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"Angu": histórias reais de artistas genuínos mostrando no palco a opressão homofóbica

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 15/12/2023 às 05:32:20

Eu adoro angu, ainda mais no inverno, com carne moída e cenoura picada. Quando acompanhado de uma couve bem fininha, me acabo. Ah! Com feijão também, aquele bem cremoso. E se você estiver em Minas Gerais, eles adoram um frango com quiabo e angu, que de fato é uma delícia.

Se você está no Espírito Santo em setembro, Nova Venécia tem a Festa da Polenta, que também é um transbordo da especiaria. A festa é maravilhosa: angu de dedas as formas e muita música italiana, com convidados especiais, como Zé Ramalho, por exemplo. A festa já está em sua quadragésima quinta edição.

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Não sou historiadora, mas aprendi por aí que a polenta é um prato italiano. Quem nos trouxe foram os portugueses. A seguir, eles levaram o milho para a costa africana. Lá, a polenta foi nomeada de "angu". Essa era a alimentação dos escravizados. E de onde vem o ditado "tem caroço nesse angu"? Aí é preciso que vocês assistam ao espetáculo "Angu"!

Sabemos que o Brasil é líder em odiar homossexuais. Existe muita homofobia entre nós. E quando são negros, a doce vingança em matar parece ser melhor ainda, né? Mas isso não quer dizer que não haverá resistência dos negros ao assumirem suas orientações sexuais. Eu, particularmente, não entendo esse posicionamento esdrúxulo da sociedade. Neste ano de 2023, em outubro, um caroço apareceu em meu seio direito. Fui fazer os exames para saber o que podia ser, e sou muito grata por ter um amigo que esteve comigo nesse momento tão sensível para uma mulher, onde o medo parece criar um tamanho imenso. Lá estava Marcelo HD, gay e MEU AMIGO, enfrentando tudo ao meu lado. Eu, de seios desnudos ao lado do Marcelo, sem vergonha de me sentir julgada. E vencendo essa etapa da vida.

Aos que preservam tanto a família tradicional brasileira, informo que, nos dias de hoje, os jovens e adolescentes estão muito mais abertos às experiências da vida. Eles mergulham na liberdade das suas orientações, bem diferente da minha época. Portanto, senhores, preparem-se para uma nova geração que vem aí. Acostumem-se e respeitem, ao menos isso.

O espetáculo começa com dois artistas que estão na estrada há um bom tempo e fazem seus trabalhos com muita dignidade, ganhando prêmios e sendo indicados a eles. Tudo isso com muita dignidade.

“Expurgo toda uma cultura de morte. Porque quero ser vida”. Assim começa o texto. Nus, se lançando dentro de bacias com ervas espremidas por ambos. Se lavam respeitosamente. E o que entendi da cena? Que é preciso lavar as feridas e renovar.

São histórias fortes contadas por ambos os artistas no palco, que nos fazem entender a realidade da vida, como ela realmente é. Com as experiências de ambos, inclusive de Rodrigo França, que é dramaturgo e diretor artístico. Três homens negros e gays, ou "bichonas", "mariconas", "barbies", "bambis", como costumam chamar. Mas quem consegue tirar a venda dos olhos enxerga três grandes artistas que atuam com legitimidade.

“Retratamos pessoas que só desejam ser o que realmente são. Reforço a palavra ‘pessoas’, pois algumas são tão marginalizadas que a sociedade não as identifica assim. Ainda há luta para o básico, para se ter dignidade. Mesmo ficcionais, são vidas expostas colocando as nuances e subjetividades necessárias para buscar a humanidade. A peça é um grito. Não necessariamente de socorro, porque acima de tudo existe potência, amor, desejo e intensidade na vida. O espetáculo é um Ebó. Que saiamos do teatro limpos e reequilibrados daquilo que nos oprime, nos aliena, nos engessa de sonhar. Que o 'Angu' nos alimente de reflexões e nos fortaleça de axé!”, vibra o diretor Rodrigo França.

Esses temas já estão desgastados para mim, confesso. No entanto, quando vejo atuações que despertam a minha atenção, me sinto na obrigação de escrever.

Alexandre Paz é o idealizador do projeto. Ele conta sua história um pouco antes do término do espetáculo. Fiz uma crítica para ele quando ainda não publicava no Portal Eu, Rio! Escrevia pequenos parágrafos no Instagram, uma página que ainda cuido com muito zelo. Porque está ali toda minha história com o teatro. Alexandre é um artista visualmente incomum: muito magro e alto, com uma voz potente. Ele foi parar no espaço do Zé Celso Martinez Corrêa, em São Paulo, um dos maiores teatrólogos desse país, e percebi que lá conseguiu se deleitar no aprendizado e coragem de agir a seu favor. Defender sua idealização! Parece que deu certo!

Já Orlando Caldeiras, conheço de grandes produções, aulas online durante a pandemia e também da televisão. Um artista lindo, que chama a atenção. Ele tem um porte que seduz nossos olhos e, antes do término do espetáculo, arranca de nossos olhos lágrimas. Ambos fazem confissões sobre suas vidas. É um momento delicado, pois contam histórias fortíssimas, que exigem deles força e disposição. Caldeira joga capoeira com um salto altíssimo nos pés. Isso não é para qualquer um.

