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Constituição completa 33 anos, com direitos assegurados e cenário desfavorável para a maioria

Tida como "cidadã", Carta encontra dificuldades para ser cumprida, devido a medidas regressivas como o teto de gastos

Por Anderson Madeira em 05/10/2021 às 23:04:55

Ulysses Guimarães, ao centro, durante a sessão que aprovou a Constituição de 1988. Foto: Divulgação

Nesta terça-feira, 5, a Constituição Federal, promulgada em 1988, completa 33 anos. O documento maior da Nação, que traz uma série de direitos e garantias, foi a primeira Carta Magna promulgada ao fim da ditadura e a redemocratização do país, em 1985. Ao estabelecer direitos fundamentais e, pela primeira vez em nossa história, o sufrágio universal, ficou conhecida como a ‘Constituição Cidadã’.

Nenhum dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) fez qualquer evento comemorativo ao aniversário da Carta Magna. Apenas o presidente do Senado, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), lembrou a data, em um discurso no plenário da Casa. Ele declarou que o documento é fruto de convergência e acomodação dos múltiplos e variados interesses de toda a sociedade brasileira. Para ele, cabe a todos mantê-lo assim.

"A Constituição, tanto quanto a sociedade que ela representa, está em constante mutação, enfrentando desafios novos, ameaças de ruptura, lamentavelmente, e momentos de tensão. Cabe a nós, como cidadãos, e sobretudo como parlamentares, enfrentarmos esse desafio: assegurar o respeito e a observância aos preceitos da Carta Magna", disse.

Em 5/10/1988, o então presidente da Câmara dos Deputados e da Assembleia Nacional Constituinte, Ulysses Guimarães, em pronunciamento na cerimônia de promulgação da Carta, disse que ela marcava um novo começo para o Brasil, mais democrático e justo.

"Hoje, no que tange à Constituição, a Nação mudou. Mudou restaurando a federação, mudou quando quer mudar o homem cidadão. E só é cidadão quem ganha justo e suficiente salário; lê e escreve; mora; tem hospital e remédio; e lazer quando descansa", disse o parlamentar.

A Constituição instituiu novas relações econômicas, políticas e sociais, como a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a determinação de uma educação igualitária para todos. Além de regulamentar a jornada de trabalho para oito horas diárias e instituir as licenças-maternidade, de 120 dias, e paternidade, que varia segundo cada caso.

De todas as sete Constituições que o país já teve, desde o Império, em 1824 (outorgada pelo imperador D. Pedro I), a mais recente é a que mais traz direitos sociais, instituindo ainda cláusula pétrea em questões como a da proibição da pena de morte, ou seja, não pode ser alterada por emendas para diminuir, apenas para aumentar. Em muitos aspectos, representou uma ruptura com a ditadura militar que vigorou por 21 anos no país.

Antes da implementação do SUS, havia apenas um sistema limitado a quem era inscrito na Previdência Social, por exemplo, ou a trabalhadores assalariados. Estes não tinham como direito assegurado o 13º salário, a garantia de não ser demitido arbitrariamente nem a de que o salário não seria reduzido sem motivo.

A Constituição foi fruto de luta de movimentos sociais, sindicais, estudantis, negros e de mulheres, além dos ex-presos políticos que tinham sido anistiados e os antigos militantes que tinham retornado do exílio no exterior. Durante a Assembleia Nacional Constituinte, houve ampla participação popular na elaboração da Carta, através dos movimentos organizados em torno de cada Capítulo. Centenas de emendas populares foram aceitas. Ainda hoje, o documento é considerado um dos melhores do mundo.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). Foto: Agência Senado

Ampliação de direitos

Entre alguns pilares da Constituição, estão a garantia da dignidade humana. No artigo 5º, entre as garantias fundamentais, estão o direito de propriedade, à liberdade de ir e vir, de se expressar, de exercer a fé que desejar e não ter a casa ou moradia violada. A Carta também veda tortura, assegura a herança de maneira igualitária para filhos legítimos ou ilegítimos e o direito à certidão de nascimento e de óbito sem custo. A presunção da inocência e o direito de Justiça gratuita a quem não pode custear também são frutos da Constituição. O fim da censura em rádios, TVs, teatros, jornais e outros meios de comunicação também foi implementado.

