A peça é surpreendente e está seguindo firme os passos de espetáculos que representam o teatro brasileiro no exterior.
Em julho de 2022, fez sua estreia internacional no Festival de Avignon (França), um dos maiores festivais teatrais do mundo, recebendo excelentes críticas.
“Uma peça poderosa e tocante”.
Guia Off Avignon, França
Quem assistiu sabe que não poderia ser diferente.
Aqueles que admiram um excelente drama não podem deixar de assistir ao espetáculo. É para ontem!
O texto pertence a Maura Lopes Cançado, com mudanças minúsculas dos seus escritos, o que foi muito gentil da parte dos idealizadores.
Durante a pandemia, Maria Padilha trouxe o tema ao palco, por um audiovisual do extinto teatro PetraGold. "Extinto" porque se encontra com as portas fechadas. Um belíssimo monólogo, já apresentado no Centro Cultural do Banco do Brasil.
Ao contrário do que eu já tinha assistido, "Uma Mulher ao Sol" apresenta uma proposta diferente, que merece nosso olhar.
Duas atrizes entram em cena e fazem a plateia estacionar no tempo. Não se ouve absolutamente nada. Só não ouvimos o barulho dos pulmões inflarem porque temos uma sonoplastia. E não se trata de qualquer sonoplastia! As músicas foram muito bem acolhidas, de Maysa a Gal Costa, impossível não admirar. Marcelo H assina a trilha sonora original, com imenso bom gosto. Claro que eu não podia deixar de mencionar que Tauã de Lorena opera o som. Não teria como dar errado!
A direção de movimento é de Dani Cavanellas, que já mostrou seu potente trabalho no espetáculo "Círculo de Giz", do Armazém da Utopia. Mas, dessa vez, que me perdoe a diretora, ela simplesmente nos deu poesia e arrancou nossos suspiros durante todo o espetáculo. Os movimentos são precisos e sincronizados. Mais que isso: harmoniosos entre as atrizes no palco. Uma das cenas que chancelam a grandeza da direção, acredito que seja de Dani, é quando as atrizes estão na fila do refeitório do hospício. Essa me levou aos nados sincronizados durante as olimpíadas! Poderia mencionar outras cenas, como as da bailarina, aonde as pernas de uma das atrizes trazem movimentos a outra atriz, dando a sensação de um corpo alongado. A cena não tem arranhões, trazidos pelos devaneios do texto da jornalista. Que percepção, que criação fantástica!
Acredito que Dani e Ivan Sugahara trabalharam juntos muitas vezes ao executar essa obra, porque é notável a direção artística abraçando a direção de movimento e a iluminação.
O espetáculo conta com Alessandro Boschini desenhando a luz. Nesse momento, abri um dos livros que ganhei do MIS - Museu da Imagem e Som - "A HISTÓRIA do TEATRO no RIO DE JANEIRO", de Bárbara Heliodora, e também a obra literária o “Anjo Pornográfico”, do autor Ruy Castro, que fala sobre a vida de Nelson Rodrigues.
“Em 1943, o espetáculo 'Vestido de Noiva' chega ao teatro, com o conhecimento do polonês Ziembinski, traçando diferentes planos do cenário, dinamizados pela luz. Isso conduzia magistralmente o espectador na apreciação do texto. Na noite de estreia, o iluminador manda trazer do Palácio Guanabara os refletores. Sim, deixar a residência oficial da presidência ficar às escuras, enquanto Ziembinski fazia o capeta com a luz do Municipal”.
Ao assistir ao espetáculo "Mulher ao Sol", vi um trabalho de luz que me levou ao eterno polonês que, junto ao Nelson, transformou o teatro brasileiro.
A iluminação traz precisão ao espetáculo. Junto à atuação das atrizes, dá dinamismo à obra. A cada apagar e acender de luz, uma cena se faz, diferente da outra.
Em uma dessas cenas, a iluminação apresenta um momento em que as atrizes estão no cinema. Alessandro, mais uma vez, foi perfeito, uma sensibilidade e saber que pouco se vê.
Confesso que ainda estou em êxtase com tudo que assisti desse profissional! Acredito que Ziembinski teria feito o mesmo!
Cristina Novaes e Renata Pittigliani são as cenógrafas, que trazem macas enferrujadas, mesas de hospitais enferrujadas e uma escada em que as atrizes aproveitam para performances, apresentando belíssimas cenas. Elas, as cenógrafos, trouxeram verdade, através de armários de hospitais - essas de ferro envelhecidos -, um trabalho profundamente estudado, é o que parece.
O figurino é básico, como deveria ser, mas que se casou perfeitamente com o texto. Deu liberdade às atrizes, que fazem movimentos fortíssimos durante a peça. Em um dos momentos, quando se faz a referência à Ofélia, de Hamlet, uma saia de tule é posta, com uma calda feita de tecido branco. Fica suntuoso, belo! Joana Lima acertou!
