A vingança pornográfica, em que ex-companheiros divulgam vídeos ou fotos de sexo ou nudez do parceiro ou parceira, será crime. O mesmo vale para a divulgação de cenas de estupro e a importunação, como nos casos recentes de ejaculação em passageiras de ônibus e trens no Rio e em São Paulo. O estupro coletivo, praticado por mais de um agressor, e o corretivo, em que fica explícito um intuito de punir a vítima pela conduta dela, terão a pena agravada.
Os dispositivos constam no substitutivo da Câmara dos Deputados ao projeto originário do Senado aumentando a pena para o estupro coletivo. Aprovado no aniversário da Lei Maria da Penha, que estabelece medidas protetivas para as mulheres ameaçadas por agressores, o projeto seguiu para a sanção presidencial. O presidente Michel Temer tem até o dia 22 deste mês para sancionar o projeto, integralmente ou com vetos parciais.
Outra inovação importante do projeto é no tratamento dos casos em que a vítima engravida ou adquire uma doença sexualmente transmissível. Nos dois casos, o agressor terá um agravamento de dois terços da duração da pena original. Para as DST's, como sífilis ou AIDS, contudo, precisará ficar caracterizada a consciência do agressor sobre sua condição de infectado para o aumento de pena se consumar.
O PLS 618/2015, da senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), tramitou na Câmara em conjunto com outras iniciativas. A deputada Laura Carneiro (DEM-RJ) apresentou o substitutivo (SCD 2/2018),incorporando trechos de projetos do senador Humberto Costa (PT-PE) e da senadora Marta Suplicy (sem partido, à época do MDB-SP).
O "estupro coletivo", cometido por vários criminosos, terá a pena aumentada em dois terços. Pela lei atual, o agravamento é de um quarto da pena. O chamado "estupro corretivo", com intuito "punitivo", feito para controlar o comportamento social ou sexual da vítima, terá igual aumento de pena, de dois terços da punição original.
Haverá aumento adicional de um terço caso o crime seja cometido em local público, aberto ao público ou com grande aglomeração de pessoas. O mesmo para meio de transporte público, durante a noite em lugar ermo, com o emprego de arma, ou por qualquer meio que dificulte a defesa da vítima.
MP processará agressores sexuais mesmo sem aval da vítima
O Ministério Público moverá ações penais independentemente do desejo da vítima de entrar com processo contra o agressor dela. Esse tipo de ação, chamada incondicionada, acontecerá em todos os crimes contra a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulneráveis,mesmo quando a vítima for maior de 18 anos. Teve grande repercussão nas redes sociais e na mídia convencional, à época da tramitação da lei, o caso em que uma blogueira feminista afirmou ter sido estuprada por um motorista a serviço do aplicativo Uber, mas negou-se a prestar queixa. Com a nova lei sancionada sem vetos e já em vigor, o acusado seria processado pelo MP independente da vontade da agredida.
Outros aumentos previstos pelo texto para todos os crimes listados contra a dignidade sexual são para o caso de gravidez e para a transmissão à vítima de doença sexualmente transmissível, quando o agressor sabe ou deveria saber ser portador. Em ambos os casos, o aumento pode chegar a dois terços da pena. Igual aumento de pena valerá se a vítima for idosa ou pessoa com deficiência.
Importunação sexual passa de contravenção a crime
A importunação sexual pelo projeto é um tipo penal de gravidade média, para os casos em que o agressor não comete tecnicamente um crime de estupro, mas não deve ser enquadrado em uma mera contravenção. Com essa definição, ao menos em tese reduz-se o risco de os juízes terminarem por liberar os importunadores, como os encoxadores de ônibus, pela dificuldade de enquadrar o ato como estupro strictu sensu.
No caso mais famoso, em São Paulo, um rapaz liberado pelo juiz depois de flagrado ejaculando na perna de uma passageira repetiu o ato meses depois, em outro trajeto. Os autores dos projetos para mudar a tipificação desse tipo de ato obsceno,os senadores Humberto Costa e Marta Suplicy, citaram como exemplo exatamente os casos de assédio a mulheres do transporte coletivo. No Rio, no horário do rush, as passageiras têm vagões reservados nos trens e no metrô, mas nem isso eliminou completamente as queixas de importunação.
Na definição dos projetos a serem transformados em lei com a sanção presidencial, a importunação sexual é caracterizado como a prática, na presença de alguém e sem sua anuência, de ato libidinoso com o objetivo de satisfazer lascívia própria ou de terceiro. A pena é de reclusão de 1 a 5 anos se o ato não constitui crime mais grave.
"Muitos desses episódios que acontecem em espaços de aglomeração pública, nos transportes coletivos, mas atingindo também a rua e o próprio domicílio, antes eram considerados meras contravenções penais, passam a ser crimes", explicou Humberto Costa.
Vingança pornográfica será punida com prisão de um a cinco anos
Um a cinco anos de prisão será a pena de quem oferecer, vender ou divulgar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outro tipo de registro audiovisual com cena de estupro ou de estupro de vulnerável. O mesmo crime cometerá quem, sem consentimento, divulgar vídeo com cena de sexo, nudez ou pornografia ou ainda com apologia à prática de estupro.
Haverá aumento de um terço a dois terços da pena, se o crime for praticado por alguém que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou tiver como finalidade a vingança ou humilhação. Esse tipo de prática chamou atenção na década de 90 quando o herdeiro de um conglomerado cinematográfico expôs nos intervalos das sessões imagens da ex-mulher cobertas de ofensas, mas com as redes sociais e a melhoria da captação dos celulares ganhou proporções inéditas, e não apenas entre as chamadas 'gerações digitais', mais familiarizadas com a web.
Para evitar o conflito com as cláusulas da Constituição que tratam da liberdade de expressão artística e os princípios do trabalho jornalístico e documental, não há crime quando o agente realiza a divulgação em publicação de natureza jornalística, científica, cultural ou acadêmica, de maneira que impossibilite a identificação da vítima. Se a vítima for maior de 18 anos, a divulgação dependerá de sua prévia autorização, o que em tese inviabiliza uma prática corriqueira de redes de TV, a cobertura de bailes de Carnaval. No caso dos menores de idade, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) proíbe esse tipo de divulgação.
Consentimento prévio e continuado não atenua sexo com vulnerável
No caso do estupro de vulnerável (menores de 14 anos ou pessoas sem discernimento por enfermidade ou deficiência mental), a aplicação da pena de reclusão de 8 a 15 anos é mantida pelo substitutivo, mesmo que a vítima dê consentimento ou tenha mantido relações sexuais anteriormente ao crime.
Por último, mas não por fim, o substitutivo votado cria, ainda, o crime de induzir ou instigar alguém a praticar crime contra a dignidade sexual, com pena de detenção de 1 a 3 anos. Sujeita-se à mesma pena aquele que, publicamente, incita ou faz apologia de crime contra a dignidade sexual ou de seu autor. A intenção da deputada Laura Carneiro foi de coibir, por exemplo, sites que ensinam como estuprar e indicam melhores locais para encontrar as vítimas.
Com Informações da Agência Câmara de Notícias e do Portal do Senado