Tem gente que coleciona mágoas como se fossem troféus. Cada discórdia, cada palavra dita fora de hora, cada gesto mal interpretado e cada expectativa frustrada - tudo é empacotado com zelo e, enfim, guardado num canto escuro da memória. Porque, para alguns, mágoas não são simplesmente feridas que cicatrizaram. São relíquias. Esses troféus são atestados como se a habilidade de não esquecer fosse uma virtude. E quanto mais antigos, mais valiosos.
E o pior é que a mágoa não envelhece como vinho, mas como comida esquecida no fundo da geladeira: apodrece. Vai contaminando outras áreas da vida, distorce o presente com o peso do passado. Deturpa o futuro também.
Os guardiões de mágoas, com o tempo, tornam-se especialistas em relembrar injúrias. Não esquecem a data, o contexto e as exatas palavras ditas. Revivem o ressentimento como quem revisita um álbum de fotos antigo. Talvez até com nostalgia. Poderia, quem sabe, lhe apresentar um seminário sobre o assunto.
Buscam incansavelmente uma brecha para trazer o assunto à tona. E ai de você se não se permitir entrar no clima da discórdia em questão. Percebo a estupidez humana quando vejo a capacidade da ânsia em acumular esse sentimento excêntrico por mero capricho.
É uma ferida que se aloja sem ao menos pedir licença e vai se espalhando pelo corpo e pela mente, é como uma brasa que queima devagar. A raiva não, essa explode como um fogo de artifício que logo desaparece. A mágoa é mais sutil, duradoura, nociva. Ela se aconchega, silenciosamente, dentro do peito. Não grita, não reclama, não chama a atenção, mas pesa. E o peso da mágoa é traiçoeiro, pois, ao contrário do que se pensa, não é fácil de admitir. De repente, você percebe que ela está ali, alastrando um espaço que deveria ser de algo mais leve, mais saudável, mais seu.
Muitas vezes, a mágoa não nasce do outro, mas de nós mesmos. De nossas idealizações, dos nossos atos que - infelizmente - acabamos esperando que volte na mesma proporção, das promessas que criamos sem que o outro tenha de fato prometido. Da nossa mania em esperar que o outro tenha, por nós, a consideração que um dia tivemos por eles. Por crer em empatia. Colocamos expectativa em excesso no outro e isso nos custa caro, mas quem é que vai nos ensinar a fazer diferente? É um vício velado.
No final das contas, guardar mágoa com orgulho é um pacto silencioso com a dor. É optar por viver na fronteira entre o que foi e o que nunca será superado. E, enquanto isso, o tempo segue, indiferente aos ressentimentos humanos. O tempo corre e não liga se precisamos parar um pouco. Vejo tudo como uma oportunidade para a nossa própria evolução. Então cabe a nós decidir se a lição absorvida será uma âncora que nos prende ou um impulso que nos faz seguir em frente.
Até o próximo texto!
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