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"Alegria dos Náufragos": obra inteligente, esmerada e sofisticada

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 27/10/2023 às 13:15:19

Já sabemos que o Nordeste é um celeiro de artistas cômicos e isso já é um bom motivo para irmos ao SESI Firjan, no Centro do Rio, assistir "Alegria dos Náufragos". Além de premiada, a obra é inteligente, feita com esmero e, posso dizer, sofisticação.

Quando menciono a palavra "sofisticação", entendo que, por não ter no palco, pode haver um cenário suntuoso. Muito pelo contrário: quase não temos cenário! A ficha técnica soube trabalhar com manualidade e percepção do que a plateia assiste com cuidado. Se não temos um cenário que ocupa um palco do tamanho da caixa cênica do Sesi, a iluminação se prende aos artistas no primeiro plano e deixa, no escuro, o fundo do palco. Isso, para mim, foi de uma expertise imensa, porque não desmerece o espaço, não deixa que nossos olhos notem um vácuo. Uma saída de gênio!

Aliás, não podemos deixar de mencionar a curadoria do querido Alessandro Martins, que entende de teatro com um olhar de águia, assertivo. Alessandro é um dos representantes do Sesi Firjan e cuida com zelo do espaço. Acima de tudo, com muito respeito às artes cênicas.

“O conto 'Uma História Enfadonha', de Anton Tchekhov, é de uma beleza singular e que nos atordoa. Escrito em 1888, portanto, há mais de cem anos, a história é narrada pelo professor Nicolai, de 62 anos, que é um sujeito enfastiado com a vida, mas é um enfado racionalizado, descritivo, justificado.”

Isso caiu nas mãos de fazedores de teatro da Paraíba e o que aconteceu…

O Ser Tão Teatro é um grupo de pesquisa formado em 2007 na cidade de João Pessoa a partir da reunião de alunos e profissionais das artes cênicas do Departamento de Teatro da Universidade Federal da Paraíba - UFPB. É necessário pontuar essa informação, afinal vivemos em um país que adora menosprezar o paraibano, que é nordestino. Pejorativamente, se transforma em "paraíba". Detalhe: poucos conhecem a beleza do estado, muito menos reconhecem que artistas como Zé Ramalho saíram daquele sertão. Também não sabem que essa cidade em que vivemos - o Rio de Janeiro -foi praticamente construída por eles. Portanto, deveriam respeitar esse povo!

O que enriquece a obra?

O talento dos artistas Cely Farias, Rafa Guedes e Thardelly Lima, que é exuberante.

A dramaturgia foi muito bem escrita por César Ferrario, Giordano Castro e Ser Tão Teatro, que merecem salvas de palmas.

Eles são debochados até o fim, com jogos cênicos que enriquecem, em absoluto, a obra.

Eles são contundentes em fazer teatro. Afirmo a respeito disso: quem chancela é a plateia, que se deleita nas verdades trazidas por eles. Ao contar a vida enfadonha do professor, embutem a vida dos artistas na dramaturgia e tudo é contado com as muitas verdades dos artistas brasileiros.

Eles abusam da criatividade, trazem bobices, músicas que nos deixam incontidos na plateia. Impossível não rir dos elementos que constituem a obra!

A obra me fez questionar sobre o artista brasileiro. Como eles conseguem criar pontes de uma obra como essa e a transformam em uma sátira extremamente brasileira. Não se trata de um texto raso, não mesmo. No entanto, é levada ao palco pelos artistas com humor e, acima de tudo, com desempenho. É notável o trabalho sério do coletivo, a responsabilidade deles em trazer para o palco uma obra tão consistente.


Um professor e um pai de família revisitados diversas vezes por um número elevado de personagens, causando um desgaste do protagonista. Embora tenhamos inúmeros personagens, os três artistas se desdobram no palco ao realizar todas as performances com exatidão. A isso dou o nome de "montagem madura".

Os figurinos estão ótimos, com uma base que vai sendo montada no decorrer da peça. Com alguns objetos de cena e peças aleatórias (bem desenhadas, bordadas) montam figurinos. O mais engraçado: passam de mão em mão, porque trocam de personagens na frente dos nossos olhos.

Não consigo enxergar um ponto que precise de melhorias. Desce mais redondo que qualquer cerveja no calor de quarenta graus na cidade do Rio!

Os movimentos corporais são de excelência, as vozes e expressões faciais estão bem colocadas, nada passa com arranhões.

Em uma das cenas, a personagem sai de um baú contando as mazelas, com a música "Lembranças", da cantora Kátia. Ao fundo, irresistível, só de ouvir a música, a gente tem uma síncope de risos.

“Eu já nem me lembro

Quanto tempo faz

Mas eu não me esqueço

Que te amei demais

Pois nem mesmo o tempo

Conseguiu fazer esquecer

Você”

Um teatro honesto e prazeroso, que merece ser visto. Em momentos de guerra no mundo, poder rir é uma dádiva que alcança nós, brasileiros.

Indico muito o trabalho desses artistas. Recomendo porque há neles o que queremos quando saímos de casa à procura desse entretenimento. As artes cênicas estão no Sesi Firjan, uma arte que é indiscutivelmente boa. Valeu muito a pena ter assistido o Ser Tão Teatro!

Sinopse

Com um currículo impecável, família constituída e reconhecido em seu trabalho, o professor Nicolai Stiepánovitch poderia facilmente ser tomado como um exemplo de vida, um "homem feliz". Mas, gradativamente, no desenrolar do espetáculo, esse “homem de bem” é submetido a um doloroso processo de falência interior. Refém das próprias escolhas e dos modelos exemplares que perseguiu ao longo de sua caminhada, somente agora, onde pouco ou nada há de ser feito, o professor começa a adquirir clareza sobre o lado patético da sociedade e suas instituições, incluindo seu trabalho e a própria família.

Ficha Técnica

Provocadores: César Ferrario e Giordano Castro

Dramaturgia: César Ferrario, Giordano Castro e Ser Tão Teatro

Atores: Cely Farias, Rafa Guedes e Thardelly Lima

Stand in: Polly Barros

Direção musical e música original: Marco França

Produção: Rafa Guedes

Figurino: Vilmara Georgina

Cenografia e adereços: Maria Botelho

Desenho de luz: Ser Tão Teatro

Serviço

Sábado e Domingo às 18h00

Até 5 de Novembro

Teatro Firjan SESI CENTRO - Avenida Graça Aranha, 1, Rio de Janeiro - Rio de Janeiro

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