Quando Fernanda Torres, 30, postou um pedido de ajuda em uma rede social, ela não imaginava que a sua solicitação teria tanta repercussão. A mãe de Sorocaba, no interior de São Paulo, só desejava que seu filho autista pudesse assistir ao desenho 'Procurando Nemo', como ele fazia todos os dias em uma plataforma de TV streaming. Contudo, o seu desejo se transformou numa bela história de solidariedade mostrando que ainda é possível acreditar nos seres humanos.
Tudo começou na tentativa de conseguir que um filme voltasse para o catálogo do serviço. Fernanda fez um comentário em uma publicação da fanpage oficial da Disney, pedindo que o estúdio liberasse a exibição do "Nemo" na Netflix. Isso porque, desde a manhã do dia 1° de janeiro, o menino de seis anos estava tendo crises, pois havia percebido a mudança.
Fernanda não obteve retorno da empresa, mas a melhor surpresa ainda estava por vir. Foi justamente Rodrigo de Lima, 22, um analista de suporte e morador de Carapicuíba (SP), quem surpreendeu a mãe desesperada e comoveu a internet com a sua nobre atitude.
O jovem se propôs a criar um DVD imitando o layout da Netflix e, assim, enviou o link para Fernanda que finalmente conseguiu baixar o conteúdo e mostrar para o seu filho. Logo, o garotinho se acalmou e a saga teve um final feliz.
"Eu e o Rodrigo nunca nos vimos e o que aconteceu foi maravilhoso! Afinal, em meio a tantos comentários criticando o que eu havia escrito, ele agiu diferente. Meu filho tinha uma rotina, um padrão que seguia diariamente. Quando percebeu que estava diferente, começou a ter crises de ansiedade. Isso aconteceria com qualquer outro filme que ele assiste frequentemente. Aliás, ele vê várias vezes, até o fim ou não", contou.
Segundo ela, o menino aprendeu a manusear o controle remoto e conseguia escolher seus programas favoritos e as partes que mais lhe interessava.
"Quando o Rodrigo quis me ajudar, eu nem acreditei. Até porque, muita gente fala as coisas e não cumpre. Combinamos na sexta-feira à noite e no final da manhã do sábado, ele já estava me enviando uma prévia do projeto personalizado. No domingo, mandou o link pronto. Achei muito legal essa atitude. Embora para ele tenha parecido simples, para mim e para o meu filho foi um grande presente", comentou.
Ela disse que rapidamente a história repercutiu nas redes sociais, e depois disso, todo mundo passou a procurá-la. Fernanda ainda citou a discussão que seu caso trouxe a tona, não somente pelo reconhecimento da solidariedade do Rodrigo, mas também pela visibilidade que as notícias deram sobre o autismo.
"Neste momento, penso que temos uma oportunidade das pessoas entenderem um pouco mais sobre o transtorno, saberem o que nós passamos. Somos milhares, não é só o meu filho que passa por isso. Muitas crianças, e até mesmo adultos, sofrem com a quebra de padrão ou da rotina. Nos próprios comentários da minha publicação, muitas mães citaram a mesma coisa. Confesso que estou um pouco assustada em estar em evidência, mas já que aconteceu, acho válido destacar a causa e ajudar outras pessoas", disse.
As pessoas são boas, elas só estão perdidas
Rodrigo lima, o autor do grande ato de solidariedade, conta que estava online quando percebeu o pedido de socorro de Fernanda. Ele disse que ao ler os inúmeros comentários negativos sobre a postagem, decidiu fazer o vídeo para ajudá-la e também para acalmar a criança.
"Quando me dispus a ajudar, não foi por lucro ou por fama, foi de coração mesmo. Eu não imaginava que teria tanta repercussão. Afinal, eu só criei o vídeo e enviei para que ela pudesse baixá-lo. Depois, ela postou a reação do garoto e confesso que fiquei muito feliz. Eu também já sabia da dificuldade de interação e comunicação relacionada ao autismo. Por essa razão, me senti mais motivado a fazer alguma coisa", relembrou.
O autismo regressivo
Com um ano e meio, o filho de Fernanda começou a apresentar os primeiros sintomas do autismo. Segundo ela, o menino regrediu na fala e nos gestos, pois apresentou o diagnóstico regressivo da patologia. Aos dois anos, na sala de aula, uma professora questionou sobre a possibilidade da criança ser surda porque ele não reagia aos seus comandos.
"Eu tinha certeza que ele não era surdo, mas desconfiava do autismo. Foi aí que eu comentei com a pediatra e ela concordou. Ainda sim, fizemos um exame específico de audição que descartou a surdez. Quando eu levei-o em uma psiquiatra, foi confirmado o diagnóstico", relatou.
Além dos sintomas regressivos, seu filho não se interessava por brinquedos e sempre fazia movimentos repetitivos. Os seus interesses eram por objetos como caixas de creme de leite, latas de milho e laranjas que nas brincadeiras eram sempre empilhados. Além disso, o garoto emitia sons e movimentos atípicos que na psiquiatria são chamados de esteriotipias.
"No início, fizemos terapias e outros tratamentos. Eu passei a me dedicar exclusivamente ao meu filho. Inclusive, tive que começar a trabalhar em casa como confeiteira. Hoje, moro muito afastado do centro da cidade e estou tendo dificuldades para continuar atendendo às necessidades especiais dele. Não tenho carro e é tudo muito longe por aqui. Eu também sou mãe de uma menina. Sou somente eu por eles. Muitas vezes, não consigo dar conta de cuidar dos dois da melhor forma possível e trabalhar. Por isso, estou sem levá-lo as terapias há um ano. Isso torna as coisas um pouco mais complicadas. Principalmente, quando é preciso ajuda para a compreensão do mundo real para o autista. Os métodos utilizados pelos especialistas ajudam muito a amenizar as alterações de comportamento", explicou.
A psicóloga Vanessa Coutinho, da Casa da Esquina, afirma que, em geral, as crianças com transtorno do espectro autista apresentam dificuldade para lidar com mudanças. Algumas costumam demonstrar incômodos, resistir à novidade, e outras chegam a ter crises mais intensas. É possível que elas apresentem problemas com qualquer mínima alteração ou também com modificações mais significativas.
"Algumas têm dificuldade, por exemplo, com a mudança de móveis de lugar. Isso é muito comum em crianças que apresentam esse transtorno. Agora, se, por um lado, as famílias acabam tentando manter tudo bem parecido para evitar crises, por outro, é muito importante que a criança suporte viver experiências novas. Se não, corre-se o risco dela ficar muito fixada em algumas experiências, e não experimentar coisas novas, tendo uma vivência muito restrita. Porém, é preciso ser avaliado caso a caso", alerta a especialista.
Ela ainda esclarece que, normalmente, as características que levam a uma hipótese de autismo podem ser percebidas desde muito cedo no bebê. No caso do autismo regressivo, a criança começa a se desenvolver sem alterações e, entre o primeiro e o segundo ano de vida, vai perdendo as habilidades que havia adquirido e apresentando os sinais do transtorno.