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Senado X STF: Do fracasso da política à politização dos tribunais

Política & Sociedade, Por Rudolph Hasan, Cientista Social (UERJ) e Mestre em Sociologia (UFF)

Em 24/11/2023 às 19:51:45

A briga entre o Parlamento e a Suprema Corte tomou as manchetes e parece que não arrefecerá tão cedo. O resgate da PEC 08/2021 e sua aprovação no Senado reacendeu o debate sobre os limites constitucionais que deveriam nortear a República e promover o equilíbrio entre os três poderes. Mais uma vez, o bode foi colocado na sala e parece que de lá não sairá tão cedo.

As atribuições dos poderes, à luz da Constituição, seriam genericamente simples, não fosse um sucessivo show de equívocos que se arrasta desde a confecção da própria Constituição Federal de 1988. O natural trauma da Ditadura Militar, iniciada em 1964, fez com que os constituintes elaborassem uma Carta Magna que objetivava a maximização da autonomia dos poderes da República, repleta de mecanismos desenhados para a prevenção de qualquer movimento arbitrário advindo de um dos poderes, principalmente do Executivo. Em um cenário ideal, uma Carta Magna esplêndida e admirável, conhecida como “Constituição Cidadã”. Mas, na prática, observamos que o excessivo regramento e excesso de regulamentações deu origem a corporações muito fortes, pesadas e, principalmente, conservadoras, avessas a qualquer movimento de mudança e sedentas por poder.

Se não bastasse o histórico corporativismo brasileiro, a CF-88 ajudou a consolidar as bases para a reestruturação de verdadeiras castas de poder na estrutura do Estado. Com cada vez mais poder acumulado, Judiciário, Legislativo, Ministério Público e, em menor medida, o Executivo, passaram a concorrer no pleno uso de suas prerrogativas, gerando então inevitáveis atritos que culminam hoje em uma crise que pode não acabar bem.

A PEC 08/2021, motivo de tanta polêmica, visa basicamente limitar as decisões monocráticas e os pedidos de vista no Supremo Tribunal Federal. Em matérias recentes para páginas de notícias, juristas e até ex-integrantes da corte tem se posicionado sobre o tema. Para o ex-presidente e ministro aposentado do STF, Celso de Mello, a PEC representa infração à divisão e autonomia dos poderes previstos na Constituição, uma vez que implica em alteração de ritos inerentes ao regimento interno do Supremo Tribunal, instrumento esse, segundo o ex-ministro, de exclusiva competência da Suprema Corte, à luz interpretativa da autonomia conferida pela Constituição aos tribunais em legislar sobre seus métodos internos e funcionamentos. Já para José Roberto Batochio, ex-presidente da OAB e ex-deputado federal, o Congresso Nacional possui as prerrogativas para modificar normas, procedimentos e dispor sobre as competências do STF, invocando para tanto a soberania do povo expressa no voto e representada através do parlamento.

As opiniões sobre a legalidade ou não do ato do Senado irão se arrastar, principalmente pelo fato do nosso direito permitir a seus operadores múltiplas interpretações das letras da lei. Contudo, parecem graves os sinais dados pelos membros da Suprema Corte ao Projeto de Emenda à Constituição. Gilmar Mendes, Barroso e Alexandre de Moraes foram duros em discursos contra o parlamento e, de forma equivocadíssima, evocaram o trabalho desempenhado na época da pandemia e também no respaldo à democracia em momentos obscuros recentes, como a narrativa que objetiva justificar a manutenção de poderes cada vez mais substanciais à Corte. É sempre bom lembrar que, tanto na pandemia quanto na defesa da democracia, o STF cumpriu o seu dever Constitucional, dever esse para o qual são os membros da Corte muito bem pagos e gozam de diversas regalias custeadas pela sociedade brasileira, diga-se. Nesse sentido, é importante deixar claro que as opiniões dos Ministros do Supremo não devem se converter em ameaças à própria Democracia a qual juraram defender. Se o Senado tem competência ou não para instruir sobre procedimentos que podem ser entendidos como internos da Corte, isso deve ser debatido, contudo. Apesar do nível de nossos representantes legislativos e todas as manchas que o Congresso carrega, não é admissível - sob qualquer hipótese - que membros do Supremo façam chantagem frente ao soberano poder popular expresso pelo voto.

Expressa aqui a preocupação quanto à perigosa postura de integrantes da Suprema Corte, cabe então analisarmos a postura do Congresso Nacional. Não é de agora que observamos o aprofundamento da judicialização da política. O parlamento brasileiro, representado por todos os partidos políticos sem qualquer exceção, tem perdido fragorosamente a sua capacidade de fazer aquilo para o qual essencialmente existe: Política. A baixíssima qualidade de nossos representantes, somada a um conjunto de práticas espúrias, resultou na debilidade moral do Poder Legislativo. Sem autoridade e com todas as suas expressões manchadas por corrupção, radicalismos, fantasias e toda sorte de bizarrices, a representação política no Brasil se tornou uma caricatura. O descrédito deu espaço a fragilidades múltiplas e essas, por força da incapacidade na promoção de debates saudáveis e da construção de acordos tipicamente inerentes ao processo político, transbordou na judicialização e no inevitável empoderamento do agora criticado Poder Judiciário. A inexistência de um sentimento pátrio entre nossos representantes e a supervalorização de interesses mesquinhos, individualistas e pouco republicanos, destruíram a capacidade típica da política em construir consensos, abrindo espaço para a perigosa terceirização ao judiciário de tudo aquilo que deveria ser prerrogativa típica da política.

Dito tudo isso, precisamos entender, nesse momento, que a PEC em questão e seu teor não são necessariamente o pilar do problema. O que está em questão, em verdade, é o superempoderamento da Suprema Corte brasileira, que dá sinais cada vez mais claros de ter se adaptado muito bem ao papel de centralidade na política nacional a ela conferido pela própria classe política, em função justamente de todas as debilidades que a essa última já conferimos em lista acima. Nesse sentido, se desejamos a restituição do equilíbrio entre os poderes, precisaremos de muito mais do que bravatas e provocação. O Brasil, de forma muito sincera, precisa repensar a representação, a qualidade do parlamento e o formato de uso que confere ao voto. Reconstruir a moral das casas legislativas é condição primeira para a recondução do pleno alinhamento dos poderes dentre suas respectivas paredes institucionais.

Passados quase 40 anos do fim da Ditadura Militar e 35 anos da promulgação da Constituição de 88, temos claramente um cenário político, econômico e social que nos propõe novos problemas e desafios aos quais precisaremos responder. Nesse sentido, para que possamos recolocar a bola no chão, será preciso enfrentar medos e traumas, reconduzindo cada um ao seu quadrado e preparando o Brasil para um futuro que considere a harmonia entre os poderes um valor indispensável ao sólido e verdadeiro desenvolvimento nacional.

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