Em uma das últimas atualizações da finada rede Orkut, se popularizou a chamada “bina”. Funcionava de modo simples: avisava os 10 últimos perfis que tinha visitado sua página. Somente esse recurso deu uma alavancada na rede de forma sem igual e servia até de presunção para o início de um flerte. Quem aqui não se lembra do “visitou, mas não deixou scrap?”. Quase 16 anos depois do lançamento da primeira grande rede social, hoje se discute no Brasil a chamada PL das Fake News (2030/2020).
A proposição, de autoria do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), foi apresentada em conjunto com os deputados federais Tábata Amaral (PDT-SP) e Felipe Rigoni (PSB-SP) e tem como principal objetivo proibir o uso de contas inautênticas para disseminar desinformação. Para isso, o projeto prevê a responsabilização dos provedores de “aplicação” – como redes sociais e aplicativos de mensagens privada – com dois milhões de usuários registrados ou mais, sobre os conteúdos veiculados em seus espaços.
Segundo o texto, desinformação é “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”. O objetivo da lei seria desincentivar o uso de contas inautênticas cujo comportamento denotaria intencionalidade ao provocar confusão no debate público.
Assim como é apresentado, o projeto ignora um entendimento já estabelecido de que a desinformação ocorre na internet não somente por consequência de compartilhamento artificial de conteúdo. A desinformação vence ao ser corroborada por pessoas reais ou grupos que compartilham de um conjunto de valores e ideias que, por dolo ou não, se engajam ao multiplicá-las não apenas para ganho político ou econômico, mas como marcador social. Com isso, a iniciativa não só confunde desinformado e desinformador, mas demanda das plataformas a entrega de dados de comportamento de qualquer usuário que teve uma publicação marcada como falsa ou enganosa para que seja possível comprovar autenticidade e intencionalidade.
Prestes a ser votado, a PL já tem mais de 80 emendas. Esse relatório foi apresentado em prazo muito curto, a um dia da votação, o que compromete as chances de um debate aprofundado (como deve ser). Entre os principais problemas existentes nesse projeto, a exigência de identidade e coleta massiva de dados, o rastreamento de mensagens e a exigência de bancos de dados de usuários no Brasil, por si só, figuram como uma clara ameaça à privacidade e à presunção de inocência. Isso, é claro, além de fomentar uma maciça exclusão digital, pois muitos brasileiros sequer tem uma identidade, certidão de nascimento ou condições de ter um aparelho telefônico. Ou a PL cai e nossos legisladores pensam, como deveria ser, todas as possibilidades de algo que afeta nossa vida, ou estamos à beira de viver uma distopia digital digna de Philip Dick.