"Por 8 votos a 1, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiram, na sessão desta quarta-feira (17/06/2009), que o diploma de jornalismo não é obrigatório para exercer a profissão. Votaram contra a exigência do diploma o relator Gilmar Mendes e os ministros Carmem Lúcia, Ricardo Lewandowski, Eros Grau, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso, Ellen Gracie e Celso de Mello. Março Aurélio defendeu a necessidade de curso superior em jornalismo para o exercício da profissão. Os ministros Joaquim Barbosa e Carlos Alberto Menezes Direito não estavam presentes na sessão (...) O único voto contrário no julgamento foi dado pelo ministro Marco Aurélio. Ele alegou que a exigência do diploma existe há 40 anos e acredita que as técnicas para entrevistar, editar ou reportar são necessárias para a formação do profissional. "Penso que o jornalista deve ter uma formação básica que viabilize a atividade profissional que repercute na vida dos cidadãos em geral (...)".
Gilmar Mendes, Ministro do STF, Relator da pauta pelo fim da obrigatoriedade do diploma universitário para jornalistas. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil.
"(...) O Procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, afirmou que o curso superior de jornalismo age como obstáculo à livre expressão estabelecida na Constituição. "A atividade exige capacidade de conhecimento multidisciplinar", afirmou Souza, acrescentando que o diploma fecha a porta para outros profissionais transmitirem livremente seu conhecimento através do jornalismo. Do outro lado estava a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), favorável ao diploma. O advogado da entidade, João Roberto Fontes, afirmou que a não exigência do diploma significa uma precarização das relações trabalhistas entre donos de conglomerados e jornalistas. "Haverá uma proletarização ainda maior da profissão de jornalismo, uma vez que qualquer um poderá ser contratado ao 'bel-prazer do sindicato patronal'", afirmou Fontes. O advogado lembrou que a imprensa é conhecida como o quarto poder. "Ora, se não é necessário ter um diploma para exercer um poder desta envergadura, para que mais será preciso?", questionou. Grace Mendonça, em nome da Advocacia-Geral da União, citou a regulamentação em outras profissões para defender que o jornalismo também tenha suas exigências. Ao defender o diploma, Mendonça citou a figura do colaborador, que pode disponibilizar à sociedade seus conhecimentos específicos, e do provisionado, que poderá atuar em locais em que não haja jornalista formado. "A simples leitura do decreto, livre das circunstâncias temporais [do período do regime militar], não afronta a Carta da República. Seu conteúdo é constitucional", finalizou Mendonça".
Manifestantes protestam a favor do Diploma de Jornalista. Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil
Começo o texto desta coluna com este nariz-de-cera – quem frequentou a Faculdade de Jornalismo sabe do que se trata! - obrigatório para entendimento dos fatos que passo a relatar. Primeiro, gostaria de salientar que o Jornalismo, o ofício de Jornalista, morreu nesta data: 17/06/2009. A culminância tenebrosa deste fato histórico, ocorrido há 15 anos, assistimos na cobertura da maior emissora do Brasil neste Carnaval de 2024 no Rio, com as reclamações públicas da população e da crítica em geral das transmissões dos desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí deste ano. A “grita” reside no fato de que a TV Globo, detentora dos direitos de transmissão, não utilizou profissionais de imprensa (repórteres) para acompanhar o evento ao vivo diretamente da Passarela do Samba – que este ano completou 40 anos – acarretando supostas falhas de apuração, de acordo com os entendidos da folia momesca. Quesitos importantes, com mestre sala e porta-bandeira, evolução, comissão de frente, enredo e bateria, entre outros – apesar dos esforços dos apresentadores da festa -, não foram devidamente esmiuçados, bem como fatos importantes ocorridos na avenida, como o acidente com a integrante da Porto da Pedra e os “buracos” de algumas agremiações no desfile, não teriam sido devidamente reportados aos telespectadores. Sim, existiam pessoas cumprindo este papel, porém eram influencers e artistas!
Acidente na Marquês de Sapucaí com integrante da Porto da Pedra. Fotos: Reprodução Internet
Aqui abro parênteses. Sou de um tempo em que a Comunicação Social era subdividida em três áreas (Jornalismo, Publicidade e Relações Públicas) e tinha uma média de candidatos por vaga no vestibular que perdia somente para Medicina. Ou seja: era uma carreira concorrida e vislumbrada pelos jovens nos anos 90 do século passado. Naquele tempo, extremamente exemplificado numa sala de 90 alunos na única Universidade Estácio de Sá existente à época, no Rio Comprido (que hoje virou ruínas, basta passar pelo local), onde estudei graças ao Crédito Educativo da Caixa Econômica Federal (CREDUC), o sonho da maioria dos que buscavam este setor profissional era trabalhar em grandes redações de jornais impressos, como O Globo, Jornal do Brasil e O Dia, as três empresas que disputavam o mercado. Entrar numa destas redações, bem como dos jornais de São Paulo, como a Folha e o Estadão – era a glória na profissão. Aliás, a vaga de emprego na Folha era uma loucura: além do diploma de jornalista, a empresa exigia experiência na área, proficiência em língua estrangeira e - dependendo da Editoria em que a pessoa iria trabalhar – Pós-Graduação naquele determinado setor. Ainda em 2010, mesmo após a queda da obrigatoriedade do diploma universitário para Jornalismo, Comunicação Social era a terceira carreira mais concorrida na UFRJ. Fecho parênteses.
