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Direitos Humanos

"Exigimos medidas socioeducativas, não punitivas e genocidas", afirma Mônica Cunha

A ativista é Coordenadora do Movimento Moleque e da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ


Imagem: DEGASE

Na última segunda-feira (10), uma decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Edson Fachin, propôs a liberação de 50 jovens em conflito com a lei. O benefício autorizado pelo STF se apoiou na tentativa de evitar a superlotação das unidades de internação. De acordo com a medida, apenas no Rio de Janeiro, aproximadamente 400 adolescentes ganharão o direito à liberdade

Mônica Cunha é Coordenadora da Comissão de Direitos Humanos da ALERJ e líder do "Movimento Moleque" que surgiu em 2003 com a iniciativa de mães de adolescentes internados no DEGASE para o cumprimento de medidas socioeducativas. Para ela, a decisão não é polêmica e as reações negativas apenas expõem antigas mazelas do sistema e de parte da população.

"Nosso movimento nasceu com a perspectiva de mostrar para a sociedade o quanto estes jovens são mais vítimas do que algozes. Revelando que eles possuem familias e que elas se preocupam. Além disso, relembramos que eles não nascem com uma arma na mão e que não são perigosos", destacou a ativista.

Ela ainda ressaltou a ineficácia das medidas socioeducativas. Bem como, o quanto elas são "proibidas" para os oriundos da favela e da periferia carioca.

"Em 2013, começamos a discutir o assassinato desses garotos. Diante de um cenário de falta de oportunidades, enquanto Movimento Moleque, começamos a questionar se o envolvimento deles com meios ilícitos seria uma justificativa para matá -los. Quando você se envolve com algum tipo de criminalidade, o pagamento seria a sua vida? Caso sim, vamos discutir, de fato, o que é crime neste país e quem tem que pagar com a vida. A partir daí, também debatemos o genocídio da população negra analisando a história dos garotos até o contato com o crime", contou.

Mônica relembrou que, há 16 anos, o Movimento Moleque discute a implementação das medidas socioeducativas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional Socioeducativo (SINASE), que nasceu em 2013.

"Discutimos a aplicação dessas medidas quando o adolescente é negro. Isso porque enxergamos o racismo. Hoje, não são 400 bandidos que estão voltando pra casa. Não é exatamente o que diz o governador e outras pessoas desinformadas. A ideia é resgatá-los destas unidades superlotadas e compreender que o ato infracional não é o fim da linha. Existem outras oportunidades. Do que jeito que está não tem como recuperar ninguém. A realidade é que as unidades parecem porões de navios negreiros cheios de jovens negros", lamentou a Coordenadora.

Ainda segundo ela, o cenário atual ignora as diretrizes do ECA. Os menores não têm uma alimentação adequada, são privados de uma convivência familiar e comunitária, além da falta de educação, esporte e cultura.

"Que medidas são essas? O que vemos são um monte de 'negrinhos' expostos à péssimas condições de sobrevivência. Se temos uma Constituição, ela precisa valer para população negra. Esses meninos também são seres humanos e precisam ter seus direitos respeitados. Nós exigimos medidas socioeducativas, não punitivas e genocidas. Temos um trabalho muito longo com essa cabeças. Para mostrá-los que eles podem voltar a sociedade e retomarem o seu lugar", relatou.

Ao Portal Eu,Rio! Mônica também reafirmou a sua história como militante dos Direitos Humanos. Antes do início da luta, ela foi mãe de um menor em conflito com a lei. Seu filho do meio, Rafael Silva Cunha, passou um período internado em uma unidade do DEGASE. Depois da última internação de Rafael, no Educandário Santo Expedito, ela não mais reconhecia a sua cria. Ele saiu para ser assassinado.