A Constituição ainda garantiu o direito à educação, à saúde, ao trabalho e à segurança, como prevê o artigo 6, que trata dos direitos sociais. Pelo texto, o Estado é responsável por promover a educação, oferecendo ensino infantil gratuito, em creches e pré-escolas. Além disso, estabeleceu a igualdade jurídica entre homens e mulheres; reconheceu a família monoparental (em que o homem não é considerado o único chefe e que outras configurações são consideradas família). Houve ainda o reconhecimento de direitos das comunidades negras que viviam em territórios remanescentes de quilombos e os direitos para as comunidades indígenas, como a garantia da demarcação de terras, são outras inovações nessa categoria de direitos.

A Carta também estabeleceu o seguro-desemprego, direito à greve e liberdade sindical, inclusive para servidores públicos.

O advogado João Guilherme Leal Roorda, mestre e doutorando em Direito Penal pela Uerj, a CF/1988 cita a inclusão da Segurança Pública como direito social.

"Com previsão em dois momentos do seu texto: em primeiro lugar, no artigo 6º, ao lado do direito à saúde, à educação, ao trabalho, ao lazer, entre outros. Ao longo dos anos, novos direitos sociais foram reconhecidos, como o direito à moradia, à alimentação e ao transporte. Além disso, temos o artigo 144, que traz toda a organização constitucional da Segurança Pública e diz que a Segurança Pública é ‘direito e responsabilidade de todos’ e ‘dever do Estado’”, afirma. “Nesse artigo, estão previstos todos os órgãos responsáveis pela segurança pública, como as polícias civis, militares e federais, cujo mandato é garantir justamente esse direito à segurança", citou o especialista.

"Por isso que podemos falar que o direito à segurança é um direito secundário, acessório desses outros direitos. Ele é apenas a garantia de outros direitos já existentes. Por isso que talvez o melhor seria dizer, ao invés de direito à segurança, segurança dos direitos. Isso permite que a gente reconheça que a Constituição subordinou a atuação dos órgãos responsáveis pela Segurança Pública ao respeito aos direitos humanos e fundamentais de todos. Afinal, não é possível garantir a segurança dos direitos quando se viola arbitrariamente direitos. Por isso mesmo que a Constituição previu, no artigo 129, que uma das funções do Ministério Público é o controle externo da atividade policial, ou seja, as polícias, principais responsáveis pela Segurança Pública, estão sujeitas a um controle democrático", acrescentou.

"Mesmo assim, nesses 33 anos muito pouco foi feito para garantir um padrão de legalidade para a atuação desses órgãos. O controle externo da atividade policial pelo MP é ainda muito incipiente, apesar de existir uma regulamentação do Conselho Nacional do Ministério Público. Por outro lado, não há parâmetros legais que estabeleçam diretrizes seguras para guiar o legítimo uso da força pelas polícias", aponta Roorda.

Sobre anos recentes, o especialista destaca as violações cometidas contra pessoas negras e pobres.

"Ou seja, os órgãos de segurança pública são muitas vezes responsáveis pela redução da segurança, em especial da segurança de pessoas negras, moradoras de territórios negros, como as favelas, as quebradas".

Segundo o professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Wallace Corbo, a partir de 2015, os avanços sociais garantidos pela CF foram interrompidos.

"Sobre a evolução da Constituição com relação a direitos sociais, o que a gente viu no processo constituinte, foi um momento de organização da sociedade civil muito forte, em torno de resolver certos déficits da sociedade brasileira por muitos anos”, analisa o especialista, que em seguida acrescenta. “A Constituição garante direitos sociais. Receber saúde, educação, proteção no trabalho, previdenciária. Os 33 anos são uma caminhada de direitos. Até 2015 a gente conseguia enxergar isso".

"Com relação aos desmontes dos direitos sociais, o que a gente vê desde 2016, com o impeachment, com a aprovação do teto de gastos, é de fato um contínuo desmonte do sistema de proteção dos direitos sociais. Nós temos flexibilização, por exemplo, na legislação trabalhista, que tende a enfraquecer um sistema que já não era totalmente forte de proteção ao trabalhador. A limitação do teto de gastos vai conter o aumento do investimento direta ou indiretamente em saúde, educação, cultura, esporte e lazer, que são essenciais, para garantia de condições de igualdade, além, é claro da eleição de governadores em todo o país, que são avessos à pauta de aprofundamento de direitos sociais", detalha o professor, que finaliza. "Surge um discurso na lógica de que o Estado tem que conter os seus gastos e a pergunta que fica é gastos para quem? A Constituição de 1988 realmente permite a redução de gastos em direitos sociais, para atender as aspirações de uma elite econômica autoritária? Tudo indica que não".

Ouça abaixo, no podcast do Portal Eu, Rio!, as declarações do professor da FGV, Wallace Corbo.

Por Anderson Madeira
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