Existe um tipo de luto que não vem com funerais, flores, velas ou abraços de consolo. Nem licença por óbito temos direito. É o luto de quem não morreu, de quem está por aí, vivendo, mas já não faz mais parte da nossa vida. Ele é dissimulado, silencioso, quase imperceptível aos olhos alheios. Não compõe uma foto em preto e branco no feed do Instagram com texto sobre saudade. Não há uma despedida formal ou um desfecho coeso. As pessoas seguem respirando, mas é algo dentro de nós que morre.
A morte, ao menos, tem a decência de ser tangível. Mas tem gente que simplesmente vai embora. Não dá aviso, não faz alarde, apenas sai de cena e, quando você se dá conta, o espaço que aquela pessoa preenchia já está vazio. É como aquela poltrona que fica desocupada na sala após alguém se levantar e caminhar para a saída, um vestígio de que havia alguém ali, mas que, por alguma razão, não está mais.
O luto não tem pressa. Ele gosta de sentar e observar a gente desmoronar. E o mais sensacional disso é que tendemos a acreditar que a despedida é obediente, respeitando seu lugar: o instante final. Tolos, nós. As despedidas não surgem com as malas prontas ou numa situação crítica num quarto de hospital. Elas vêm bem antes. Elas entram em cena quando o diálogo perde a vez, quando as conversas saem do ritmo, quando os silêncios fazem morada onde antes existiam palavras. Quando os encontros passam a ser nada mais que rotina, desprovidos de vontade.
E quando alguém parte, o dia mais difícil sempre é o próximo. É naquela novidade boba que gostaríamos de compartilhar, é perceber que falta um lugar à mesa, é sentir um arrepio quando - por descuido - a playlist no modo aleatório acerta na música que te faz lembrar essa pessoa. É encarar a porta no pontual horário que ela chegaria à casa. Sinto muito, mas ela não vai entrar. E, enquanto nos questionamos, a vida da outra pessoa continua — talvez mais leve sem você, talvez tão ferida quanto.
O luto é ousado. Ele bagunça a nossa relação com o tempo. O passado fica revirando na nossa cabeça, abarrotado de "e se?" e "eu deveria ter". Ele provoca a nossa percepção quando damos conta de trocar o “é” pelo “era”. E a gente sempre erra a conjugação como erramos ao escrever o ano certo na data de janeiro. É um erro persistente.
Capto um tipo de beleza na efemeridade, mas também uma aflição e tanto. Porque há gente que, quando vai, leva um pedaço da gente junto. Nos resta, então, lidar com as ausências que respiram, com o peso morto das memórias e o silêncio das despedidas jamais declaradas.
O difícil é aprender a conviver com esses espaços vazios, mas a gente chega lá.
Até o próximo texto!
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