas de 50 cm plantadas, hoje, são árvores de seis metros. Viu, ainda, a margem repleta de filhotes de caranguejo e passou no Canal da Banana onde, no passado, olarias exploravam a madeira do local para usar em seus fornos e, com isso, promoveram a destruição da vegetação. Agora, já recuperada, a extensão toda recebe, novamente, entre outras aves, colhereiros rosa que parecem fazer um balé no ar, o martim pescador e a garça moura.
Pelo caminho, percebe-se a beleza de um bando de biguás, que sobrevoa o espelho d’água. Alguns, aproveitam também para se banhar. Em breve, outra espécie também voltará a ser vista em maior quantidade no local. Os guarás vermelhos que estão começando a ser reintroduzidos no seu habitat. Momentos de pura natureza que só enchem de energia os que têm condições de admirar tudo isso.
“É um espetáculo”, disse o biólogo, que não se cansa de assistir o movimento das aves.
Trilhas
Pedro Belga revelou que já existem sete trilhas mapeadas para os passeios, e quatro delas terão a instalação de placas para os condutores pararem e poderem contar a história daquele local aos visitantes que acompanharão também por guias impressos. A previsão é fazer o lançamento no aniversário de 35 anos da APA de Guapmirim, no dia 25 de setembro.
Renda
A analista ambiental do ICMBio, Juliana Cristina Fukuda, que trabalha na APA, disse que a recuperação ambiental tenta mudar um pouco também a lógica de países em desenvolvimento de que as pessoas mais próximas às grandes áreas protegidas têm menos oportunidades de educação e emprego. Para ela, o turismo de base comunitária desenvolvido na região é uma das formas dessa população encontrar um jeito de subsistência. “Serem empreendedores também aproveitando a natureza e entender a importância dessas áreas naturais. Tem pessoas hoje que trabalham com boa parte da sua renda, através do turismo, conduzindo visitantes”, disse.
Juliana conta que outras formas para a geração de renda, já estão em andamento. Uma é por meio da gastronomia local, mas tem ainda a hospedagem, a confecção de lembranças turísticas e a condução de visitantes a pé ou por caiaques. As ações estão sendo feitas ainda de forma experimental. “O interesse é crescente. Cada vez mais as pessoas querem ver. As pessoas olham e não acreditam que é possível ter este tipo de ambiente na região metropolitana do Rio e em uma área tão extensa”, contou.
A rede que vai se chamar Manguezais Guanabara envolve também moradores do Quilombo do Feital, agricultores familiares que recebem visitas e produtores de mel que trabalham no apiário do manguezal. “O mel do manguezal é totalmente sem agrotóxicos e feito por famílias de pescadores”, destacou.
O pescador Malafaia disse que nesses anos de trabalho descobriu que é apaixonado por este ecossistema. “Isso foi muito importante. Descobri que sabia [tinha conhecimento] de um monte de coisa que faço hoje. Sou uma outra pessoa depois que comecei a participar desses projetos como cidadão. Foram muito importantes as parcerias, as amizades, a felicidade de fazer coisas interessantes não só para a APA Guapi- Mirim. Hoje aqui vamos na contramão do planeta. [Aqui] a gente restaura”, afirmou Malafaia.
Agência Brasil