Redação de O Globo, anos 90. Foto: Reprodução Internet
Retorno ao ano de 2009, ano do fim da obrigatoriedade do diploma de jornalista, época em que a internet já vinha alcançando muitos cidadãos e as redes sociais, como o Orkut (criado em 2004) e o Twitter "bombavam" na sociedade. Programas de mensagens instantâneas, como o MSN Messenger – criado em 1999 - padronizavam comportamentos e faziam com que pessoas do mundo inteiro se comunicassem entre si. Nesta época, em meados dos anos 2000, o estadunidense Tim O´Reilly cunhou o termo “Web 2.0” que, em sua essência, significou entender a internet como uma plataforma que aproveitava a inteligência coletiva para evoluir. Os primeiros influenciadores digitais já surgiram, despretensiosamente, com a criação destas redes sociais. Desde a época do próprio Orkut existiam perfis com milhares de seguidores. Em 2006 surgiu o primeiro YouTuber e Influencer brasileiro: o ator Guilherme Zaiden, que publicou o primeiro vídeo naquele ano, quando seu site tinha 50 milhões de usuários (hoje possui 1,8 bilhão), viralizando vídeos na internet. De lá para cá, com o advento dessas conexões virtuais, a “sociedade líquida”, conceito desenvolvido pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman, onde as relações afetivas acontecem por meio de laços momentâneos e volúveis, tornando-se superficiais, cresceu.
Ator Guilherme Zaiden, primeiro YouTuber e Influencer brasileiro. Foto: Reprodução YouTube
Voltando ao jornalismo. A utilização de pessoas sem formação jornalística não começou na Editoria de Entretenimento ou Cultura, mas foi potencializada após a queda da obrigatoriedade do diploma jornalístico. Há bastante tempo, ex-atletas de diversas modalidades esportivas, como futebol, basquete, vôlei e natação, apenas para exemplificar algumas, são convidados a serem comentaristas, tirando o emprego de jornalistas profissionais especialistas da Editoria Esportes (que não possuem embasamento para lutar por este espaço dado o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício de sua profissão). A moda, desde os anos 90, foi a contratação desses ex-atletas. Para citar alguns: Edmundo, Neto, Roger Flores, Falcão, Pedrinho, Paulo Nunes, Zé Roberto, Hernanes, Petkovic, Casagrande, Junior, Caio Ribeiro, Muller, Fabio Junior, Juninho Pernambucano, Ricardinho, Grafite, Sorín, Djalminha, Alex, Fabio Luciano, Bebeto, Athirson, Zé Elias, Zetti e Vampeta (futebol), entre muitos outros, fora Nalbert, Carlão, Giovane e Fabi (vôlei) e César Cielo, Fabíola Molina, Daniel Dias , Ricardo Prado e Gustavo Borges (natação), entre outros de diversas modalidades.
Grafite, Ricardinho, Zé Roberto, Júnior e Hernanes: comentaristas de futebol da TV Globo na Copa de 2022. Foto: Divulgação TV Globo/Daniela Toviansky
Porém, o momento atual é a era dos “influencers e “youtubers” tomarem o jornalismo, assim como estão sendo utilizados, há alguns anos, no “Camarote” do Big Brother Brasil (BBB), para alavancar a audiência através de seus milhões de seguidores. Chegamos, enfim, ao carnaval de 2024 no Rio e às contundentes críticas à cobertura global da Marquês de Sapucaí. A líder de audiência preferiu fazer com que o evento mudasse de mãos: anteriormente a transmissão ficava a cargo do Jornalismo da casa, mas agora quem manda são as áreas de Entretenimento e Esportes, sob o comando de Boninho, mesmo diretor do BBB. Apesar dos esforços da atriz Dandara Mariana ENTREVISTANDO CELEBRIDADES nos camarotes da Sapucaí; da apresentadora Kenya Sade ENTREVISTANDO CELEBRIDADES na avenida; e do influencer Vitor diCastro se esforçando para arrumar personagens a fim de viabilizar matérias nas arquibancadas da festa, a colunista Carla Bittencourt, do UOL, chamou a empreitada de “show de horrores”, enquanto seu colega do mesmo site (Coluna “Na Telinha”), Sandro Nascimento, classificou a cobertura como “desastrosa”, ressaltando que “perdeu know-how”, e a jornalista Fabia Oliveira, do site Metrópoles, chamou de "catástrofico".
Victor diCastro, influencer contratado pela Globo para a cobertura do Carnaval 2024 no Rio. Foto: Divulgação/TV Globo
Até mesmo o “Glô na Rua”, entretenimento global que mostrou os blocos pelo Brasil, se utilizou desses personagens da internet nas reportagens. Ora, a Rede TV! já faz isso há muitos anos, vide o “TV Fama”, dona Globo! A Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), a mesma que defendeu os jornalistas profissionais quando da queda da obrigatoriedade do diploma, em 2009, soltou uma nota oficial repudiando as falhas na transmissão e destacando a importância do Jornalismo na cobertura do carnaval. A ex-repórter global Monica Sanchez, recém-demitida da emissora e com experiência de sobra nos carnavais cariocas como repórter, também expressou seu descontentamento com o que viu na TV: “Dos 40 anos da Sapucaí, participei de 30 transmissões, estudando os enredos, os sambas, visitando barracões, levando essa preparação muito a sério...”.
Na foto postada, os jornalistas Pedro Bassan, Mariana Gross, Monica Sanchez e Ana Luiza Guimarães nas reportagens dos desfiles das escolas de samba do Rio.
Enquanto a cobertura carnavalesca da TV Globo definhava, a jornalista Mariana Gross, que nos brinda no pré-carnaval com conhecimento de causa e expertise das escolas de samba cariocas no jornalístico RJTV1, passava desfilando na telinha, num carro alegórico da Imperatriz Leopoldinense, dando tchauzinho para os telespectadores saudosos de uma cobertura de excelência. Mais perturbador, impossível!