A demissão de Hélio Cabral da presidência da Companhia Estadual de Água e Esgoto (Cedae), na segunda-feira (10/2), não exime o executivo afastado nem o governador Wilson Witzel de suas responsabilidades na crise no abastecimento do estado, onde várias regiões têm recebido água com cheiro e gosto ruins, desde o início de janeiro. A advertência parte do presidente do Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ),Olímpio Alves dos Santos. Para efeitos de investigação cível e criminal, águas passadas podem mover moinhos, por refletir responsabilidades nas decisões que agravaram problemas e trouxeram prejuízos a consumidores
A entidade profissional enviou ao Ministério Público, terça-feira da semana passada (4/2), um pedido formal de abertura de inquérito civil para apurar por que a Cedae deixou de cumprir o procedimento operacional padrão para impedir a entrada de algas na Estação de Tratamento de Águas (ETA) do Guandu. O Senge RJ também solicitou à empresa detalhamento do processo de decisão durante a crise, com base na Lei de Acesso à Informação.
“Nada disso teria ocorrido se o governador não tivesse escolhido para a direção da empresa alguém sem conhecimento do setor, por indicação política e do mercado”, afirmou Olímpio. Em março de 2019, o sindicalista moveu uma Ação Popular pedindo a suspensão da posse de Hélio Cabral, argumentando que o executivo não tinha “reputação ilibada”, uma exigência estabelecida pela Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016) para assumir o cargo, uma vez que era membro do Conselho de Administração da Samarco em 2005, quando ocorreu o desastre ambiental de Mariana.
Para suceder Hélio Cabral, Witzel indicou o engenheiro Renato Lima do Espírito Santo, funcionário de carreira da estatal. “Ele é do ramo, e esperamos que possa restabelecer o padrão de gestão técnica da Cedae, para o que tem todas as condições”, diz o presidente do Senge RJ. Ele destaca, contudo, que é "fundamental cobrar as responsabilidades do governo do Estado e do ex-presidente Hélio Cabral, mesmo desligado da estatal, pela decisão de não adotar a 'descarga', operação prevista no plano de contingência para casos de identificação de algas nos afluentes, e que teria evitado os problemas no abastecimento".
“Da mesma forma, é importante que a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) instale a CPI, para ouvir todos os envolvidos na crise da geosmina”, defende o presidente do Senge RJ. “A sociedade precisa saber o que aconteceu. Se isso é parte de um plano macabro para vender a Cedae barata ao mercado financeiro.”
Na manhã de terça-feira (11/2), em audiência pública na Alerj para discutir o fornecimento de água na região metropolitana, Hélio Cabral deixou o plenário sob vaias e sem responder aos parlamentares que questionaram se o sucateamento da Cedae não visava acelerar a sua privatização. Reunião do Conselho de Administração da Cedae, também na terça, vai tratar da troca de direção na empresa.
Exatamente uma semana antes (4/2), o Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro (Senge RJ) protocolara junto ao Ministério Público (MPRJ) um pedido formal de abertura de inquérito civil para apurar se a Cedae deixou de cumprir o procedimento operacional padrão para evitar a entrada de algas na Estação de Tratamento de Águas (ETA) do Guandu. Com base na Lei de Acesso à Informação, o sindicato também requisitou à empresa o detalhamento das medidas adotadas para monitorar e enfrentar a baixa qualidade da água, devido à presença da bactéria geosmina.
Nos casos em que há excesso de algas, o presidente do Senge RJ, Olímpio Alves do Santos, explica que o Plano de Contingência da Cedae determina o fechamento das comportas da Estação de Tratamento do Guandu, para impedir a entrada da água inadequada na rede de abastecimento, enquanto devem ser abertas as comportas da barragem, com o objetivo de dar uma descarga nas águas do Guandu, carreando as algas rio abaixo. Essa ação tem sido executada de forma padrão em situações semelhantes, e mesmo na quarta-feira da semana passada (5/2), quando o monitoramento detectou detergente nos afluentes e a captação foi interrompida por cerca de 15 horas. A medida de segurança, contudo, não foi adotada em janeiro.
