O Senado se torna agora o palco da batalha entre governo e oposição em torno do pré-sal, a camada mais profunda da plataforma continental submarina. O pré-sal já responde por metade da produção de óleo e gás natural do Brasil, antes de completar uma década de entrada em produção. Os prognósticos sobre o potencial da área variam, mas no mínimo duplicam as reservas provadas e recuperáveis do Brasil. Essas bacias sedimentares tomam esse nome de pré-sal por antecederem a camada de sal existente nas áreas profundas da Terra, contando-se a partir do núcleo do planeta.
A chegada ao Senado, casa revisora das leis do País, foi precedida por uma vitória da proposta oficial na Câmara dos Deputados, com números expressivos. O plenário concluiu a votação, na quarta-feira (4), do projeto autorizando a Petrobras a vender às indústrias petrolíferas até 70% de seus direitos de exploração de petróleo do pré-sal na área cedida onerosamente pela União.
A chegada ao Senado, casa revisora das leis do País, foi precedida por uma vitória da proposta oficial na Câmara dos Deputados, com números expressivos. O plenário concluiu a votação, na quarta-feira (4), do projeto autorizando a Petrobras a vender às indústrias petrolíferas até 70% de seus direitos de exploração de petróleo do pré-sal na área cedida onerosamente pela União.
Os valores envolvidos são tão elevados que tornam praticamente impossível a participação de empresas nacionais. Desse modo, conforme a advertência publicada no boletim do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), o pré-sal do Brasil passa a mãos estrangeiras. O texto-base (substitutivo) já havia sido aprovado no dia 20 de junho. A matéria, diante disso, vai ao exame do Senado.
O texto aprovado é do PL 8.939/17, de autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA). O projeto altera a Lei 12.276/10, que autorizara a União a repassar diretamente à Petrobras, sem licitação, área na Bacia de Santos (SP). Essa cessão para a estatal é limitada até se alcançar a extração de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo. A cessão foi a fórmula encontrada para compensar, ao menos em parte, a Petrobras pela perda do monopólio da exploração e produção do petróleo.
Oposição, minoritária, terá de recorrer à obstrução no Senado
A venda servirá para capitalizar a Petrobras, mas de acordo com parlamentares da oposição e engenheiros da estatal terminará por impor perdas significativas à União. O substitutivo do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) estabelece que o petróleo excedente aos 5 bilhões será licitado sob o regime de partilha de produção, em que a União é quem detém o controle das reservas, remunerando as operadoras com parcelas fixas, previstas em contrato de serviços.
A venda será realizada após a revisão do contrato original de cessão onerosa. A revisão pode trazer pagamentos adicionais à Petrobras pela União. Isso porque as reservas recuperáveis (de produção em bases rentáveis) dos campos incluídos na chamada cessão onerosa podem ser até três vezes maiores que o cálculo original, de acordo com projeções de consultorias internacionais contratadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A correlação de forças favorável à proposta liberalizante ficou clara na votação de uma emenda do deputado Orlando Silva (PC do B-SP), ex-ministro do Esporte. O plenário rejeitou por 235 votos a 30 emenda estipulando vigência, a partir de 270 dias da publicação da futura lei, para dispositivo autorizando a União a licitar o óleo excedente aos 5 bilhões de barris da cessão onerosa.
Sem a emenda de Silva, a estatal ficará dispensada de recorrer a mecanismos concorrenciais, podendo escolher livremente seus parceiros, ressalvado o limite de 30% para sua participação e sua condição de operadora, responsável pelas escolhas tecnológicas e as compras de equipamento.
Petrobras é o fiel da balança
Técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) lotado na Federação Única dos Petroleiros (FUP), majoritária entre os sindicatos da categoria, Cloviomar Cararine deu o exemplo da quarta rodada de licitação de blocos do pré-sal para argumentar que era dispensável tornar as regras mais atrativas para as multinacionais:
Na 4ª rodada da Partilha, a Petrobras foi operadora em todas as áreas arrematadas e mostra que as outras petroleiras estão interessadas apenas em ser parceiras da Petrobras (retorno financeiro certo e aumento de reservas).
