Desde janeiro, quando foi iniciada a campanha de vacinação contra o SARS-CoV-2, vírus causador da Covid-19, o assunto "vacina" domina as esferas pública e privada. Atualmente temos menos de 15% da população imunizada e muitos questionamentos. Um deles pode ser em relação à natureza das vacinas, que são, de modo geral, antígenos que preparam o corpo (em especial os linfócitos) para quando entrarmos em contato com o vírus em situação real. Essa preparação é uma propriedade do sistema imune chamada “memória imunológica”, que pode variar conforme a tecnologia utilizada no imunizante e o intervalo aguardado entre as doses necessárias.
Por exemplo, não há estudos que distanciem a primeira e a segunda dose da CoronaVac por mais de três semanas, o que torna difícil optar por não seguir os protocolos. A estratégia inicial adotada foi imunizar o máximo de pessoas possível com a primeira dose frente a priorizar os grupos mais necessitados e já imunizá-los com a segunda dose também. A alternativa deve ser avaliada em função das características de cada vacina e do momento epidemiológico da pandemia. Por essa razão, para ter uma resposta assertiva, é necessário que haja observações por meio de estudos clínicos. Em contrapartida, adiar o intervalo entre as doses poderia, de um lado, vacinar mais pessoas, diminuindo a ocorrência de casos graves da doença e, com isso, evitando a sobrecarga de hospitais. Do outro lado da mesma moeda, caso recebam apenas uma dose e não venham receber a segunda, pode haver apenas “proteção parcial”, uma vez que o sistema imune das pessoas pode não ter quantidade suficiente de anticorpos para que a eficácia da vacina seja maior, resultando em um indivíduo ainda passível de desenvolver e transmitir a Covid-19.
Um movimento recorrente e equivocado, seja com a vacina contra o coronavírus, seja contra outras patologias, como a hepatite, é não tomar a segunda dose. Considerando as vacinas hoje aplicadas, ainda não existem dados clínicos com maior rigor científico que determinem a eficácia de apenas uma dose, a exemplo da CoronaVac. O indivíduo que toma a primeira dose terá uma resposta de seu sistema imune e a consequente criação de anticorpos, mas, como os estudos atuais demonstram eficácia maior com a segunda dose, necessita-se da aplicação em duas etapas, para que haja um reforço na produção de anticorpos contra o coronavírus. Imunizar mais pessoas com apenas a primeira dose pode ser uma alternativa para reduzir o número de casos graves da doença, desafogando hospitais e agindo de modo estratégico na gestão da crise sanitária. Ainda assim, dependerá das características de cada vacina e da epidemiologia da doença.
A vacina Pfizer/ BioNTech está chegando ao Brasil, e o fabricante afirma que o intervalo deve ser maior ou igual a 21 dias, preferencialmente de três semanas. O resultado para esse intervalo vem das fases 2 e 3 dos estudos. Em Israel foi realizado um estudo de efetividade com 1,1 milhão de pessoas que receberam a vacina em um intervalo de 21 dias. No sétimo dia após a segunda dose, os resultados de proteção foram significativos: 94% em evitar a doença sintomática; 92% em evitar a doença e na mesma porcentagem evitar a doença grave; e 87% em evitar hospitalizações. Sendo assim, a recomendação de determinado intervalo deve seguir os resultados obtidos em pesquisas.
A questão é: ainda não existem testes clínicos em pacientes que tomam a segunda dose em um longo prazo após a primeira para todas as vacinas. Então é também difícil afirmar se existe algum risco à saúde caso o paciente tome apenas a primeira dose da vacina e ultrapasse o tempo recomendado da segunda. O que se sabe é que, se a proteção for parcial, esses indivíduos ainda podem estar suscetíveis a desenvolverem a Covid-19 em alguma porcentagem, mas reitera-se que essa proteção parcial pode, por exemplo, diminuir os casos da doença em que internações se tornam necessárias. Para a CoronaVac e para a Pfizer/BioNTech, os protocolos estabelecidos com base nos ensaios clínicos estabelecem algumas semanas entre as doses. Qualquer administração fora do prazo avaliado necessita de estudos para nos ajudar a entender se há prejuízos na efetividade. Cada corpo reage de uma maneira.
Até a campanha de vacinação avançar, a pandemia precisa ser contida e mais estudos serem realizados. A prevenção ainda é a melhor solução.