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"Cerca Viva": quando artistas flutuam no palco

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 19/01/2023 às 11:03:49

Raramente se espera muito de um espetáculo apresentado nos primeiros dias da semana, mas esse não é o caso de Cerca Viva, em temporada no Teatro Sesi Firjan, no Centro do Rio de Janeiro. Embora sem patrocínio, o espetáculo é uma graça, um verdadeiro primor, uma sensação que a obra foi desenhada sob uma escrivaninha de madeira nobre, talhada cuidadosamente. Podemos traduzi-la através da palavra "frescor", sem contar que a obra nos inunda de leveza também.

São quatro artistas em cena, e todos são cuidadosos, delicados, parecem flutuar diante dos nossos olhos.

Os artistas estão no mesmo nível, eles atuam cordialmente, cooperam um com o outro no palco, dando potência ao trabalho em equipe. Lindo!

Angela Ribeiro, atua como a vizinha da protagonista, considerando que o espetáculo não parece ter conflito entre personagens, tamanha a beleza que eles atuam. A atriz atua com perfeição, um tom de voz gostoso de ser ouvido. Ela nos faz rir um bocado, suas expressões faciais são sensacionais. Olhares que traduzem o texto. Divinal! Angela está demais nesse papel, é preciso enfatizar quantas vezes eu lembrar dos trejeitos dessa personagem.

Sávio Moll é o colega de trabalho do marido da protagonista. Ele casou-se com a vizinha de Lucia (protagonista), e juntos fazem um casal interessante no palco, risíveis e algumas vezes odiáveis. Perfeitos!

Camila Nhary é a atriz protagonista, uma graça, ela fica bem ao lado de todos os artistas, atua com firmeza, mas - como uma pluma - assume sua personagem. Complexo, mas somente assistindo para entender como uma personagem da década de cinquenta assume o palco dessa forma tão contraditória.

Gabriel Albuquerque é o marido da protagonista. Ele é machista, egoísta, vaidoso e antiquado. Ao lado do seu amigo de trabalho, esse interpretado por Savio Moll, arranca algumas gargalhadas da plateia e chancela, ainda mais, um pouco o que descrevi do personagem.

O figurinista é o querido Bruno Perlatto. Esse vem de grandes produções, tem um currículo invejável, bom gosto em exatamente tudo que faz. Dessa vez, Bruno foi exato, o olhar sem pecados, ciente da falta de recursos financeiros, atuou com graça e simplicidade, mas com a verdade do tempo. O icônico óculos gatinho dos anos 50 ficou perfeito, a saia godê e penteados vintages ficaram ótimos.

Já o cenário foi defendido com a mesma simplicidade. Os objetos de cena chamam a atenção. Um rádio antigo, no tom verde piscina, nos remete à época utilizada pelo dramaturgo.Tudo é modificado conforme as cenas. Quando falamos em cenografia, os próprios artistas fazem esse movimento, mas o interessante é que fazem com sutileza, sem ruídos. Tudo tão bem dirigido, que há uma sensação que andavam nas pontas dos pés para não incomodarem a plateia.

O diretor não pecou, usou de sua sapiência e peculiaridade. O espetáculo combina com o diretor, certamente ele estava em casa. César Augusto é um ator reconhecido por sua imensa arte. "A gente vai enfrentando as questões pertinentes ao trabalho, explorando as possibilidades para chegar aonde quer e, por vezes, se surpreendendo ao ver que foi bem-sucedido com prêmios. Isso faz parte, mas não é o objetivo", são palavras do artista a um trabalho executado, o premiadíssimo "Conselho de Classe". Parece que César não mudou a percepção e continua executando excelentes trabalhos, independente de quem estará na plateia. Ressaltando que Cerca Viva, por exemplo, chama a atenção de qualquer jurado.

Os artistas narram as cenas uns dos outros. Isso dá vida a obra, algo que pouco se vê no teatro. Essa linguagem, quando bem montada, consegue nos envolver facilmente.

