A gente nunca sabe quando é a última vez. Não temos um aviso, um letreiro piscando na frente, nem alguém cochichando ao pé do ouvido: “Aproveita, é a última”. A vida, nesse sentido, é um tanto quanto má com a gente. Deixa a última vez passar disfarçada de rotina.
Você lembra qual foi a última vez que segurou a mão do seu avô? Talvez tenha sido para ajudá-lo a atravessar a rua ou — quem sabe — passar o adoçante na hora do café da manhã. Nem passou pela sua cabeça que seria a última vez. Se você soubesse, teria segurado por mais tempo, prestado mais atenção na textura da pele dele e nos vincos que o tempo desenhou.
Lembra a última vez que você sentiu o cheiro do bolo da sua avó assando? O último abraço apertado, a última vez que conversou com um amigo até a madrugada sem saber que, em algum lugar do futuro, essa seria a madrugada compartilhada pela última vez.
Até as coisas mais banais: você lembra a última vez que vestiu aquela roupa que um dia foi a sua favorita? Está no fundo do armário agora, com cheiro de guardado. Você a adorava, mas um dia, sem motivo, parou de usá-la. Agora ela só te serve como uma lembrança. Ou a última vez que tomou um capuccino em sua cafeteria favorita, e agora ela fechou, assim, de uma hora para outra.
A última vez que fez algo pela primeira vez? Já parou para pensar nisso? Não tem última vez sem primeira, mas a gente tende a ignorar ambos, como se a vida fosse um rio infinito, e não um poço com borda. A vida é um poço.
A vida maltrata na simplicidade dos dias comuns. Na irrelevância dos atos cotidianos. Na normalidade e na falsa segurança que tudo de bom é para sempre. Não sabemos que estamos vivendo a última vez, e isso é uma dádiva e uma maldição. Se não sabemos, então nos resta vivermos sem medo, sem pressa de dizer tudo, de fazer tudo, de aproveitar cada segundo com um peso de "última chance". E, por isso mesmo, acabamos vivendo com uma leveza que nem sempre valorizamos.
A sacada é essa: viver sem saber, sem marcar os momentos, sem catalogar as lembranças. Não saber, mas viver com a intensidade de quem nunca será o mesmo. Porque, talvez, seja justamente essa falta de consciência que faz com que cada momento, mesmo o mais comum, seja irrepetível e, em sua singela brevidade, único.
Um dia, talvez, você descubra que não sabia que estava vivendo pela última vez. E talvez, então, se lembre com carinho daquele abraço, daquela conversa, daquele olhar perdido. Porque, no íntimo, todos esses detalhes – que pareciam tão insignificantes – são o que realmente ficam. Mesmo quando a gente não sabe que está sendo o último.
Até o próximo texto!
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