Embora tenham histórias de amor, o conto da rodoviária, apesar de ser decepcionante para o personagem de Alexandre, é muito excitante para os espectadores. Aliás, embora haja uma sessão no sábado, às 17h, a obra é para adultos, somente para eles. O personagem de Caldeira “adota” um jovem negro diante da morte da mãe. A vida, muitas vezes, é muito cruel para alguns seres humanos. Isso acaba afetando comportamentos. Não são desculpas esfarrapadas, são feridas que ficam nas pessoas. As histórias são ficcionais, mas não quer dizer que não aconteçam. Às vezes acontecem até piores que essas contadas. O espetáculo "Eu Sempre Soube", de Rosane Goffman, coleta fatos que vão para o palco. Esse espetáculo comprova o que digo.

Alexandre e Orlando contam muito bem os casos. Nos perdemos, porque são tão bem vivenciados no palco que fica até difícil não acreditar que aquilo não seja verdade. Isso é teatro!

Eu não sabia da depressão do Jorge Lafond, da eterna "Vera Verão", toda a estupidez que fizeram a ela, tudo por conta de um preconceito do qual julgo tosco.

Os artistas levam para a cena Madame Satã. Ela era travesti negra e também sofreu preconceito. Porém, não aguentou calada: reagia.

Lázaro Ramos interpretou a Madame Satã no cinema, sendo sucesso de crítica, chamando a atenção de muitos para esse artista.

O que posso afirmar é que se alguém vai ao teatro assistir "Angu" achando que vai ver cenas de "dois viados dando faniquitos" - porque é assim que muitos julgam -, esteja certo que isso é a última coisa que vão ver. Muito pelo contrário, são histórias fortes feitas por dois homens que atuam com a força que a arte cênica exige dos personagens. Não há comicidade, há emoção da parte dos atores e a verdade de um país que, através de dados estatísticos reais, mostra a sua face preconceituosa.

Ao conversarem com a plateia, poderíamos ver isso como algo clichê, mas também não é, porque os atores não contam com leviandade. Eles são artistas, poderiam fazer isso com facilidade, mas é genuíno. São histórias das vidas deles. Como Madame Satã, também tentaram seguir, mas foram impossibilitados pela opressão homofóbica. Suas atuações são o forte desse espetáculo. Mais que isso: é o que o teatro realmente necessita para acontecer.

Não sou política. Muitas vezes assisto a um espetáculo e o texto não sai. É preciso que uma obra chame muito a minha atenção, me toque, para que eu possa fazer essa costura textual. Não preciso de amigos artistas quando vou assistir ao teatro, preciso que a obra seja relevante. É preciso dar "a César o que é de César" para não perdemos a credibilidade. Mais que isso: não enganar aqueles que me leem. Isso se chama responsabilidade. Aponto o que é para ser apontado, é por isso que escrevo no Portal Eu, Rio! Não utilizo desse espaço para demérito de artistas e nem farei isto. Dou a eles o que julgo JUSTO. Quando isso não acontecer, não vou permear no passado para justificar um texto - se bem que novas peças acontecem a todo momento, basta que eu vá à procura delas. Mas se porventura isso acontecer, vou esperar uma montagem que mereça todo o meu trabalho desenhado em linhas.

Sinopse

Em cena, personagens subvertem o esperado: a não-performance do homem negro com a sua masculinidade ultra, mega viril e heteronormativa. Um sargento da Polícia Militar que honra a sua farda, mas tem a sua sexualidade como alvo de piadas para seus colegas; um jovem estudante de enfermagem que se deslumbra com a classe média branca e deseja ser por ela incluído, porém, é somente hiperssexualizado; o sonhador que fica diariamente sentado no banco da rodoviária e se envolve numa tarde de amor em um banheiro público; o menino encantado com o que dizem do seu tio Gilberto; um homem negro gay que desapareceu no mundo para fazer a sua arte longe da família homofóbica; Madame Satã – transformista que teve que largar a arte para viver à margem como malandro da Lapa; e uma homenagem ao Les Étoiles, icônica dupla queer negra brasileira que abriu as portas da Europa para a MPB.

Ficha Técnica

Idealização: Alexandre Paz e Nina da Costa Reis

Dramaturgia e Direção: Rodrigo França

Diretor Assistente: Kennedy Lima

Elenco: Alexandre Paz e Orlando Caldeira

Stand in e Assistente de Direção: João Mabial

Direção de Movimento e Preparação Corporal: Tainara Cerqueira

Direção de Imagens e Operação de Vídeo: Carol Godinho

Cenário: Clebson Prates

Figurino: Tiago Ribeiro

Costura: Ateliê das Meninas - Maria

Visagismo: Diego Nardes

Cabelo: Lucas Tetteo

Trilha Sonora: Dani Nega

Iluminação: Pedro Carneiro

Operação de Luz: Thayssa Carvalho

Operação de Som: Igor Borges

Contrarregragem: Wil Thadeu

Administração Financeira e Prestação de Contas: eLabore.Kom | Kirce Lima

Coordenação de Produção: Alexandre Paz e Orlando Caldeira

Produção: MS Arte e Cultura

Assistentes de Produção: Igor Borges e Wil Thadeu

Produção Executiva: Anne Mohamad

Direção de Produção: Aline Mohamad

Realização: Emú Produções

Direção Executiva: Sol Miranda

Coordenação: Carolina Silva

Administrativo/Contábil: Maria Andrade

Serviço

Peça teatral “Angu”

Futuros - Arte e Tecnologia

Endereço: Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo – Rio de Janeiro

Temporada: 16 de novembro a 17 de dezembro, de quinta-feira a domingo

Horário: 20h

Classificação Indicativa: 14 anos

Duração: 80 minutos

Ingressos: R$ 60 (inteira) | R$ 30 (meia)

Link para compra de ingressos: https://bileto.sympla.com.br/event/88850/d/226702/s/1532006

* Dia 16 de dezembro, sessão dupla às 17h e 20h


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