A dramaturgia foi criada por Rafael Souza-Ribeiro. O texto é inteligente, risível, com um tema pungente e necessário. Falar sobre a mulher da década de cinquenta, atualmente, parece demodé, diante das mudanças. Mas não, tudo ainda está em passo lento. Para cada espaço alcançado, nós mulheres sabemos a luta que atravessamos, as barreiras que foram postas muitas vezes propositalmente. Embora o texto conte a história de uma protagonista desconhecida, ficcional, sabemos que no passado, de alguma forma, existiram mulheres como Lúcia. Exatamente por isso, estou aqui escrevendo, expondo meu ponto de vista para os leitores do Portal Eu, Rio! em 2023. De alguma forma, o espetáculo nos estimula a continuar batalhando, ocupando espaços, sejam esses quais forem.

O texto pode abrir debates sobre aborto, divórcio, independência financeira da mulher, entre outros pontos de vista, que ainda permeiam no seio da sociedade.

"As mulheres foram à luta pelos seus direitos civis nos anos 50. Por meio delas, conquistaram alguns direitos, como o Estatuto da Mulher Casada, em 1962, no qual a mulher casada passou a ter plena capacidade aos 21 anos, sendo considerada colaboradora do marido nos encargos da família."

Cerca Viva é um espetáculo simples, mas inteligente, muito sedutor, por ter uma estética visual que surpreende por detalhes e façanhas gostosas dos artistas em palco.

A escolha das músicas do espetáculos são excelentes: todas remetem à época que o texto acontece.

A obra merece ser assistida e aplaudida. Cerca Viva abre o ano ao lado de outros espetáculos belíssimos e parece que teremos um ano promissor, para nossa sorte.

Viva o teatro!

Sinopse

O melhor teatro é aquele que nos leva a lugares sedutores, aonde não notamos o tempo passar, aonde ficamos surpreendidos com os artistas no palco, nos tornando fãs naquele exato momento da atuação deles, após meses de ensaios desgastantes e quando o texto desperta nossa curiosidade e admiração, ou roubam um sorriso do canto da boca, ou dos olhos. Esse é o caso de Cerca Viva!

Em cena, Camila é Lúcia, uma mulher moderna, cosmopolita e de classe média, que vive com um marido amoroso, Luiz, em uma casa confortável. Ela teme repetir os passos da mãe, mas se vê sufocada e com sua identidade desintegrada com a cobrança de exercer um papel que nunca sonhou: o de esposa devotada e dona de casa. Em meio à efervescência política da Era Vargas, a pressão sobe ainda mais com a interferência do casal vizinhos, separados apenas por uma pujante cerca viva, que dá nome ao espetáculo.

FICHA TÉCNICA

Elenco: Angela Rebello, Camila Nhary, Gabriel Albuquerque e Sávio Moll.

Texto: Rafael Souza-Ribeiro.

Direção: Cesar Augusto.

Cenário: Elsa Romero e Luiz Henrique Sá. Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni. Figurino: Bruno Perlatto.

Visagismo: Márcio Mello.

Direção Musical: Marcello H.

Assistente de Direção: João Gofman.

Identidade Visual: Bruno Dante.

Assistente de Cenografia: Mariana Marton. Técnico/operador de luz: Pedro Carneiro. Fotografia: Luiz Henrique Sá.

Operador de Som: Rômulo Chindelar.

Assistente de Figurino: Evelyn Cirne.

Técnico de Som: Bryan Cortez.

Técnico de Luz: Paulo Ignácio.

Assistente de Produção: Matheus Henrique.

Intérprete de Libra: Claudia Chelque.

Cenotécnica: Fátima de Souza.

Serralheiro: Cabeção.

Produção Executiva: Bárbara Montes Claros. Direção de Produção: Damiana Inês.

Idealização: Camila Nhary.

SERVIÇO

PEÇA “CERCA VIVA”

Local: Teatro Firjan Sesi Centro – Rio de Janeiro Av. Graça Aranha, 1, Centro. Tel.: (21) 2563-4455

Datas e horário: 9 de janeiro a 14 de fevereiro (segunda e terça), às 19h

Classificação: 12 anos

Duração: 60 min

Gênero: Drama tropical

Valor: R$30,00 (inteira) e R$15,00 (meia)

Link para compra de ingressos: https://bileto.sympla.com.br/event/79150

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