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"A saúde é uma questão de cultura", afirma psiquiatra

Vitor Pordeus é um psiquiatra transcultural reconhecido internacionalmente e acredita em novas abordagens terapêuticas

Por Jonas Feliciano em 23/08/2019 às 19:29:00

Imagem: Arquivo Pessoal

Desde o dia 21 até 24 de agosto, o diretor teatral e psiquiatra transcultural Vitor Pordeus vai representar o grupo Teatro de Dyonises na Dinamarca. O especialista está participando do evento Reimagine 2019, no castelo de Helsingor, uma das inspirações do dramaturgo Shakespeare na criação do seu clássico Hamlet.

No Rio de Janeiro, Pordeus desenvolve a peça em oficinas gratuitas, como forma de inclusão e promoção de saúde mental. Na Dinamarca, ele representará o Brasil no evento internacional que reúne pesquisadores, ativistas, figuras culturais e cidadãos de diversos lugares do mundo. O objetivo é descobrir e encontrar novas maneiras de pensar sobre as diferenças e demandas de cada pessoa.

Pordeus no Reimagine / Imagem: Arquivo pessoal

Ao Portal Eu,Rio!, Pordeus disse que o convite é uma grande oportunidade de trocar experiências e aprendizado. Ele também falou do projeto que tem desenvolvido no Rio.

"Esse trabalho tem sido um grande desafio nos últimos dez anos. Não somente no Brasil, mas também fora do país. Já experimentamos o Canadá, onde dou aula de psiquiatria transcultural em Montréal, na divisão de psiquiatria transcultural da Universidade de McGill, uma das mais importantes do mundo. Assim como, no México onde também já trabalhei o tema. No Reimagine, estamos discutimos sobre como a psiquiatria transcultural é importante e como a saúde mental é um fenômeno ligado à cultura. A partir desse conceito, trabalhamos a ideia de promover a saúde de acordo com a comunidade e o seu contexto cultural. Isso tem sido muito interessante, pois se relaciona com o método da doutora Nise da Silveira e eu aprendi com ela", celebrou Vitor.

O especialista ainda ressaltou a importância da sua presença no festival dinamarquês e o quanto tem se conectado com outras pessoas que acreditam na mesma proposta.

"É impressionante experimentar o universo de Shakeaspeare e perceber o quanto as pessoas estão conectadas mesmo que sejam do México, do Canadá ou da Dinamarca. Aqui, entendemos o quanto a saúde é uma questão de cultura e a cultura é uma questão de saúde. Percebo que não fui treinado para compreender isso na medicina. Pelo contrário, eles omitem a doutora Nise. Essa é uma coisa que realmente a gente tem e quer divulgar", ressaltou Pordeus.

Em relação à situação da saúde mental no Brasil, o médico afirmou que o país vive um cenário crítico e sem precedentes. Para ele, quando comparado aos outros países e quando observadas as necessidades coletivas, temos um serviço muito ruim.

"Nós temos uma das maiores taxas de violência do mundo. Os números de homicídios estão aumentando, a crise econômica está aumentando e a mortalidade infantil também. O nosso sistema de saúde tem sofrido com o corte de verbas, bem como, assistimos a população de rua aumentar cada vez mais. Por isso, acredito que o poder público tem um grande desafio. Contudo, eu como um psiquiatra transcultural realmente não percebo iniciativas que promovam esse tipo de caminho e assistência", lamentou Pordeus.

O médico relembrou do trabalho desenvolvido no local. Chamado de "Hotel da Loucura", segundo o psiquiatra, a metodologia aplicada teve resultados excelentes e reconhecimento internacional durante os seus sete anos de existência.

"Aproveitaram a crise política e econômica para matar o projeto. Contudo, não colocaram nada no lugar e nem deram continuidade ao que era feito. Por isso, do ponto de vista da gestão pública, eu acredito que existe a doença mental sendo promovida. Estão usando dinheiro público para promover doença mental ao invés de saúde mental e isso é um problemaço, pois envolve a formação e o currículo médico. Envolve a maneira como as pessoas entendem o problema e o explicam cientificamente. Uma ideia mal concebida que trata o organismo como máquina e confia excessivamente em drogas, eletrochoque e internação", destacou.

Para Pordeus, não há estratégias eficazes nem para a promoção da saúde pública nem para a mental. Por tal razão, a situação exige mais debates. O profissional chamou a atenção para seu trabalho e reforçou que por meio dele foi possível chegar a resultados interessantes. Tudo isso foi registrado em livros, teses de mestrado e doutorado, além de filmes e documentários online.

Vítor contou que, apesar de ter encontrado um suporte melhor fora do Brasil, retornou ao seu país de origem porque ainda acredita na possibilidade de melhorar o modelo utilizado atualmente.

"Voltei para o meu país porque aqui é onde eu posso dar continuidade ao trabalho. Aqui, eu conheço a minha comunidade, tenho a minha família, sei das dificuldades, das sombras e das subjetividades que são tão importantes para a gente discutir saúde mental. Fazer isso fora da sua cultura é muito difícil. Capturar as subjetividades do outro é muito complexo", explicou.

Ocupando a Biblioteca Parque / Imagem: Divulgação

Ele ainda adiantou que o grupo está ensaiando para estrear a peça Hamlet até novembro deste ano. Também citou que o seu esforço em preservar e seguir com as suas convicções abrange uma série de atividades como a elaboração de teses, filmes e participação em congressos sobre o assunto.

"É preciso divulgar que esse tipo de abordagem existe. Percebo que o trabalho da doutora Nise da Silveira ainda é pouco conhecido por muita gente. Desse modo, temos muito caminho pela frente", reforçou Vitor.

Na capital carioca, as oficinas gratuitas que ensaiam a peça Hamlet, acontecem as terças e quintas, de 15h as 18h, na Biblioteca Parque Estadual. Lá, o psiquiatra e os atores do Teatro de Dyonises colocam em prática a arte em prol da saúde mental e inclusão social, acolhendo todo tipo de público, inclusive moradores em situação de rua, que vivem na região.

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