Demora no fechamento de comportas e descarga do reservatório afetou patrimônio e imagem da companhia
“A sociedade tem o direito de entender o que aconteceu”, diz o dirigente. “ Saber se há uma explicação para a opção da direção da Cedae, que deixou a água com cheiro e sabor ruins ser entregue à população, ou se houve interferência de interesses especulativos relacionados à pressão do ministro da Economia, Paulo Guedes, e do governador do Rio, Wilson Witzel, pela venda da companhia.” Ao causar “insegurança na população”, a não observância do Plano de Contingência, que também inclui o monitoramento da água bruta, promoveu “a depreciação da imagem da empresa e a desvalorização do seu patrimônio para a privatização”, argumenta o pedido do Senge RJ ao MPRJ.
O Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro também vai solicitar ao Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-RJ) que verifique se a Cedae agiu tecnicamente de acordo com os protocolos de segurança. “Precisamos identificar a cadeia de decisões e os processos que fizeram a população sofrer por mais de um mês, abastecida com água de baixa qualidade ou tendo que comprar água engarrafada”, diz Olímpio. A Lei de Acesso à Informação dá prazo de 20 dias para a empresa responder aos questionamentos feitos pelo sindicato.
Ação popular tentou impedir posse de Cabral, por ele integrar Conselho da Samarco no desastre de Mariana
Os problemas na água motivaram, ainda, uma Petição de Reconsideração de Liminar, protocolada no âmbito da Ação Popular movida pelo presidente do Senge RJ, que pedia a suspensão da posse de Hélio Cabral na presidência da Cedae. A Petição de Reconsideração de Liminar argumenta que a crise da geosmina deixou evidente os prejuízos para a sociedade da nomeação do executivo, o que poderia fazer a Justiça reconsiderar a urgência de seu afastamento do executivo. Embora um primeiro pedido de liminar tenha sido indeferido em abril de 2019, os advogados que acompanham o caso acreditam que a falta de transparência e os erros no processo de gestão da crise da geosmina reforçam e dão novos elementos para a revisão da decisão judicial.
A Ação Popular afirma que Hélio Cabral não tem “reputação ilibada”, uma exigência estabelecida pela Lei das Estatais (Lei nº 13.303/2016), para assumir o cargo. Era membro do Conselho de Administração da Samarco em 2005, quando ocorreu o desastre ambiental de Mariana, e responde a processo no Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. Se a lei tivesse sido cumprida, os transtornos no abastecimento da água talvez tivessem sido evitados.
Logo na primeira sessão plenária de 2020, na terça (4/2), parlamentares da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) defenderam a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a crise no abastecimento da água na Região Metropolitana do Rio. O presidente da Casa, deputado André Ceciliano (PT), confirmou que Hélio Cabral seria convocado para prestar esclarecimentos, o que terminou resultando na tumultuada audiência pública da terça (11/2), da qual Carbral, demitido na véspera, saiu às pressas. Também foram convidados à Alerj para tratar do tema engenheiros que foram demitidos da companhia no início de 2019 – 54 funcionários dispensados, entre os quais 34 diretamente dedicados ao tratamento e controle da qualidade da água.
A Alerj já fez pedido de inspeção ao Tribunal de Contas do Estado (TCE) e notificou o Ministério Público Estadual sobre os problemas na empresa. " Fizemos pedidos em meados de janeiro, no recesso, e hoje (terça, 4/1) reiteramos", explicou o parlamentar. A CPI da Água, proposta pelo tucano Luiz Paulo Corrêa da Rocha e mais sete parlamentares, chegou a alcançar o mínimo regimental para ser instalada, mas enfrenta dois problemas, ainda em aberto, para entrar em funcionamento. O primeiro é que o líder do governo Witzel na casa, Márcio Pacheco (PSC), convenceu cinco de seus colegas a retirarem as assinaturas. O segundo é que existem cinco pedidos de CPI antes da que trata da crise hídrica, e mais três em funcionamento. O teto regimental é de sete comissões em andamento simultaneamente. Assim, a CPI da Água terá que furar a fila.
Com site do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro