Eu não posso deixar de escrever sobre a obra que traz ZÉ RAMALHO ao palco do Teatro Prudential. As músicas do Zé embalaram a minha infância, como filha de nordestino que sou. Óbvio que o espetáculo iria vir ao meu encontro e me sinto apta para falar sobre este artista, que é do tamanho do Brasil ou até maior que ele. Foram vários shows, dentro e fora do Rio de Janeiro. Uma proximidade que me orgulho de guardar em minha memória afetiva. Lembranças de momentos com a minha família e amigos ao som do Zé. Agradeço a vida por ter tido a oportunidade de morar em outros estados, me aproximando da música brasileira na sua essência, principalmente de grandes artistas, como Elba Ramalho, Geraldo Azevedo e Alceu Valença, entre outros.
Confesso que senti falta de muitas coisas na dramaturgia de Pedro Kosovski. No entanto, ele foi assertivo em outras. Zé Ramalho tem uma carreira muito extensa e ficaria difícil também colocar tudo em um texto. Exatamente por isso deve-se considerar tal informação. E outra: para aqueles que conhecem as letras de Zé, talvez fosse realmente difícil encontrar alguém diferente do Pedro para essa escrita. De alguma forma esses artistas se encontraram, pois Pedro é sempre bem irreverente em seus textos. Questiono: quem nunca perguntou sobre a letra da música "Frevo Mulher", composta por Zé? Por aí entende-se um pouco da rara habilidade dos dramaturgos ao render-se a um dos artistas mais enigmático do país, que jura ter visto espaçonaves por aí.
Mas quando falo que faltaram alguns dados importantes, falo do "Grande Encontro", por exemplo, que reavivou e fez esses nobres artistas, citados no primeiro parágrafo, alçarem novos voos. Uma revisitada ao passado que, mais uma vez, fez com que explodissem no país. Sobre Zé, várias passagens: a questão da universidade de medicina deixada para trás, a prima Elba Ramalho, sua vinda parra o Rio ao lado do imenso Alceu Valença e sua importância para o povo nordestino. Para nós, filhos de paraibanos.
"Tá vendo aquele edifício, moço?
Ajudei a levantar
Foi um tempo de aflição
Era quatro condução
Duas pra ir, duas pra voltar
Hoje depois dele pronto
Olho pra cima e fico tonto
Mas me vem um cidadão
E me diz, desconfiado
Tu 'tá aí admirado
Ou 'tá querendo roubar?"
O êxodo rural se estendeu durante as décadas de 70 e 80, provocando grandes problemas sociais. A maioria dos migrantes eram desprovidos de qualificação profissional e, por este motivo, não eram absorvidos pelo mercado de trabalho, tornando-se desempregados ou ficando em subempregos nas cidades
Outro aspecto muito abordado na música é o preconceito gerado pelas diferenças de classes sociais, um problema ainda muito presente em nosso país até os dias atuais.
Quando, muitas vezes, os paraibanos e nordestinos eram humilhados nas grandes cidades, Zé Ramalho, com toda sua poética, os elevou a abraçar a Paraíba, o povo paraibano, sentindo-se acolhidos através da música "Cidadão" nos anos 70.
A música "Sinônimos", que até hoje fecha seus shows, também não foi mencionada. Embora a música não seja dele, foi escrita e orientada com sua participação.
Senti falta dessas informações sobre um artista que fez com que eu compreendesse, através de sua poesia, a importância do Nordeste em minha vida. Já estive num festival de forró em Itaúnas/ES, junto a Zé Ramalho, em um show intimista. Portanto, posso dizer que, para entender a força desse artista é preciso sair um pouco do Rio de Janeiro. Isso para entender que "Admirável Gado Novo" é uma das faíscas dele, por exemplo. "Taxi Lunar", fora o eixo Rio e São Paulo, é uma das canções mais cantadas em Minas Gerais e Espírito Santo. "Frevo Mulher" é um clássico da música brasileira, unanimidade em festas particulares, no carnaval e nas festas juninas. São canções que se eternizaram, para sorte dos brasileiros.
Eu senti falta de um cenário mais nordestino, algo que pouco acontece. Creio que precisasse de algo que me levasse a mais verdades do personagem. Mas como fã do cantor, afirmo que não lembro de ter assistido a um show de Zé Ramalho ornamentado. Muito pelo contrário, é tudo muito liso, onde a emoção de suas letras nos levam ao passado e a hoje na mesma cadência. No entanto, pela beleza do figurino, esperava mais do cenário.
O espetáculo tem quase duas horas. Claro que não sentimos passar, há dinamismo entre os artistas no palco. As músicas de Zé nos levam a outra dimensão, embora eu tenha visto uma plateia apática, menos envolvida, naquele dia. O que não entendi, diante da maestria das músicas levadas ao espectador. Aliás, tenho percebido que o público carioca frequenta menos teatros que o paulistano, por exemplo, o que é uma pena. Mesmo assim, resistimos no cenário musical, por exemplo. Ainda temos nos palcos artistas como Marisa Monte e Ney Matogrosso, entre outros, que continuam insistindo no lirismo e no erudito, não se deixando levar pelo raso, o que parece ser um predileção do público, nos fazendo sentir até mesmo saudades das letras rebuscadas. Podemos classificá-los como "heróis da resistência".
Um dos nomes fortes do espetáculo, posso dizer, sem sobra de dúvidas, é o ator Tiago Herz. O artista está cada dia mais maduro e leva o espetáculo muitíssimo bem. Tiago tem se mostrado um verdadeiro camaleão, com mil faces. Ele não se perde, se encaixa bem nas oportunidades que lhe são dadas, muda de um personagem para o outro muito fácil. E sempre com criações magnéticas.