"Há 12 anos, eu digo e repito: meu filho não era bandido. Ele foi transformado dentro dessas unidades para justificar o seu assassinato. Por isso, saber que tais jovens, hoje, podem ter a oportunidade de mudar as suas vidas para mim é um momento muito importante. Essa é a minha a luta, a luta do Movimento Moleque e da Comissão dos Direitos Humanos", disse emocionada.

Realidade nua e crua

Segundo o Departamento Geral de Ações Socioeducativas (Degase), a decisão do STF delimitou em 119% a taxa de ocupação das unidades socioeducativas. Desse modo, cada comarca judicial do Estado do Rio de Janeiro deve avaliar, um a um, os casos dos jovens acautelados pelo estado, baseando-se nos critérios pré-definidos pelos juízes de cada comarca.?

Em nota, a Degase afirmou que vai fazer as liberações a partir das decisões judiciais, após o recebimento do documento. Assim, o Órgão deve liberar os adolescentes mediante a presença dos responsáveis legais. São eles que assinarão o termo de entrega.?

O Degase também disse que não é possivel prever quantos e quando os jovens serão efetivamente liberados. Isso porque, o Órgão é apenas o executor das medidas socioeducativas aplicadas pelo Poder Judiciário. Além dissk, a instituição reconheceu os problemas de infraestrutura, acumulados e gerados devido aos governos anteriores.

Em relação a questão da superlotação, o Degase informou que são 25 unidades de internação e semiliberdade em todo o estado. No total, atualmente, são 1.645 adolescentes cumprindo medida socioeducativa de internação e internação provisória. E, 360 cumprindo nas unidades de semiliberdade. Contudo, são 891 vagas de internação e 502 de semiliberdade em todo o estado.

Sobre o sistema socioeducativo, o Departamento ainda reforçou que todas as unidades de internação possuem colégio estadual em funcionamento, que recebe também merenda fornecida pela Secretaria de Educação. Os internos também possuem acompanhamento médico, psicológico e pedagógico, com atividades culturais, extracurriculares e esportivas.

Vale destacar que existem programas como o Jovem Aprendiz, cursos e oficinas de eletricista, teatro, DJ, pizzaiolo, dança, reforço escolar, assistente de produção, entre outros. Na TV Degase, os internos tem contato com câmeras, edições e fazem parte da grade de atividades que são oferecidas. Aulas de jiu-jitsu e caratê também fazem parte em unidades do interior. Passeios culturais são realizados com frequência, além de visitas a clubes, museus etc., no programa Trilhas e Rumos para um novo caminho. O Flamengo é um dos parceiros com aulas de basquete e o Fluminense com vôlei para as internas femininas.

O que diz o Governo Estadual e o Ministério Público

O Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça da Infância e Juventude matéria infracional (CAO Infância e Juventude/MPRJ) esclareceu que, de acordo com os parâmetros estabelecidos na decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, cerca de 700 adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de internação nas unidades? do Estado do Rio de Janeiro deverão ser transferidos para cumprimento de medida em meio aberto, quando o ato praticado foi sem violência ou grave ameaça ou colocado em internação domiciliar.

Em nota, o MPRJ ressaltou que não há possibilidade de transferência para outras unidade de internação. Isso porque, todas as unidades do Estado encontram-se superlotadas com percentuais superiores a 119%. Desse modo, os casos estão sendo analisados, individualmente, pelas Promotorias de Justiça com atribuição para execução de medida socioeducativa de internação no Estado e serão enviados para as Varas da Infância e Juventude.

Ainda segundo o órgão, as Promotorias de Justiça de execução de medidas socioeducativas da comarca da capital já analisaram os primeiros casos, que versam sobre adolescentes que praticaram atos infracionais análogos a crimes de furto, tráfico de drogas e roubos.

A reportagem do Portal Eu,Rio! entrou em contato com o Governo do Estado para tentar um posicionamento sobre a liberação dos jovens e também sobre alternativas que possam garantir a ressocialização dos adolescentes a sociedade, mas até o fechamento desta matéria, não obteve resposta.

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