Um grupo de trabalho formado a partir da assinatura, em março passado, de Acordo de Cooperação entre o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) e o Procon-RJ para permitir que o consumidor superendividado possa resolver suas pendências financeiras sem prejudicar o provimento de necessidades básicas já elabora procedimentos visando a formalização de pactos entre devedores e credores ainda neste semestre. A ideia, segundo o desembargador do TJRJ Werson Rêgo, especialista em Direito do Consumidor, é que as renegociações passem por revisões de valores, como a retirada de encargos moratórios, por exemplo, e alongamento das dívidas.
No caso do Estado do Rio de Janeiro, as repactuações, a julgar pelos dados apontados por pesquisas, vão chegar em boa hora. De acordo com o Mapa da Inadimplência no Brasil, elaborado pela Serasa em maio passado, o Rio de Janeiro ocupa a 4ª posição no ranking dos estados com maior parcela da população endividada, com 46%. O Estado do Amazonas aparece em 1º lugar (52,1%), Mato Grosso em 2º (47,8%) e o Acre em 3º (46,4%). No Brasil, são 62,5 milhões de endividados com mais de 211 milhões de dívidas contraídas, que somam cerca de R$ 250 bilhões. E a estimativa é que o país tenha entre 25 e 30 milhões de pessoas superendividadas.
De acordo com o desembargador Werson Rêgo, o projeto de repactuação global que está sendo organizado é destinado apenas aos superendividados e voltado para o equacionamento das dívidas de consumo. Ou seja, não entram na mesa de negociação dívidas tributárias, como as de IPTU, trabalhistas, fiscais, de aluguel, condomínio, entre outras. Mas essas dívidas serão consideradas na hora de pactuar, pois o devedor precisa ter recursos para pagar aluguel, por exemplo. Assim como para o pagamento de financiamentos de bens garantidos, como imóvel e carro, se for o caso.
“Esse processo de repactuação não é para todos. Não é para o consumidor endividado ou muito endividado. É para o superendividado, que é a pessoa física e de boa-fé. É para o consumidor que de algum modo passivo acabou se endividando de tal forma que ficou impossibilitado de pagar suas dívidas de consumo e, ao mesmo tempo, também precisa ter o mínimo para sua existência", destaca o magistrado.
O grupo de trabalho formado para executar o acordo firmado em março conta com representantes do Procon-RJ, do TJRJ, através dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) e do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), Defensoria Pública, entre outros. Em outra ponta, ações seguem na busca pela adesão dos credores. Com a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), por exemplo, já existem gestões no sentido da criação de grupo multidisciplinar por uma rotina para todas as instituições financeiras. Afinal, entre as principais dívidas dos brasileiros, as bancárias e de cartões de crédito aparecem em 1º lugar (29,7%), seguidas das utilities - água, luz, gás – (22,3%), e de varejo (13%).
Mas, para ter suas dívidas repactuadas por esse projeto, o consumidor superendividado vai ter que procurar ajuda com suas próprias pernas. Cabe a ele buscar os órgãos de Defesa do Consumidor ou a Defensoria Pública. O processo de filtragem para identificação de sua real condição de endividamento e receitas recebíveis inclui, entre os procedimentos, a aplicação de questionário com base em modelo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Uma vez aceita a condição, será levada para a mesa de negociação, que inclui os credores. Se houver acordo, ele seguirá para homologação no TJRJ.
“A fiscalização do cumprimento do acordo caberá ao Procon. Mas, na prática, os credores são os maiores fiscais. Porém, o consumidor que descumprir o plano também sofrerá punições e sanções. O sucesso do projeto depende da boa-fé e da confiança pelos dois lados ”, diz o desembargador Werson Rêgo, lembrando que o acordo do TJRJ e do Procon-RJ também envolve uma assistência multidisciplinar para os endividados, como educação financeira, economia doméstica e até apoio psicológico.
O processo de repactuação vai ao encontro dos dispositivos da Lei 14.181/21, que atualizou o Código de Defesa do Consumidor, especialmente no caso da prevenção e tratamento do superendividamento. E a abertura desses processos de repactuação global não só permite o retorno dos superendividados ao mercado de consumo - fato importante diante da crise econômica que o país e as federações atravessam -, bem como evita o congestionamento do Judiciário uma vez que o objetivo maior é o acordo extrajudicial com homologação da Justiça.
“O Judiciário deve estar atento aos movimentos sociais, todos desaguarão na Justiça. O TJRJ sempre tem essa preocupação, em como atuar para buscar a paz social. Precisamos tomar medidas para trazer de volta a possibilidade de quitação dessas dívidas dentro de padrões aceitáveis. Buscar equilíbrio entre o prestador de serviço e o consumidor para evitar excessos, de modo que as pessoas consigam cumprir com suas obrigações”, ressalta o presidente do TJRJ, desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira.
Fonte: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro