Resiliência e cumplicidade. Talvez, se não fosse por essas duas forças, o desenrolar da estória seria muito diferente. Em 13 de outubro de 1972, o vôo 571 caiu em uma das áreas mais inóspitas do mundo. O erro de pilotagem, onde confundiram o local da pista de pouso do aeroporto de Santiago, somado às condições climáticas e território da Cordilheira dos Andes, resultaram em uma tragédia que marcou a história. Ou milagre? E é assim que “A Sociedade da Neve” começa.
Representante da Espanha no Oscar 2024, o filme de J.A. Bayona vem falar sobre superação e o faz com muito respeito a todos os sobreviventes. Entre a fome, o frio extremo e desespero, os sobreviventes conseguiram se unir e ser solidários. Como está no livro de mesmo nome, de Pablo Vierci, que foi inspiração para a produção, o grupo nunca brigou ao longo dos 72 dias perdidos. O grande diferencial deste longa começa por aí, por escolher a emoção, por olhar para esses sobreviventes e chegar a um filme-tributo. O diretor teve o primeiro contato com o livro enquanto estava fazendo “O Impossível” (é seu filme mais famoso, mas, por favor, assistam “Sete Minutos Depois da Meia-Noite” e “O Orfanato”) e viu ali uma forma de abrir espaço para discutir e falar do trauma. O estudo do diretor, através de mais de 100 horas de entrevistas com os sobreviventes, junto ao laboratório para os atores, que conviveram com o grupo e as famílias dos que já se foram, foi um compilado de acertos que se mostra nesse resultado de filme que prende e emociona a todos.
O respeito não está só no roteiro, que faz uma ótima escolha ao colocar o personagem de Numa Turcatti como narrador - pois nos aproxima dessa jornada -, mas também na criação imagética, com todos os merecidos aplausos ao diretor de fotografia Pedro Luque. A imensidão da brancura já nos deixa em vertigem e amedrontados pelo tamanho; o som da respiração do grupo equilibrado aos momentos de silêncio e também com espaço para uma trilha sonora melodramática; a aspereza da fotografia que nos faz observar cada tecido ou parte dos rostos desgastados; a iluminação dos olhares que não perdem a força de viver; e a mudança das cores que vão se esvaecendo com o tempo em que estamos com eles perdidos. Em suma, é uma direção diferenciada por organizar todos os departamentos para nos tocarem em cada detalhe. Mesmo também sendo sobre um desastre, o trabalho de Bayona é diferente de “O Impossível” pela maior proximidade e calma. Até porque é o respeito e entendimento de que muitas das respostas ficaram naquela montanha. E, claro, uma das maiores demonstrações de tributo é mencionar cada um dos que perderam a vida ali.
É sobre superar as maiores incertezas de sobrevivência para alcançar o milagre. Entre os dilemas morais, dúvidas, medos e perdas, eles sempre ficaram juntos acima de tudo. Esta jornada, realmente, só poderia ser ultrapassada graças à união. O filme começa com toda a força dessa juventude, com cada um vivendo sua vida, e somos dilacerados ao acompanhar os dias na Cordilheira. Mas, no fim, termina em esperança. Como uma criança que ficou bem marcada pela forma que “Vivos” (1993) resolveu contar essa história, agora pude me relacionar e enxergar os sobreviventes. Esta semana, “A Sociedade da Neve” atingiu a marca de 10º filme de língua não inglesa mais assistido da Netflix e que siga sendo assistido e reassistido.