O problema maior é a venda dos excedentes à área da cessão onerosa, ainda mais em base que envolvem a redução dos royalties de 15% para 10% e a retirada das participações especiais. Esses dispositivos, no regime de concessão, asseguravam que a fatia da União (e, com ela, os repasses a Estados e Municípios) subissem expressivamente sempre que os blocos alcançassem grandes produções, superiores a 50 mil barris, subindo de novo quando batessem 100 mil barris diários.
O regime de partilha, adotado na maior parte dos grandes produtores do planeta, assegura o controle estatal das reservas e da comercialização. Por isso, dispensa a tributação adicional. Com a reforma em curso, o Estado abre mão desse controle, sem a contrapartida do aumento de impostos.
A descoberta do pré-sal, com quantidades inéditas para os padrões do Brasil de óleo e gás, ademais com uma leveza que facilita o refino, está na raiz do abandono do modelo de concessão. Introduzida no governo de Fernando Henrique Cardoso, a concessão costuma ser adotada quando o risco da exploração é maior. Nas grandes províncias petrolíferas, logo que a produção se consolida em patamares elevados, as regras evoluem para a partilha ou, no mínimo, a participação especial. Pesa também a redução progressiva dos custos de exploração, em áreas de elevado retorno, como na Península Arábica.
Cloviomar Cararine sustenta que a diferença fundamental está no fato da Petrobras ter um custo de produção bem menor que qualquer outra petroleira. Neste sentido, para ele, a diferença (em perdas) para a União e para os recursos do Fundo Social acontecerá sempre que o campo não for operado pela Petrobras.
No caso da mudança recente em que a Petrobras poderá vender até 70% de participação nos campos da cessão onerosa, como ela continuará sendo a operadora, as perdas se limitam à Petrobras, com a entrada de parceiras.
Para o excedente da cessão onerosa (cerca de 15 bilhões de barris, hipótese mais otimista do cálculo encomendado pela ANP a uma consultoria internacional independente), alguns destes campos poderão ser operados por outras petroleiras, que não a Petrobras, pois serão licitados.
"Assim, para cada bilhão de barris explorado, a União perde R$ 75 bilhões e os recursos para educação e saúde perdem ainda R$ 2,4 bilhões. Lembrando, as perdas acontecem sempre que a Petrobras não for a operadora", adverte.
O técnico do DIEESE explica que o operador sempre terá no mínimo 30%. A Petrobras tem melhor operação, custo de exploração menor, tem que garantir conteúdo local e, assim, maior retorno para a sociedade: mais royalties e melhores emprego e renda, na avaliação de Cararine.
"O modelo de partilha só faz sentido se o governo (leia-se população) ficar com renda acima de 75%", conclui.
'Ouro negro' causa intensa polarização no Parlamento
Como nos tempos da adoção do Monopólio Estatal do Petróleo e da criação da empresa que encarnava o dispositivo, a Petrobras, em outubro de 53, os debates foram intensos e polarizados nas Comissões e no Plenário. Os parlamentares da oposição se queixavam da abertura de uma brecha para a atuação de grandes multinacionais, ainda mais diante das isenções tributárias e do esvaziamento das cláusulas de conteúdo nacional mínimo nos bens e serviços dedicados à exploração e produção de óleo e gás. Os governistas, em contrapartida, reafirmavam a aposta no rápido crescimento dos investimentos, pela atração de capital estrangeiro, compensando a retração da Petrobras, duramente atingida pela Operação Lava Jato e com decisões de investimento abertamente contestadas pelos mercados internacionais.
O registro das falas pela Agência Câmara deixa claro a agressividade retórica e a dificuldade de chegar a um consenso. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) não teve papas na língua, acusando o projeto de Aleluia (DEM-BA) de servir às empresas internacionais.
"O que se pretende é abrir esta enorme fronteira de exploração do petróleo do pré-sal para entregar às transnacionais do petróleo", declarou.