Tanto acertou que, em uma das falas de Luz Del Fuego em seu livro, a vedete traduz perfeitamente o que vi, durante seus dias em uma clínica psiquiátrica.
Não só as indumentárias me levaram à Dora Vivacqua, mas também a má alimentação escrita por Maura. Luz chegou a perder 10 quilos em uma de suas internações.
As atrizes Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera merecem aplausos por seus movimentos, pela força interpretativa, pelo respeito ao palco que pisam, por atuarem caladas e exporem seus corpos sem vulgaridade - a primeira cena que uma das atrizes aparece nua é de tirar o fôlego, pois notamos nela uma personagem realmente conturbada.
Essas atrizes merecem mais aplausos por encherem o teatro, esgotarem ingressos, por saberem fazer teatro, por terem vontade de fazer bem feito e mergulharem aonde mergulharam. Elas nos fazem chorar, usam as expressões faciais para dar ao teatro o que ele precisa, o possível e o impossível, para que no final, após aplausos, ouvirem o relato de uma senhora espectadora: “meu filho é esquizofrênico e isso que vimos aqui é exatamente o que se vive, é uma luta, um cansaço que somente quem passa sabe”.
Essas atrizes são potentes e quebram barreiras quando falam de algo que poucos querem falar: a saúde mental, ainda vista com preconceito.
Uma salva de palmas para elas!
Sinopse
“Como se pode perceber, a função do teatro, de maneira ampla, é a de causar reflexão e purificar, por meio de catarse, o espírito do homem. Sua importância se reafirma pelo aprofundamento do ser reflexivo e social”.
Artigo publicado na Revista CEPPG.
O espetáculo "Uma Mulher ao Sol" entendeu a missão do teatro, ao trazer uma reflexão que também merece ser revista: a saúde mental.
A montagem se debruça sobre a vida e a obra de Maura Lopes Cançado, escritora brasileira que passou por diversas internações psiquiátricas ao longo da vida.
Sobre Maura
Maura foi uma jornalista. Mesmo de dentro do hospício escrevia para o Jornal do Brasil e Correio da Manhã. Uma mulher inteligente e sensível. No entanto, um ser humano complexo: matou uma paciente em 1972, foi acusada de homicídio, levando-a a um tratamento cruel em um manicômio judiciário.
Quando criança foi abusada sexualmente e, aos quinze, casou-se e teve um filho.
Seus livros são de grande importância, pois através da notoriedade de suas escritas, alguns tratamentos foram revistos.
Durante o texto fica notável sua sensatez e não sensatez, delírios gostosos de serem lidos/ouvidos, principalmente quando ela se refere a suas sensações. Quando fala de Marilyn Monroe, fica evidente sua necessidade de atenção, pois quem conhece a história da atriz entende o escrito da jornalista Maura. Em uma das biografias da atriz Hollywoodiana, dizem que ela chegou a um manicômio também.
É notável a escrita de Maura e difícil de entender como uma mulher tão fascinante tenha caído nos braços dos algozes mentais.
FICHA TÉCNICA
Texto: Maura Lopes Cançado
Atuação: Danielle Oliveira e Maria Augusta Montera
Direção e Organização Dramatúrgica: Ivan Sugahara
Assistência de Direção: Ana Moura e Beatriz Bertu
Direção de Movimento: Dani Cavanellas
Assistência de Direção de Movimento: Cátia Cabral
Preparação Corporal: Paulo Mazzoni
Cenografia: Cristina Novaes e Renata Pittigliani
Pintura sobre Lençóis: Breno Barbosa
Iluminação: Alessandro Boschini
Assistência de Iluminação: Tiago D’Avila
Trilha Sonora Original: Marcello H
Figurino: Joana Lima Silva
Assistência de Figurino: Tayara Dias
Operação de Som: Tauã de Lorena
Operação de Luz: Walace Furtado
Contrarregragem: Reinaldo Patrício
Direção de Produção: Sergio Saboya e Silvio Batistela
Produção Executiva: Verônica Rocha
Coordenação Administrativa e Financeira: Alex Nunes
Criação: Danielle Oliveira, Ivan Sugahara e Maria Augusta Montera
Idealização: Danielle Oliveira e Ivan Sugahara
Realização: Projeto Trajetórias
Serviço:
Uma mulher ao sol
Temporada: Até 30 de abril de 2023
Teatro Poeirinha: Rua São João Batista, 104 – Botafogo – Rio de Janeiro/RJ
Telefone: (21) 2537-8053
Dias e horários: quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 19h.
Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia-entrada)
Lotação: 41 pessoas
Duração: 1h20
Classificação: 16 anos
Venda de ingressos: na bilheteria no teatro e pelo site Sympla: https://bileto.sympla.com.br/event/80203/d/180207/s/1220024