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Dois pesos e duas medidas?!

Clube Militar promove evento antivacina, mas só admitirá imunizados contra a covid-19

Nesta quinta-feira (9), entidade vai sediar palestra sobre passaporte sanitário com médica que defende tratamento experimental para o novo coronavírus e é acusada de propagar fake news sobre imunizantes


Fachada da sede central do Clube Militar. Foto: Clube Militar/Divulgação

No início desta semana, o Clube Militar do Rio de Janeiro disparou emails convidando magistrados fluminenses para uma palestra sobre passaporte sanitário e ”eventos adversos da vacina contra covid-19”, que será realizada amanhã (9), às 14h, na sede principal da entidade, localizada no Centro (Av. Rio Branco, 251). Porém, para entrar no Salão Nobre, situado no quinto andar, o Clube Militar postou no Instagram, nesta quarta-feira (8), informando que sócios e convidados deverão apresentar comprovante de vacinação ou de restrição à vacina contra o SARS-CoV-2 (nome científico da covid-19). O story é assinado pelo reservista do Exército brasileiro e presidente da instituição, General de Divisão Eduardo José Barbosa Barbosa.

Sob o título de “PASSAPORTE SANITÁRIO: eventos adversos das vacinas contra COVID-19 e os riscos para a segurança nacional”, a palestra será proferida pela médica otorrinolaringologista Maria Emilia Gadelha Serra. Fundadora e atual presidenta da Sociedade Brasileira de Ozonioterapia Médica (SOBOM), sediada em São Paulo, ela defende o uso desse tratamento na recuperação de pacientes com covid-19.

Postagem no perfil do Clube Militar. Reprodução/Instagram

No site da SOBOM, entretanto, a aba “Tratamentos” não traz a recomendação da ozonioterapia para a cura de pessoas infectadas com o SARS-CoV-2. Ainda assim, no alto da página da entidade, clicando no botão onde se lê “COVID-19” é possível ter acesso ao artigo científico “Ozonioterapia como adjuvante no tratamento da COVID-19”, publicado em 7 de abril de 2020, em edição suplementar sobre a covid-19, na Revista Brasileira de Fisiologia do Exercício (RBFEx).

De autoria de Jorge Bomfim Fróes de Farias, Antonio Pedro Fróes de Farias e Anelize Gimenez de Souza, o texto foi divulgado menos de um mês após a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarar a pandemia. Em alguns trechos, o texto cita a “possibilidade do uso do gás ozônio como adjuvante no tratamento antiviral da COVID-19” bem como “estudos clínicos utilizando ozonioterapia estão sendo realizados na China e Itália para determinar a eficácia desse procedimento”.

Além de não apresentar comprovação científica sobre a ozonioterapia como medida eficaz contra a covid-19, os pesquisadores concluem precipitadamente que por não existirem “vacinas ou produtos farmacêuticos específicos, a utilização de práticas integrativas e complementares podem auxiliar no desenvolvimento de protocolos que permitam controlar a infecção e os distúrbios causados pelo SARS-CoV-2”. Dos três autores, nenhum tem formação médica: Bomfim e Anelize são graduados em fisioterapia, enquanto Antonio Pedro é biólogo.

Tratamento rejeitado pelo CFM

A prática não é reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), que em 6 de agosto de 2020 emitiu nota de esclarecimento afirmando que “não é válida para nenhuma doença, inclusive a covid-19”. Obedecendo à Resolução 2.181/2018, que “estabelece a ozonioterapia como procedimento experimental” e foi publicada no Diário Oficial da União em 10 de julho daquele ano, o CFM explica que a “aplicação clínica não está liberada, devendo ocorrer apenas no ambiente de estudos científicos, conforme critérios definidos pelo Sistema CEP/CONEP”. As duas siglas dizem respeito ao Comitê de Ética em Pesquisa e à Comissão Nacional de Ética em Pesquisa.

O CFM é a instância máxima que regulamenta o exercício da medicina no Brasil e conclui a nota com uma ressalva, segundo a qual “os médicos que não obedecerem às normas éticas estabelecidas estão sujeitos à denúncias e averiguação de suas condutas no que se refere à prescrição da ozonioterapia”.

A reportagem teve acesso à reprodução de uma dessas mensagens, enviada pelo Clube Militar à juíza Cristiana de Faria Cordeiro, titular da 7 Vara Criminal de Nova Iguaçu-Mesquita, que compartilhou o texto de convite acompanhado do cartaz de divulgação em seu perfil no Twitter. A magistrada disse não saber dizer se colegas receberam o convite.

Mas a partir desta amostra, deduz-se que todos os destinatários receberam a divulgação nominalmente, incluindo a menção aos presidentes do Clube Naval, Clube Militar e Clube de Aeronáutica.

De acordo com o noticiado pelo jornalista Ancelmo Góis, ontem (7), em sua coluna no jornal “O Globo”, a mensagem foi enviada a todos os juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Góis ainda questionou como o Clube Militar teve acesso aos emails funcionais dos magistrados.

A reportagem tentou contato com a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) e o Conselho Federal de Medicina (CFM). Até esta matéria ser publicada, apenas o TJ-RJ nos respondeu, mas “desconhece a informação” dada pelo colunista de “O Globo”. Também tentamos falar com o Clube Militar, porém hoje não houve expediente devido à confraternização de fim de ano. A matéria será atualizada, caso nos respondam.

Apresentação da ozonioterapia no site da Sociedade médica que defende o tratamento. Reprodução/SOBOM (site)

Erros e confusões

Contra Maria Emilia Gadelha Serra, há uma série de denúncias de divulgação de fake news relacionadas aos chamados “eventos adversos” dos imunizantes aplicados em todo o mundo contra a covid-19. Formada na UFRJ e mestra pela Escola Paulista de Medicina (atual Unifesp), a otorrinolaringologista já associou estas vacinas a ocorrências como vasculite e AVC (o popular derrame). Também afirmou, por exemplo, que tais imunizantes possuem grafeno na composição, podendo magnetizar o corpo humano.

Em junho de 2021, a deputada federal Soraya Manato (PSL-ES) apresentou requerimento convidando a médica para audiência pública da Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados para debater o passaporte sanitário, oficialmente conhecido como Certificado de Imunização e Segurança Sanitária (CSS). A solicitação apresentava Maria Emilia, dentre outras qualificações, como diretora da Associação Brasileira de Homeopatia e Homotoxicologia (ABHH). Todavia, quando ligamos para o telefone disponível na página da ABHH no Facebook, fomos atendidos por uma pessoa que trabalha na Associação Brasileira de Medicina Integrativa e Biorregulação (ABMIB). A funcionária desconhecia o nome da médica, que, portanto, não consta de qualquer relação associada à ABMIB.

Realizada em 30/8, a audiência, conduzida pela deputada Chris Tonietto (PSL-RJ), teve como outro convidado o virologista Paulo Zanotto, apontado como integrante do chamado "gabinete paralelo", que contaria com outros médicos, inclusive a imunologista Nise Yamaguchi, que depôs na CPI da Pandemia. Apresentado pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ), o PL 1.674/2021, anexado ao PL 4.998/2020, que prevê a instituição da carteira de vacinação digital no Brasil, foi aprovado no Senado. Na Câmara, porém, a tramitação do PL 1.674/2021 está parada desde junho.

A campanha global de vacinação contra a covid-19 está completando um ano neste mês de dezembro, desde que a primeira pessoa foi vacinada, no Reino Unido.

Email recebido por juíza do Tribunal de Justiça do Rio. Reprodução/Twitter

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