As críticas,ainda de acordo com o jornal oficial da Câmara, foram refutadas pelo líder do governo, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PA).
"Vivemos em um novo mercado e temos de dar flexibilidade à companhia", disse o parlamentar, fazendo menção à Petrobras.
Um dos decanos da bancada oposicionista,Ivan Valente (Psol-SP), tachou de "criminosa" a proposta de Aleluia.
"Toda a riqueza do pré-sal será entregue de mão beijada a petrolíferas internacionais", criticou.
Em resposta, Ronaldo Benedet (MDB-SC) reafirmou a importância de repensar o papel da Petrobras, face às mudanças no mercado de energia e o avanço de energias renováveis.
"Não estamos falando em venda da Petrobras, mas temos de pensar até quando vai valer a pena explorar o petróleo", afirmou.
O texto aprovado é do PL 8.939/17, de autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA). O projeto altera a Lei 12.276/10, que autorizara a União a repassar diretamente à Petrobras, sem licitação, área na Bacia de Santos (SP). Essa cessão para a estatal é limitada até se alcançar a extração de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo. A cessão foi a fórmula encontrada para compensar, ao menos em parte, a Petrobras pela perda do monopólio da exploração e produção do petróleo.
Oposição, minoritária, terá de recorrer à obstrução no Senado
A venda servirá para capitalizar a Petrobras, mas de acordo com parlamentares da oposição e engenheiros da estatal terminará por impor perdas significativas à União. O substitutivo do deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE) estabelece que o petróleo excedente aos 5 bilhões será licitado sob o regime de partilha de produção, em que a União é quem detém o controle das reservas, remunerando as operadoras com parcelas fixas, previstas em contrato de serviços.
A venda será realizada após a revisão do contrato original de cessão onerosa. A revisão pode trazer pagamentos adicionais à Petrobras pela União. Isso porque as reservas recuperáveis (de produção em bases rentáveis) dos campos incluídos na chamada cessão onerosa podem ser até três vezes maiores que o cálculo original, de acordo com projeções de consultorias internacionais contratadas pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
A correlação de forças favorável à proposta liberalizante ficou clara na votação de uma emenda do deputado Orlando Silva (PC do B-SP), ex-ministro do Esporte. O plenário rejeitou por 235 votos a 30 emenda estipulando vigência, a partir de 270 dias da publicação da futura lei, para dispositivo autorizando a União a licitar o óleo excedente aos 5 bilhões de barris da cessão onerosa.
Sem a emenda de Silva, a estatal ficará dispensada de recorrer a mecanismos concorrenciais, podendo escolher livremente seus parceiros, ressalvado o limite de 30% para sua participação e sua condição de operadora, responsável pelas escolhas tecnológicas e as compras de equipamento.
Petrobras é o fiel da balança
Técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) lotado na Federação Única dos Petroleiros (FUP), majoritária entre os sindicatos da categoria, Cloviomar Cararine deu o exemplo da quarta rodada de licitação de blocos do pré-sal para argumentar que era dispensável tornar as regras mais atrativas para as multinacionais:
Na 4ª rodada da Partilha, a Petrobras foi operadora em todas as áreas arrematadas e mostra que as outras petroleiras estão interessadas apenas em ser parceiras da Petrobras (retorno financeiro certo e aumento de reservas).
O problema maior é a venda dos excedentes à área da cessão onerosa, ainda mais em base que envolvem a redução dos royalties de 15% para 10% e a retirada das participações especiais. Esses dispositivos, no regime de concessão, asseguravam que a fatia da União (e, com ela, os repasses a Estados e Municípios) subissem expressivamente sempre que os blocos alcançassem grandes produções, superiores a 50 mil barris, subindo de novo quando batessem 100 mil barris diários.
O regime de partilha, adotado na maior parte dos grandes produtores do planeta, assegura o controle estatal das reservas e da comercialização. Por isso, dispensa a tributação adicional. Com a reforma em curso, o Estado abre mão desse controle, sem a contrapartida do aumento de impostos.
