Você conhece o tipo. Eles estão sempre impecáveis. No trabalho, são os primeiros a chegar, os últimos a sair, e, entre uma atividade e outra, encontram tempo para ouvir e aconselhar o colega que terminou o casamento ou para organizar a vaquinha do aniversário do chefe. Nas redes sociais, são pura sabedoria: frases motivacionais, sorrisos emoldurados, tudo devidamente filtrado para parecer intocado pelas durezas da vida. Para o mundo, são um exemplo. Para quem os conhece de verdade, são uma contradição ambulante.
Em casa, onde o palco deveria ser mais íntimo, a coisa muda de figura. O tom de voz, que para os outros é melodioso e paciente, vira grosseria com quem divide o teto. Os gestos de gentileza, tão abundantes no externo, evaporam quando se trata de arrumar a mesa ou de perguntar como foi o dia de alguém que leva o sobrenome deles. É como se as reservas de empatia fossem exauridas fora, deixando apenas o que sobra – e não é muito – para os mais próximos.
É fácil se encantar por um falso profeta. Eles vendem a imagem de perfeição com a habilidade de um bom marqueteiro. Mas, como em toda propaganda enganosa, há uma letra miúda que só quem convive enxerga. Os filhos que crescem sem se sentirem ouvidos, o cônjuge que se sente invisível, outros familiares que são lembrados apenas nas datas festivas – e, ainda assim, como um item de checklist a ser riscado.
A hipocrisia mora no detalhe. Esses perfeitos para os outros costumam justificar suas ausências emocionais em casa com desculpas nobres: “faço isso pelo bem de vocês”, “o mundo lá fora exige muito de mim”. Mas será que exige tanto assim? Ou será que é mais confortável ser aplaudido por estranhos do que enfrentar os desafios da intimidade?
Relacionar-se com quem está ao nosso lado todos os dias é um exercício de vulnerabilidade. Não há como esconder as falhas, os momentos de cansaço, os dias ruins. Já fora de casa, é fácil manter a pose, controlar a narrativa, ser herói por um instante e depois voltar ao aconchego do ego inflado.
No fundo, os falsos profetas não são maus, apenas estão perdidos em uma busca equivocada por aprovação. Não entenderam que a admiração que realmente importa é aquela que não precisa de plateia. Que os maiores atos de amor são silenciosos, quase anônimos, e acontecem em conversas de pijama, em abraços que ninguém vê e em um simples gesto de estar presente. No fim, o que conta é quem segurou sua mão quando você tropeçou, quem sabia seus defeitos e, mesmo assim, escolheu ficar. A família não espera perfeição, espera humanidade.
Talvez seja hora de desligar o holofote, descer do altar e olhar ao redor. Porque o palco é passageiro, mas a vida real é onde os verdadeiros profetas – e os verdadeiros amores – se revelam.
Até o próximo texto!
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