No último dia 14, uma reportagem publicada pelo portal Eu,Rio! revelou alguns dados inseridos em uma representação enviada a Procuradoria Geral da República, no município de São Pedro da Aldeia, para o Dr. Leandro Mitidieri. Na ocasião, o procurador esteve no local para realizar uma visita de inspeção na Barragem de Juturnaíba.
De acordo com o documento solicitado pelo Grupo Movimento Baía Viva e protocolado pelo promotor José Alexandre Maximino Mota, o objetivo da visita seria uma avaliação sobre a abrangência da contaminação da represa provocada por duas pilhas de iodo de sulfato de alumínio que estão localizadas no reservatório de água. A represa abastece oito municípios da Região dos Lagos.
Dois estudos acadêmicos publicados pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) indicam que pouco mais de 77 mil toneladas de alumínio foram despejados ilegalmente, ao longo de 30 anos, nas margens do reservatório. Tais índices representam um alto risco de contaminação química ambiental, além de perigo potencial à saúde coletiva.
O Movimento Baía Viva também participou da elaboração da representação enviada ao MPF. A entidade destacou a grave situação de vulnerabilidade hídrica tanto na bacia hidrográfica do Rio Paraíba do Sul que abastece o Vale Paraíba, a Baixada Fluminense e a Capital quanto na represa de Juturnaíba.
Em novembro de 2018, um relatório de segurança de barragens produzido pela Agência Nacional de Águas (ANA) também evidenciou que o estado do Rio possui 29 barragens para uso de abastecimento e industrial. Desse total, 21 ainda não foram classificadas quanto ao grau de risco e duas estão com algum tipo de comprometimento estrutural: Gericinó, entre Nilópolis e Mesquita, e a de Juturnaíba, entre Silva Jardim e Araruama. A fiscalização destes locais é responsabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (INEA).
Um estudo realizado pelo INEA, no período de 2013 a 2015, identificou que o número de áreas contaminadas (ACs) no estado duplicou. A variação foi de 151 áreas (2013) para 240 (2014). O crescimento alarmante também indica que, se não houver uma intervenção eficaz dos órgãos competentes, os índices devem crescer nos próximos anos.
Juturnaíba
O conhecido Lago de Juturnaíba é considerado o segundo maior reservatório de água do estado do Rio de Janeiro. A sua capacidade de armazenamento chega a 100 milhões de metros cúbicos de água. As pesquisas acadêmicas destaca que, desde a década de 70, duas Estações de Tratamento de Água (ETAs) do tipo convencional usam sulfato de alumínio como agente coagulante. Desse modo, até 2009, todo o resíduo gerado no tratamento da água foi descartado e acumulado às margens do reservatório. Um total de 60.370 e 62.479 toneladas de resíduos em cada pilha do sistema.
As pesquisas mostraram que a apresentação in natura do iodo de sulfato de alumínio pode não somente comprometer a qualidade da água, mas também causar danos às comunidades aquáticas da região. Bem como, o elemento químico é um neurotóxico para os seres humanos e está diretamente relacionado ao desenvolvimento ou aceleração da Doença de Alzheimer.
A doutora Aline Mansur foi responsável por uma tese apresentada na pós-graduação em Geociências da UFF. Na sua pesquisa, Aline demonstrou que o descarte de resíduos de ETA em corpos de água deve ser evitado devido os seus efeitos negativos. Ela também reforçou a presença de alumínio no local.
Em 2008, o professor Júlio Cesar de Faria Alvim Wasserman (UFF) foi convidado pela Associação Mico Leão Dourado para medir a qualidade da água em Jaturnaíba. Na sua análise, Júlio Cesar descreveu altas concentrações do minério nos sedimentos da represa. A princípio, não foi identificada a origem da contaminação. Contudo, o pesquisador observou que uma parcela significativa do alumínio estava presente nas pilhas das ETAs e eram consideradas partículas móveis. Ou seja, elas seriam passíveis de contaminar as colunas de água da barragem oferecendo risco aos consumidores de água da região.
