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O calvário lento e doloroso dos Yanomami

Por Enock Taurepang, vice-coordenador geral do Conselho Indígena de Roraima (CIR)

Em 26/01/2023 às 19:56:24

“O que os olhos não veem, o coração não sente”, diz um ditado do homem branco. As últimas imagens da campanha de extermínio contra os Yanomami ganharam páginas de jornais, sites e emissoras de TV do planeta. São cenas que preferíamos que não fossem reveladas, em respeito aos que sofrem e porque elas também nos envergonham como seres humanos – sim, nós fazemos parte da mesma espécie de quem nos faz mal. Não fomos todos gerados por Omama? Tínhamos nossas razões para não querer olhar para aquilo; vimos 570 de nossas crianças morrerem nos últimos anos. O resto do mundo, não. Este tinha o dever.

Agora, diante das fotos de anciãos e crianças esqueléticos, não faltaram comparações ao horror nazista. A diferença é que o Holocausto que assassinou milhões judeus, homossexuais, ciganos, negros, durou 12 anos e o os seus carrascos foram derrotados e julgados; enquanto o Yanomami é uma lenta agonia, como uma doença dolorosa e incurável, de número incerto de perdas. Esse sentimento de empatia é bem-vindo, pois nós, indígenas, não somos apenas Guardiões da Floresta, mas também pais, mães, filhos, filhas, avôs e avós que choram a perda de seus entes queridos.

Hoje, calcula-se que haja por volta de 20 mil garimpeiros ilegais na Terra Indígena (TI) Yanomami – mais ou menos o mesmo número da população originária no território. Mas, acredite: já foi muito pior. A partir de 1987, eles começaram a entrar aos milhares, de uma vez. Mais de 100 aeroportos clandestinos foram abertos em meio à mata e acredita-se que, em 1990, 40 mil garimpeiros haviam invadido. A situação se tornou insustentável e a Terra Indígena Yanomami, que cobre uma área de 96.650 km², na fronteira com a Venezuela, foi homologada em 25 de maio de 1992.

A ironia é que quem assinou o documento foi Jarbas Passarinho, então ministro da Justiça de Collor, que já havia servido à ditadura – tão exaltada por Bolsonaro. O relatório da Comissão da Verdade responsabilizou não apenas o regime militar, mas também o governo do ex-presidente José Sarney pelas invasões. Mas nada disso foi o suficiente para manter a segurança do povo. A chacina de 12 Yanomami por garimpeiros, em 1993, gerou a primeira condenação por genocídio no Brasil. O julgamento do massacre de Haximu durou três anos. Em 1996, cinco assassinos foram condenados por tentativa de extermínio de etnia, e não só por homicídio.

Um laudo recente da Polícia Federal revelou que quatro rios da Terra Indígena Yanomami têm uma contaminação por mercúrio absurda: 8.600% maior que o permitido. Não podemos regar hortas, beber água, nem comer peixe de nossos rios. Dá para imaginar morrer de fome e sede na maior concentração de água doce e biodiversidade do planeta? Não é exagero afirmar que a população da capital de Roraima também se encontra já com um grau de contaminação por mercúrio, uma vez que os rios que cortam a TI Yanomami são os mesmos que desaguam no principal rio que abastece a capital Boa Vista.

Bolsonaro está mais próximo de Haia do que imagina. Sua própria obsessão o condena; a compulsão de produzir provas contra si é incalculável. “Torna sem efeito o Decreto de 25 de maio de 1992, que homologa a demarcação administrativa da terra indígena Yanomami”, diz o projeto de decreto legislativo 365/1993, escrito por ele de próprio punho, no estilo lacônico que caracterizou sua passagem pela presidência. Ele, que iniciava seu primeiro mandato, não se deu ao trabalho de inventar uma justificativa qualquer. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) vai acrescentar o Holocausto Yanomami à denúncia que apresentou em 2021 a Haia, e que está em processo de avaliação. Entre as provas apresentadas há 21 ofícios com pedidos de ajuda dos Yanomami que foram ignorados.

“Estamos apreensivos, para além de nossa própria vida, com a da terra inteira, que corre risco de entrar em caos. Os brancos não temem, como nós, ser esmagados pela queda do céu. Mas um dia talvez tenham tanto medo disso quanto nós!”, alertou um sábio do povo Yanomami, Davi Kopenawa. Muitos já perceberam que o céu já está caindo. Nenhuma pessoa sensata não acredita nas mudanças climáticas e em seus efeitos. Nós, indígenas, ajudamos a sustentar o céu desde tempos imemoriais. Mas há uma minoria que não entende que, quando se mata o indígena, está matando sonhos e a possibilidade de um futuro. E que vidas indígenas importam.

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