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MPRJ amplia investigação sobre letalidade da ação policial no Rio

Em 2019, até agosto, média no Rio alcançou 156 vítimas por mês, recorde desde o início da série; em 2018, morreram 89 policiais no Rio, 26% das mortes da categoria no país

Por Portal Eu, Rio! em 30/09/2019 às 19:24:23

Operação na Rocinha, um dos cenários mais frequentes de confronto: Além de ser a mais letal, a polícia fluminense é também uma das mais vitimadas do país Foto Agência Brasil Fernando Frazão

O Ministério Público do Rio de Janeiro ampliou a investigação sobre aumento do índice de letalidade da ação policial. No aditamento da portaria do inquérito, o GAESP/MPRJ destaca dados oficiais que confirmam a evolução preocupante do indicador. "Até a presente data, houve um recorde do número de mortes decorrentes de intervenção por agentes do Estado, sendo, entre janeiro e julho de 2019, registrados 1.079 casos. No mesmo período do ano passado, foram 899 casos, ou seja, houve um crescimento de quase 20%. Só no mês de julho, o índice de mortes alcançou 194 casos, o maior em um mês desde 1998", diz o documento, referindo-se a números do Instituto de Segurança Pública (ISP) e do Observatório de Segurança Pública.

Desde 2013, as mortes produzidas por forças de segurança no Rio de Janeiro apresentam uma tendência de crescimento. No entanto, o ritmo de crescimento se acelerou principalmente a partir de 2016. Se observarmos a série histórica mês a mês, desde 2015, vemos que o padrão da letalidade policial no Rio de Janeiro subiu alguns degraus nesse período. A média mensal do número de mortes por intervenção de agentes do Estado em 2015 foi de 54. Em 2018 foi de 128. Em 2019, entre janeiro e agosto, a média no Rio alcançou o número de 156 vítimas por mês, recorde desde o início da série histórica.

Diante desses dados, o MPRJ, por meio do Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP/MPRJ), aditou, na sexta-feira (27/09), a portaria de inquérito civil Nº 2019.00355120 para que seja apurada a elevação do índice de letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro. A medida foi motivada pelo fato de o MPRJ ter recebido representações, como a da Ordem dos Advogados do Brasil, que demandam uma reflexão responsável sobre a legalidade da política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro.

O GAESP/MPRJ juntou essas demandas em um único inquérito civil, com o fim de apurar a elevação dos índices de letalidade, de acordo com as diretrizes da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso Nova Brasília (chacinas em 1995 e 1996, que envolveram inclusive tortura, abuso sexual e morte de mulheres). Para auxiliar nas investigações, o GAESP/MPRJ solicitou ao Centro de Pesquisas do Ministério Público (CENPE/MPRJ), a elaboração de estudo sobre o fenômeno da letalidade policial no Estado do Rio de Janeiro.

Estudo nega correlação entre redução de homicídios totais e aumento das mortes por agentes de segurança

O estudo do Ministério Público indica não existir padrão na relação entre a letalidade da ação policial e a redução dos crimes. Há de fato áreas onde o aumento de mortes pela polícia é acompanhado da queda nos homicídios dolosos, mas esse não é o padrão geral. Há também um grande número de áreas que apresentam forte queda tanto no número de homicídios dolosos quanto no de mortes por agentes do Estado. Nesse caso, não é possível identicar causalidade entre a letalidade policial e o homicídio doloso no estado, considerando que os dados disponíveis sequer indicam correlação entre eles.

O estudo do MPRJ cita exercícios econométricos elaborados por Monteiro e Fagundes (2019), que utilizam uma série de dados longa, cobrindo desde janeiro de 2003 a julho de 2019, e corroboram que, historicamente, o aumento de mortes por agentes do Estado não está associado a uma redução subsequente de homicídios dolosos no Rio de Janeiro.

O mesmo tipo de exercício também indica que o aumento da letalidade policial não está relacionado à redução de crimes patrimoniais, sejam eles roubos de veículos, roubo de rua ou roubo de carga. Estas análises sugerem, portanto, que o aumento do uso da força pela polícia não está associado a um menor índice de crimes contra o patrimônio e contra a vida no estado.

Os mesmos exercícios, entretanto, são capazes de identificar uma associação positiva entre mortes por agentes do Estado e apreensão de fuzis e de drogas. Por meio das análises é possível inferir que os resultados observados refletem determinado padrão de atuação policial, que prioriza o enfrentamento ao tráfico de drogas e o combate nas favelas sob a dupla premissa de que nelas estão localizados os criminosos e de que o tráco de drogas é o principal crime a ser enfrentado pelo Estado. No entanto, as evidências internacionais na área de Segurança Pública apontam para maior efetividade de ações preventivas como o patrulhamento de manchas criminais, que prioriza o policiamento ostensivo em áreas onde o crime ocorre (e não onde supostamente está o criminoso).

Letalidade policial do Rio quase iguala taxas de homicídio totais de SP: 8,9 ante 9,5 por 100 mil pessoas

O Rio possui a polícia mais letal do Brasil, embora não esteja dentre os dez estados mais violentos do país. Em 2018, a polícia do Rio de Janeiro foi a mais letal do país, com uma taxa de 8,9 por 100 mil habitantes e com um quantitativo que corresponde a 23% do total da letalidade policial no Brasil. Isso signica que as polícias do Rio de Janeiro contribuem para uma taxa de morte violenta próxima à taxa total de São Paulo, que é de 9,5 por 100 mil habitantes.

O padrão no uso da força pelas polícias no Rio de Janeiro é muitas vezes atribuído ao perfil da criminalidade local, que seria excessivamente violenta e armada. Mas, apesar de ser reconhecido nacional e internacionalmente como um local violento, o Rio de Janeiro, em 2018, ocupava o 11º lugar entre os 27 estados da federação em relação às mortes violentas intencionais, com uma taxa de 39,1 por 100 mil habitantes, o que representa 10,1% do total observado no país. É uma taxa menor do que a de estados como Acre, Alagoas e Sergipe, por exemplo.

A Polícia do Rio não é apenas a que mais mata: um em cada quatro agentes mortos no País em 2018 trabalhavam no Estado

Além de ser a mais letal, a polícia fluminense é também uma das mais vitimadas do país. Em 2018, morreram 89 policiais no Rio de Janeiro. Esse número corresponde a 26% do total de mortes de policiais no país. A taxa de vitimização policial no Rio de Janeiro (nº de mortos/grupo de 100 mil policiais da ativa) o coloca atrás apenas do Pará, do Rio Grande do Norte e do Amapá. Os estados do Acre, de Alagoas e de Sergipe, que estão à frente do Rio na taxa de mortalidade violenta intencional, possuem uma taxa de vitimização policial inferior à fluminense.

Ao mapear os determinantes do uso da força por policiais na região metropolitana do Rio de Janeiro, Magaloni e Cano (2016) identificaram que a exposição constante a situações de violência armada é um dos principais fatores de risco para o disparo de arma de fogo. Os resultados indicam que um terço de toda a força policial analisada já havia testemunhado outro policial ser baleado, 20% viram um colega ser morto e mais de 7% dos policiais já haviam sido baleados e feridos ao menos uma vez.

Treinamento inferior ao paulista e falta de assistência psicológica ajudam a explicar acidentes e força desproporcional

Pesquisa realizada por Pinc (2011) demonstra também que o policial militar do Rio de Janeiro possui pouco treinamento para o uso de arma de fogo e para o uso progressivo da força. Este estudo atesta que o nível de capacitação do policial no Rio de Janeiro é muito inferior aos padrões da Polícia Militar de São Paulo, que desde 2000 submete anualmente toda tropa a um treinamento obrigatório, com a possibilidade de um segundo treinamento opcional. Além de baixa capacitação técnica, os policiais no Rio de Janeiro possuem pouca ou nenhuma assistência psicológica, algo indispensável para uma profissão arriscada e de rotina estressante, como é o trabalho policial em praticamente todas as cidades do mundo. Nesse contexto, acidentes e episódios de uso desproporcional da força se tornam mais comuns do que o esperado.

Uma atuação policial centrada no confronto aumenta o risco de vitimização de inocentes e afeta a provisão de serviços públicos A atividade policial baseada no enfrentamento armado a criminosos aumenta o risco de vitimização de pessoas que não têm relação com o conflito, além de frequentemente afetar a prestação de serviços públicos nas áreas expostas aos confrontos. No Complexo da Maré, por exemplo, 16 operações policiais em 2018 tiveram como saldo 10 dias de atividades suspensas nas escolas e 11 dias sem o funcionamento de unidades de saúde ( De Olho na Maré, 2019).

Tiroteios afetam a rotina escolar e contribuem para círculo vicioso de violência nas áreas mais pobres do Estado do Rio

O estudo do Centro de Pesquisas do MPRJ remete a levantamentos indicando que o aprendizado escolar das crianças é substancialmente prejudicado pela convivência com episódios de conflitos armados. Em uma análise para o período entre 2003 e 2009, Monteiro e Rocha (2016) mostram que o aumento de tiroteios no estado está associado a uma redução no aprendizado escolar, medido pela nota dos alunos no exame de matemática da Prova Brasil. Tal impacto negativo é tanto maior quanto for a proximidade das escolas com as áreas de conito e em função da intensidade e da duração dos mesmos. Os autores identificam ainda que confrontos dessa natureza afetam diretamente a rotina escolar, porque aumentam a rotatividade dos diretores, o percentual de faltas dos professores e a probabilidade das escolas interromperem as aulas durante o ano letivo.

Esses resultados indicam que as consequências da violência no Rio de Janeiro espraiam seus efeitos para muito além dos indivíduos diretamente envolvidos em práticas criminais, afetando particularmente a provisão de serviços públicos. A opinião pública está acostumada à ideia de que condições sociais adversas e situação de pobreza podem gerar violência. Independentemente da validade desse juízo, o estudo mostra que o inverso é verdadeiro: ao afetar a capacidade de aprendizagem de crianças, a violência pode gerar condições sociais adversas e pobreza no futuro.



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