O trabalho concluiu que o despejo era feito de forma cíclica. Porém, de forma não-sustentável e inconsistente. Desse modo, o processo retirava os sedimentos da água, mas depois de realizada a purificação, voltava a despejá-los no mesmo reservatório.
Na época, a população foi alertada sobre a associação e a possibilidade da contaminação chegar aos consumidores da água fornecida pela represa. Isso porque, o consumo da água contaminada por alumínio durante 40 e 50 anos poderia favorecer o surgimento da Doença de Alzheimer. Os representantes das concessionárias procuraram o professor Wasserman para realizar um orçamento que pudesse solucionar o problema. Contudo, o valor de R$ 700 mil não agradou as empresas que não efetivaram o projeto.
Em 2011, depois de ser submetida a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), a proposta foi aprovada e se tornou um projeto de departamento. A partir de então, um laboratório foi criado e contou com parcerias e alunos bolsistas que passaram a realizar análises das pilhas de rejeitos.
Sérgio Ricardo, um dos fundadores do Movimento Baía Viva, afirmou que alguns membros do Comitê de Bacias Hidrogáficas Lagos São João saíram em defesa das empresas poluidoras porque defende a falsa e ineficaz solução proposta pelas concessionárias para resolver seus passivos ambientais.
"Querem fazer uma barreira e cobrir duas pilhas de resíduos de alumínio. Ou seja, manter a montanha de lixo químico no mesmo local, às margens da represa. Isso é mais barato. As empresas economizarão alguns milhões de reais. Porém, não há garantia da segurança ambiental do atual e futuro abastecimento de água da Região dos Lagos. O Baía Viva defende uma solução de engenharia com a retirada de forma segura de todo este material contaminante", afirmou Sérgio.
Para ele, é preciso um monitoramento permanente do reservatório custeado pelas concessionárias, além da realização de exame epidemiológico de saúde por um grupo de universidades e a FIOCRUZ.
"Nem o INEA, nem muito menos um "comitê" de baixíssima representatividade popular, formado por ongs patrocinadas pelas próprias concessionárias tem independência técnica e autonomia em relação ao empreendedor para fazer este monitoramento" concluiu.
Inspeção
A assessoria da Prolagos informou que durante a visita o engenheiro José Renato Cotrim, da Cotrim e Sato Consultoria em Engenharia, afastou qualquer possibilidade de risco de dano estrutural na barragem.
"O laudo ainda está sendo elaborado, mas diante do que estamos acompanhando nas vistorias posso afirmar que não há evidência de risco de colapso que possa preocupar a sociedade", pontuou.
Além da Cotrim & Sato, a Prolagos contratou os serviços da VLB Engenharia para emitir um laudo técnico para que sejam aprofundadas as medidas de segurança.
"Os estudos são complementares e a concessionária não medirá esforços ou recursos para executar todas as possíveis melhorias que podem ser apontadas. Entendemos que segurança é fundamental e todos os laudos apresentados até hoje atestam que a barragem está totalmente íntegra", reforçou Sérgio Braga, diretor-presidente da Prolagos.
Procurado pelo portal Eu,Rio!, o procurador Leandro Mitidieri informou os estudos sobre a denúncia ainda estão em andamento. Logo, as medidas serão tomadas após todas as manifestações dos órgãos e entidades oficiados.
Em nota, o Grupo Águas do Brasil, responsável pelo abastecimento, disse que as características da água da represa são um resultado do solo e as águas de seus afluentes e que a Estação de Tratamento de Águas de Juturnaíba tem a capacidade para tratar e distribuir água potável atendendo todos os parâmetros preconizados na Portaria de Consolidado nº 5, de setembro de 2017, do Ministério da Saúde. A Prolagos, responsável pelo saneamento, também foi procurada para esclarecer os fatos, mas até o fechamento desta reportagem, não obteve nenhuma resposta sobre o assunto.