A pandemia do coronavírus tem provocado diversos efeitos colaterais que ultrapassam os limites da saúde física. Com o confinamento e as porções acumuladas de estresse, uma das consequências da crise é o aumento de divórcios. Casais “obrigados” a conviver mais intensamente simplesmente não estão conseguindo passar pela dura prova e estão terminando a relação.
De acordo com levantamento do Google, no mês de março o site de buscas registrou no Brasil aumento de 82% na pergunta “como dar entrada no divórcio?”. Em abril, este número cresceu 9900% no interesse de buscas pelo termo “divórcio online gratuito”.
Violência doméstica
As primeiras notícias sobre o aumento de divórcios chegaram exatamente da China, onde o coronavírus se manifestou pela primeira vez – algumas regiões anunciaram números recordes de separações. No Brasil, com o aumento de casos de violência doméstica (somente no Rio de Janeiro, o crescimento foi de 50%, segundo dados do Governo Federal), o alavancamento do número de pedidos de separação foi uma consequência lógica.
Imagem: Pixabay
Com relação a este último tema, dois projetos de lei sobre a questão, de autoria do deputado estadual Waldeck Carneiro (PT) relacionados à violência doméstica em tempos de quarentena e isolamento social durante a pandemia. O primeiro diz que, na prática de violência familiar contra a mulher, a autoridade policial, após registro de ocorrência, enviará comunicação imediata, física ou eletrônica, ao juízo competente para adoção de medida protetiva. A outra trata de ocorrências em condomínios residenciais contra a mulher, idosos, crianças, adolescentes e pessoas com deficiência. A comunicação deve ser feita à autoridade policial pelos síndicos e deverá conter informações que contribuam para a identificação da vítima e do agressor.
O que fazer?
Com isolamento e as dificuldades que ele gera, surgem questões importantes: que atitudes legais tomar quando ocorrer um caso de violência doméstica? Quais os caminhos de proteção, em especial da mulher? Como entrar com um pedido de divórcio? Como ocorre o processo, sem os trâmites presenciais? Sem a possibilidade de afastamento físico, que medidas podem ser tomadas? O Portal Eu, Rio! entrevistou a advogada Isabela Bastos sobre essas questões:
Portal Eu, Rio! - Como tratar de divórcio durante a pandemia de Covid-19?
Isabela Bastos - De início, é preciso pontuar que existem dois tipos de dissolução de um relacionamento conjugal, considerando os regimes jurídicos da união estável ou do casamento, que podem seguir diferentes formas quando, por exemplo, há filhos menores ou bens a partilhar.
Basicamente, a extinção do vínculo conjugal se dá através do divórcio ou da dissolução da união estável, que pode ser realizada na via extrajudicial, quando o procedimento é realizado em um cartório de notas; ou na via judicial, mediante a propositura de uma ação de divórcio ou de dissolução de união estável.
De todo o modo, para dissolver uma relação conjugal, seja casamento ou união estável, o primeiro passo é contatar um advogado especializado em direito de família, que poderá atuar na composição de eventuais conflitos, bem como deverá indicar a via propicia para fazê-lo, judicial ou extrajudicial, a depender das nuances de cada caso.
Especialmente sobre a realização dos procedimentos sem a presença física das partes, na via extrajudicial, considerando o advento da pandemia do coronavírus e o necessário isolamento social, restou evidente a inevitável modernização dos atos notariais. Sobre isso, o Conselho Nacional de Justiça prestou importante auxílio nesse momento de confinamento obrigatório, ao regulamentar em 26 de maio de 2020, a prática de atos notariais eletrônicos, através do Provimento nº 100/2020. Ou seja, agora é possível que todos os procedimentos cartorários para uma dissolução conjugal ocorram digitalmente, sendo um dos requisitos obrigatórios, além da representação por advogados, a realização de videoconferência para a captação do consentimento das partes sobre o ato jurídico.
PER - Quais são os trâmites?
IB - Uma ação de separação, em termos jurídicos, uma ação judicial de divórcio ou de dissolução de união estável, se faz necessária quando um casal não possui o mesmo entendimento sobre o fim do relacionamento, e precisa recorrer ao Judiciário para a extinção do relacionamento.
Apesar das restrições impostas pelo poder público para conter a propagação do coronavírus, que impossibilitou o atendimento presencial nos fóruns, o advogado, munido de todas as informações e documentos necessários, consegue dar início ao processo, já que hoje em dia os processos judiciais tramitam de forma eletrônica.
Da mesma forma o poder judiciário continua em regular funcionamento, pois os juízes e serventuários seguem trabalhando remotamente, em regime de home office
PER - Houve aumento de casos durante a pandemia?
IB - Com o distanciamento social imposto pelo combate ao coronavírus, muitos casais revelaram a real intenção de dissolver as relações. Ainda não existem números concretos, mas acreditamos que com as medidas de relaxamento do distanciamento social, o número de demandas para extinção de vínculos conjugais cresça significativamente. Isso porque, em nosso escritório, o número de clientes que nos consultam acerca dos procedimentos que deverão adotar para extinguir relacionamentos é muito expressivo, inclusive este tem sido um dos principais temas de debate entre colegas advogados que atuam no direito de família.
PER - Quais são as principais causas de divórcio apresentadas durante a quarentena?
IB - Em geral, as principais causas que nos são apresentadas estão relacionadas à divergência de opiniões na criação dos filhos, o desgaste da relação por falta de respeito entre os cônjuges e a falta de estabilidade financeira.
O que percebemos é que muitos casais mantém uma relação falida por diversos motivos, como filhos, pouco contato entre si em uma rotina atribulada de trabalho ou, até mesmo, por acomodação. Porém, com o confinamento obrigatório familiar advindo da pandemia e a maior proximidade entre os cônjuges, as diferenças transpareceram, tornando os conflitos mais aparentes, o que acabou por colocar em xeque a própria sobrevivência do casamento.
PER - Já podemos ter uma estatística de divórcios consensuais e litigiosos neste período de isolamento social?
IB - Os números ainda não são precisos, considerando que as inovações implementadas pelo Conselho Nacional de Justiça - que inaugurou os procedimentos para realização de atos notariais à distância - são muito recentes. Neste caso, a consensualidade entre as partes é obrigatória para a formalização da separação. Da mesma forma para aqueles relacionamentos que se extinguiram sob litígios, já que o obrigatório isolamento social para a contenção da Covid-19 acabou retardando a procura das partes pelo acesso ao Poder Judiciário.
Ainda assim, temos identificado que em grande parte das consultas que prestamos, os clientes têm buscado informações sobre os procedimentos mais simples e eficazes para a realização de divórcio ou dissolução de união estável, o que necessariamente demanda que as partes estejam em comum acordo.