Muato. Eu poderia escrever um texto inteiro sobre esse artista, porque ele merece, realmente é bom no que faz. Fiquei perdida com a musicalidade do artista. Se é para falar de música, chame o Muato, ele é simplesmente completo: sua voz, seus acordes, a música que saem das suas mãos são um desbunde para a plateia. Foi um prazer inenarrável assistir esse artista e sua arte dele.
Ceiça Moreno, com o acordeom, também balança nossas estruturas.
Adriana Lessa bate um bolão, com voz e expressões faciais perfeitas. O que não entendi, mais uma vez, foi a dramaturgia falando sobre a ancestralidade negra, levando em consideração que a história da Paraíba, só pelo nome, já carrega uma ancestralidade indígena. A Paraíba foi o estado com o menor número de negros, pois a Coroa Portuguesa teve muita dificuldade para colonizar os indígenas potiguaras e tabajaras. Essas desconexões me deixaram um pouco perdida.
A explicação da canção "Chão de Giz" foi realizada por Tiago e Adriana. Uma cena que chama a atenção. E, mais uma vez, a plateia adormecida…
No entanto, se por um lado a história criou em mim um conflito de entendimento, é notável a realeza musical da obra, que foi produzida com esmero e com a participação de um paraibano, o que achei fantástico.
Outro ponto a ser mencionado é o querido Wanderley Gomes, paraibano e premiado. Ele trouxe, da sua terra natal, figurinos apropriados e inteligentes. Soube recriar o Nordeste com os bordados de Lampião nas indumentárias, que desenhavam a Jovem Guarda abraçada por Zé. Cores fortes e brilhos bem postos. O paraibano não cometeu um arranhão. Há beleza nos figurinos, há religiosidade nas roupas, que traduzem muito do nordestino.
Assim como o Muato, que também é diretor musical. Ele acertou precisamente nas releituras musicais.
Aliás, para tentar entender Zé Ramalho, é preciso entender que o artista transcende. Suas músicas transcendem, seja com Bezerra da Silva, com Geraldo Azevedo ou músicos de rock internacionais. Zé acolheu outros estilos, como o frevo. Não tem um gênero específico, tamanha sua musicalidade. Aliás, isso foi trazido para a dramaturgia com o devido merecimento.
Zé Ramalho, embora tenha mergulhado na Jovem Guarda e Woodstock, parou na MPB. Não cabia, no artista, calar-se diante da Ditadura Militar, entre outros atravessamentos políticos. Sempre em defesa do homem, como a arte precisa ser.
Para quem é fã de Zé Ramalho, vale assistir o espetáculo para mergulhar nas canções que a peça apresenta.
Zé passou por momentos na vida que o levaram a nocaute. Mas, forte como era, e poético por natureza, parecia ser destinado ao sucesso. Mas um sucesso de alma, que até hoje nos acolhe em sua musicalidade, sendo um dos maiores letristas desse país. Mesmo diante do psicodélico, ele cantava refinadamente.
Tentar entender Zé Ramalho é entender um pouco desse país, da alma do sertão, tal qual Guimarães Rosa. É ser visionário, algo complexo, é preciso mergulhar no saber, talvez no universo metafísico. Olhando para o meu passado, ignóbil, entendo que, para esses homens, ela - a alma do sertão- já existia. Brejo do Cruz, hoje cidade com pouco mais de treze mil pessoas, foi só um start para que ele refletisse a potência do estado da Paraíba. Zé e Guimarães entenderam a força das palavras e desenharam, através da escrita, versos incontestavelmente perfeitos, de imensurável valor para nossa arte e poesia. Ambos arrebatam. Foi do sertão, terra árida, rachada, com um bioma único no mundo, que ambos nos elevam os sentimentos e a nossa cultura. Eles merecem ser relidos e reconhecidos para todo sempre. AMÉM.
Ficha Técnica:
Texto: Pedro Kosovski
Direção: Marco André Nunes
Direção musical: Plínio Profeta e Muato
Direção de movimento: Caroline Monlleo
Idealização e produção artística: Eduardo Barata
Elenco: Adriana Lessa, Ceiça Moreno, Cesar Werneck, Duda Barata, Marcello Melo, Muato, Nizaj, Pássaro, Tiago Herz e Genilda Maria (atriz stand-in)
Cenário: Marco André Nunes e Uirá
Figurinos: Wanderley Gomes
Iluminação: Dani Sanchez
Desenho de som: Júnior Brasil
Visagismo: Fernando Ocazione
Assistente de direção: Diego Ávila
Programação visual: Felipe Braga
Direção de produção: Elaine Moreira
Produção executiva: Tom Pires
Produção: Barata Produções
Serviço:
- Valores dos ingressos:
Dias 28, 29, 30 de setembro e 01 de outubro [Estreia com preços promocionais]
R$ 60,00 (inteira) e R$ 30,00 (meia)
A partir de 06 de outubro [Ingressos com preços normais]
Quinta e sexta – R$ 90,00 (inteira) / R$ 45,00 (meia)
Sábado e domingo – R$ 100,00 (inteira) / R$ 50,00 (meia)
*Obs.: 05 de outubro não haverá apresentação
Classificação: 12 anos
Duração: 105 MINUTOS
- DESCONTOS: (Válidos para compras na bilheteria do teatro, site/app Sympla e caixa de autoatendimento):
*MEIA-ENTRADA: CONFIRA AS REGRAS DA LEI DE MEIA ENTRADA - https://bileto.sympla.com.br/meia-entrada/
É NECESSÁRIO APRESENTAR DOCUMENTO QUE COMPROVE O DIREITO AO DESCONTO NA ENTRADA DO ESPETÁCULO.