Estamos de volta ao mundo distópico que conhecemos bem, só que agora vamos para Panem mais de 50 anos de Katniss se voluntariar como tributo na Colheita para ir no lugar da sua irmã. E tudo para ouvir a história do vilão.
O sucesso da franquia "Jogos Vorazes" é um fenômeno que sempre acompanhei de perto, especialmente por já ser leitora antes mesmo da confirmação que haveria adaptação para o cinema. Depois de quatro filmes de sucesso, o público conheceu sobre esse universo muito bem criado por Suzanne Collins, com destaque para a complexidade dos personagens, a política e a sociedade nessa distopia.
Entre os destaques está o Presidente Snow, o grande vilão tirano e perverso, interpretado brilhantemente por Donald Sutherland, com um tom de voz que dá um arrepio na espinha. E foi muito corajoso da parte da autora voltar a esse mundo em 2020 com o lançamento da história desse personagem. Agora, “A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes” saiu das páginas, ganhou a tela de cinema e vale seu ingresso, não só por apresentar a origem de elementos que já conhecemos, mas por usar bem de uma narrativa dividida em três partes para nos apresentar um personagem odiado, só que bem interessante.
Um grande mérito do filme é estar nas mãos, mais uma vez, de Francis Lawrence (assumiu o “Em Chamas”, meu favorito ????????, e os demais). O diretor conseguiu ter domínio e construir muito bem todo esse universo, dando corpo, mais uma vez, ao discurso ideológico, sociedade de espetáculo e violência. Lembrando que quando o assunto é "Jogos Vorazes", violência não é sinônimo de sangue, mas traz a violência do poder, da ganância, da guerra e dos esquemas psicológicos.
A gente já conhece quem Coriolanus Snow vai se tornar, só que o filme consegue nos colocar em uma relação tensa durante toda a história de, muitas vezes, esquecermos o tirano e enxergarmos só o garoto de 18 anos. Mas ele mesmo nos lembra quem realmente é, quando sua perversão e ganância pelo poder se sobrepõe a tudo e todos. O arco dramático de Snow é muito bem construído no roteiro, desde a ambientação da infância na guerra, as consequências do fim do Distrito 13 para sua família (adeus toda riqueza) e a manutenção de aparências. Acima de tudo, acompanhamos como ele se tornou essencial para a criação do espetáculo memorável e sucesso dos Jogos Vorazes a partir da 10ª edição (ou seja, 10 anos apenas do fim da guerra) e entendemos o que há por trás da sua raiva, que são memórias dessa época (como o tordo, o nome Katniss e o Distrito 12).
Tom Blyth merece todos os holofotes. O ator está incrível em todo o filme. E Rachel Zegler também, não vamos mais esquecer quem é Lucy Gray. Claro, o elenco é de peso, já que temos nomes como Viola Davis e Peter Dinklage, só que seus personagens, tão interessantes e intrigantes, não conseguem tempo suficiente para desenvolvimento. Confesso que fiquei pensando se, de repente, expandido e dividido em dois filmes, a narrativa não ficaria mais impecável. Até porque não tem como não ficar curiosa como que o idealizador dos "Jogos", na verdade, não queria que nada disso acontecesse.
É filme de origem e é essa construção de um tirano que nos prende na cadeira do início ao fim, com cenas que, inclusive, afirmam muito bem o lado violento de Snow. Pensando nisso, preste bem atenção na cena dele na floresta. Após gritar “depois de tudo que eu fiz por você”, a escolha do diretor ao fazer um contra plongée e nos relembrar do que Snow é capaz. Com ajuda da trilha sonora e um design de produção impecável (MCU, assistiram isso aqui?), o filme se desenvolve por conta da escolha entre o amor e o poder. E mesmo já qualquer um sabendo a escolha de Snow, a nossa curiosidade é maior para saber o que realmente está por trás dela. Então, a hora de assistir chegou.