Houve um tempo em que as redes sociais eram um lugar tranquilo. Ou pelo menos é assim que lembro. No começo, a gente postava qualquer coisa, sem medo, sem preocupação. Era o retrato fiel do caos diário: uma foto de comida meio desfocada, a página de um livro, uma selfie no espelho com o cabelo bagunçado, uma paisagem qualquer que alguém via e pensava “está bem, isso é um bom recorte do mundo”. Não havia pressa em ser perfeito. Não havia filtros.
Até que, de repente, surgiram os filtros. Aqueles mesmos que pareciam mágicos, capazes de transformar um dia comum em uma obra de arte, um céu nublado em ensolarado, de criar um universo onde todos tinham pele de porcelana, sobrancelhas impecáveis, dentes branquíssimos e olhos brilhantes. Eles tomaram conta das telas, e de um jeito ou de outro, começaram a ditar como deveríamos ser. Não foi uma revolução, foi uma invasão silenciosa.
Confesso: eu me encantei pelos filtros - quem não? Era como se, finalmente, houvesse uma resposta para todas as imperfeições que me incomodavam. O filtro me dava uma versão idealizada de mim mesma, como se o meu melhor estivesse ali, ao alcance de um mero clique. E todo mundo parecia estar nesse mesmo barco. A gente se conhecia pelos filtros, pelas versões mais polidas e editadas de nós mesmos. O filtro fazia tudo parecer mais bonito, mais suave, mais... correto.
O problema começou a surgir quando a gente se esqueceu de quem éramos sem o filtro. O próprio Instagram, essa vitrine que nos obriga a mostrar só o que exala, e a esconder o que é feio, tornou-se um campo de batalha. A pressão estética foi se intensificando. A necessidade de ser perfeito, de estar sempre no melhor ângulo, de mostrar a beleza idealizada, e não a real, tomou proporções cruéis. A gente foi se distanciando da nossa versão autêntica, trocando os erros pelas perfeições fabricadas.
Até que, em um movimento curioso, os filtros começaram a perder a graça. Não foi algo anunciado, mas aos poucos, as pessoas começaram a cansar desse padrão inatingível. Algo mudou no ar, como se estivéssemos de saco cheio de ser sempre incríveis e impecáveis. Os “não-filtros” começaram a surgir, a buscar um respiro no meio de tanta maquiagem digital. E, de repente, a hashtag #semfiltro começou a ser mais popular que qualquer outra, como se estivéssemos tentando redescobrir um pedaço de nós mesmos que ficou perdido pelo caminho.
Na última semana o Instagram resolveu, em uma tentativa ousada e, talvez, um tanto tardia, remover os filtros de embelezamento e nós, que já estávamos tão acostumados a sorrir para a câmera sabendo que poderia sempre contar com um pequeno truque digital, ficamos diante de um novo dilema: e agora, o que faço com minha cara? A minha cara de verdade, aquela que tem espinhas, olheiras, marcas de expressão... O que faço com ela?
No começo, achei um absurdo. Como assim, não posso mais dar aquele retoque básico antes de compartilhar minha selfie com o mundo? Como vou encarar aquelas luzes que atrapalham, o cabelo revoltado de quem acaba de acordar e já foi atropelada pela rotina? O filtro tinha virado um tipo de seguro, uma capa protetora. Era meu aliado em minha íntima luta contra a realidade.
Agora, sem filtros, a sensação é de que fomos arrancados de uma zona de conforto. A vida parece nua e crua. A gente olha para o rosto real e pensa: “É isso aí. Não tenho nada de especial para mostrar, mas também não sou menos por isso”. E, sinceramente, me sinto aliviada. A guerra pela perfeição é cansativa, e uma parte de mim se reconcilia com a ideia de que está tudo bem não ser sempre “fotogênica”.
O Instagram, ao remover os filtros, não nos está dizendo para não sermos bonitos, mas sim para sermos reais. Talvez, por fim, tenha chegado a hora de relembrar que a beleza, muitas vezes, está nos detalhes que, antes, preferíamos esconder. A falta do filtro não vai mudar o mundo, mas pode ajudar a mudar nossa relação com ele. Quem sabe, agora, a gente comece a gostar um pouco mais daquilo que, até ontem, preferia esconder. Talvez o filtro que realmente precisamos seja o da auto-aceitação.
Até o próximo texto!
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