Assédios no transporte público são um verdadeiro problema para a sociedade e a legislação está tentando acompanhar. Na última semana, o Portal Eu,Rio! mostrou que já existe um projeto de lei tramitando no Congresso que tipifica como crime essa situação vexatória e humilhante para a mulher (veja aqui). O Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro divulgou recentemente o Dossiê Mulher, que reúne estatísticas cometidas contra as mulheres e que são informados à polícia. Somente em 2017, na capital, foram 60 casos de assédio, 90 atos obscenos, 158 constrangimentos ilegais e 259 importunações ofensivas ao pudor. Somados são 567 casos de mulheres que passaram por situações vexatórias, mas esse número pode ser maior, pois são os casos que chegam às delegacias.
Mas e se o assédio acontecer no transporte particular de aplicativos, modalidade cada dia mais comum em grandes cidades como o Rio de Janeiro? Neste universo de 567 casos, 11,5% ocorreram dentro de transportes coletivos/alternativos e 10,1% em “outros locais”, que podem ser dentro de transporte particular com uso de aplicativos. Outro dado relevante é que quase 70% desses casos foram com desconhecidos (51,3% nenhuma relação, 8,8% outras e 9,0% não informado).
Foi o que aconteceu com a professora Raquel Bauer, 32 anos. Na saída de um bar, acompanhada de um amigo, solicitou o carro em um aplicativo, mas seguiu sozinha a viagem. Foi o suficiente para o motorista questioná-la sobre várias coisas, inclusive o que ela fazia sozinha na rua e se o namorado a deixava sair com um vestido curto.
“Fui ficando apavorada, porque ele pedia para voltar comigo ao bar, para me ‘exibir’, e continuava insistindo. Disfarcei e liguei para o meu amigo e desligava, que achou estranho e me ligou. Comecei a falar com ele como se fosse meu namorado e mesmo assim o motorista continuou insistindo, mas seguiu o caminho da minha rua. Sei que ao parar, apenas joguei o dinheiro e corri. No dia seguinte, denunciei ao app e eles afirmaram ter bloqueado o motorista, porém há diversos outros que ele pode estar inscrito”, desabafa Raquel.
Procuramos os principais aplicativos (Uber e 99 Táxi) e ambos têm posicionamento parecido quando recebem uma denúncia de assédio dos motoristas a passageiras. A Uber, por meio da sua assessoria, afirma que acredita que as mulheres têm o direito de ir e vir da maneira que quiserem e, além disso, têm o direito de fazer isso em um ambiente seguro.
“Acreditamos na importância de combater, coibir e denunciar casos de assédio e violência contra a mulher. Quando um caso de assédio é reportado na plataforma, seja por usuária, seja por motorista parceira, fazemos um cruzamento de dados e, vindo a ser confirmada a denúncia, o agressor é desativado”, ressaltam.
A empresa 99 Táxi, também por meio da sua assessoria, afirma que a segurança dos passageiros é uma preocupação constante e um dos pilares da plataforma, por isso tem uma equipe especializada cuidando do assunto e salienta que qualquer comportamento inadequado, inclusive de assédio, pode ser denunciado à Central de Segurança, pelo telefone 0800-888-8999, que oferece auxílio imediato.
“A assistência conta com mulheres para atender esse tipo de incidente, oferecendo apoio emocional e psicológico. Além disso, a ajuda pode incluir o envio de um carro em ocorrências em que a vítima se encontre em um local isolado, por exemplo. Nesses casos, o responsável é imediatamente bloqueado da plataforma.” completa a nota.
Como evitar?
As plataformas também informaram que buscam permanentemente aprimorar os serviços e tecnologia para evitar que situações como a de Raquel ocorram. A Uber afirma que nenhuma viagem na plataforma é anônima e todas são registradas por GPS. “Isso permite, por exemplo, que em caso de incidentes nossa equipe especializada possa dar o suporte necessário, sabendo quem foi o motorista parceiro e o usuário, seus históricos e qual o trajeto que foi feito, sempre respeitando a legislação aplicável - em especial o Marco Civil da Internet (Lei N° 12.965/14)”.
Já a 99 diz que realiza a análise do perfil dos motoristas, verificando o histórico público dos mesmos, a partir do CNH e licenciamento do veículo e parceria com o Governo Federal, via Denatran que permite acessar essas informações. Além disso, afirma que consegue identificar corridas de risco.
“A 99 possui inteligência artificial que monitora o perfil de todas as corridas em tempo real. O algoritmo verifica padrões de incidentes de segurança, bloqueando chamadas perigosas antes que elas aconteçam ou solicitando validações adicionais de identidade, caso necessário.
Além disso, os usuários estão protegidos em suas corridas realizadas pela 99. Desde o aceite até a finalização das corridas, passageiros e motoristas são cobertos por um seguro pessoal de até R$ 100 mil.
A 99 realiza ainda rodadas de treinamento para motoristas, em que apresenta um curso especial com dicas práticas de proteção e orientações de combate ao assédio, desrespeito e discriminação. Por exemplo, é recomendado aos condutores que se lembrem que seu carro é o seu negócio, onde é necessário manter o decoro e evitar assuntos pessoais ou polêmicos, especialmente com mulheres”, finaliza a empresa.
Os cuidados também podem partir dos próprios passageiros, sendo mulheres ou não. Não entre no carro antes de conferir, placa, cor, modelo e a foto do motorista e faça apenas viagens combinadas pelo aplicativo, nada de aceitar corridas “no tiro”. Além disso, procure compartilhar sua viagem com alguém por alguma rede social.
“Hoje, tomo maiores cuidados, como perguntar qual nome da passageira ao entrar no carro, printar a placa e enviar para diversas pessoas ou mesmo compartilhar meu trajeto. Estamos muito expostas a esse tipo de assédio e violência”, finaliza Raquel.
Caso você tenha sofrido algum assédio, denuncie não apenas no aplicativo. Disque 180.
Quantos já foram descredenciados?
A pergunta se torna importante se os relatos divulgados nas redes sociais forem levados em consideração e a posição que os aplicativos dizem tomar. Entretanto, até o final desta matéria apenas a 99 se posicionou, afirmando que não divulga a informação por questões estratégicas. A Uber, não se manifestou.