A descoberta do pré-sal, com quantidades inéditas para os padrões do Brasil de óleo e gás, ademais com uma leveza que facilita o refino, está na raiz do abandono do modelo de concessão. Introduzida no governo de Fernando Henrique Cardoso, a concessão costuma ser adotada quando o risco da exploração é maior. Nas grandes províncias petrolíferas, logo que a produção se consolida em patamares elevados, as regras evoluem para a partilha ou, no mínimo, a participação especial. Pesa também a redução progressiva dos custos de exploração, em áreas de elevado retorno, como na Península Arábica.
Cloviomar Cararine sustenta que a diferença fundamental está no fato da Petrobras ter um custo de produção bem menor que qualquer outra petroleira. Neste sentido, para ele, a diferença (em perdas) para a União e para os recursos do Fundo Social acontecerá sempre que o campo não for operado pela Petrobras.
No caso da mudança recente em que a Petrobras poderá vender até 70% de participação nos campos da cessão onerosa, como ela continuará sendo a operadora, as perdas se limitam à Petrobras, com a entrada de parceiras.
Para o excedente da cessão onerosa (cerca de 15 bilhões de barris, hipótese mais otimista do cálculo encomendado pela ANP a uma consultoria internacional independente), alguns destes campos poderão ser operados por outras petroleiras, que não a Petrobras, pois serão licitados.
"Assim, para cada bilhão de barris explorado, a União perde R$ 75 bilhões e os recursos para educação e saúde perdem ainda R$ 2,4 bilhões. Lembrando, as perdas acontecem sempre que a Petrobras não for a operadora", adverte.
O técnico do DIEESE explica que o operador sempre terá no mínimo 30%. A Petrobras tem melhor operação, custo de exploração menor, tem que garantir conteúdo local e, assim, maior retorno para a sociedade: mais royalties e melhores emprego e renda, na avaliação de Cararine.
"O modelo de partilha só faz sentido se o governo (leia-se população) ficar com renda acima de 75%", conclui.
'Ouro negro' causa intensa polarização no Parlamento
Como nos tempos da adoção do Monopólio Estatal do Petróleo e da criação da empresa que encarnava o dispositivo, a Petrobras, em outubro de 53, os debates foram intensos e polarizados nas Comissões e no Plenário. Os parlamentares da oposição se queixavam da abertura de uma brecha para a atuação de grandes multinacionais, ainda mais diante das isenções tributárias e do esvaziamento das cláusulas de conteúdo nacional mínimo nos bens e serviços dedicados à exploração e produção de óleo e gás. Os governistas, em contrapartida, reafirmavam a aposta no rápido crescimento dos investimentos, pela atração de capital estrangeiro, compensando a retração da Petrobras, duramente atingida pela Operação Lava Jato e com decisões de investimento abertamente contestadas pelos mercados internacionais.
O registro das falas pela Agência Câmara deixa claro a agressividade retórica e a dificuldade de chegar a um consenso. O deputado Henrique Fontana (PT-RS) não teve papas na língua, acusando o projeto de Aleluia (DEM-BA) de servir às empresas internacionais.
"O que se pretende é abrir esta enorme fronteira de exploração do petróleo do pré-sal para entregar às transnacionais do petróleo", declarou.
As críticas,ainda de acordo com o jornal oficial da Câmara, foram refutadas pelo líder do governo, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PA).
"Vivemos em um novo mercado e temos de dar flexibilidade à companhia", disse o parlamentar, fazendo menção à Petrobras.
Um dos decanos da bancada oposicionista,Ivan Valente (Psol-SP), tachou de "criminosa" a proposta de Aleluia.
"Toda a riqueza do pré-sal será entregue de mão beijada a petrolíferas internacionais", criticou.
Em resposta, Ronaldo Benedet (MDB-SC) reafirmou a importância de repensar o papel da Petrobras, face às mudanças no mercado de energia e o avanço de energias renováveis.
"Não estamos falando em venda da Petrobras, mas temos de pensar até quando vai valer a pena explorar o petróleo", afirmou.