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"Yuki-Onna, a Mulher de Neve": como viajar com bonecos sem sair do lugar

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 25/04/2023 às 21:46:24

O teatro nos permite viajar sem sair do lugar, isso também é uma dádiva, pois nem sempre temos condições de irmos tão longe…

Contam que Yuki-onna aparece para os viajantes presos em tempestades de neve. Ela usa seu hálito gelado para deixá-los como cadáveres revestidos em gelo. Seu ato mais comum, no entanto, é simplesmente levar os viajantes a se perderem para morrer congelados e depois terem sua alma devorada por ela.

Existem várias lendas sobre Yuki-onna que a descreve como um ser totalmente cruel. Nestas histórias, muitas vezes ela invade casas, soprando na porta com uma rajada de vento e matando seus moradores enquanto dormem, embora algumas lendas afirmem que ela precisa ser convidada para poder entrar em uma casa. Contudo, as descrições e a personalidade de Yuki-onna variam de região para região.

Apesar de suas histórias serem contadas desde os tempos antigos, a bela criatura se popularizou em 1904, no livro Kwaidan.

E foi esse o tema que o coletivo Depois do Ensaio enviou para o edital Sesc Pulsar. Esse coletivo é bastante ousado. Embora não tenhamos uma tradição de teatro de bonecos tão forte, parece que eles querem seguir atuando nessa área. Posso dizer que eles estão no caminho certo, sabem o que fazer. Ao menos nos dois espetáculos que assisti, vi beleza suficiente para dizer que temos um novo grupo de artistas determinados a darem vidas aos bonecos nos palcos teatrais.

A história do Teatro de Bonecos é tão ancestral quanto a do próprio teatro tradicional. Nasceu há muito tempo, no Oriente, principalmente na China, na Índia, em Java e na Indonésia. Esta arte desembarcou na Europa através dos negociantes, logo se difundindo por todo o continente. Entre os gregos, eles eram portadores de tamanha ousadia, que muitas vezes eram usados como ferramentas para ironizar o Cristianismo. No universo ocidental, ao contrário do Oriente, vê-se a razão humana tentando dialogar com o sagrado de forma rudimentar. Na Era Medieval, esta arte foi alvo de intolerância religiosa, pois foi utilizada, nesta época, como um meio de evangelizar as pessoas. Ela era normalmente exibida durante as feiras livres nos burgos.

Em terras americanas, o Teatro de Bonecos chegou pelas mãos dos colonizadores, em meados do século XVI, na era das grandes descobertas. Desta forma, este movimento cultural aportou no Brasil, mais uma vez como instrumento de doutrinação religiosa. Ele se consolidou no Nordeste, fixando-se especialmente em Pernambuco, sendo batizado na Paraíba como "Babau". Através desta arte, os artistas podiam transmitir ao público sua mensagem impregnada de temáticas sociais.

A graça do boneco encanta e seduz, principalmente o público infantil. Em cada recanto do planeta, por conta da diversidade cultural, ele recebe um nome distinto. No Brasil, é mamulengo.

Eu já escrevi sobre eles. O espetáculo era "Seu Miguel", dirigido por Marcio Nascimento, o grande nome do teatro de animação.

Quando os assisti na Casa de Cultura Laura Alvim fiquei apaixonada pelo manuseio de bonecos, com a concepção colorida deles e a forma delicada de fazer esse estilo de espetáculo teatral. Mais que isso, de saber conduzir um espetáculo infantil com doçura, pois é exatamente isso que nossas crianças precisam. O mundo anda muito amargo!

E agora a cia voltou, para nossa alegria.

Com os temas tão repetitivos nos palcos cariocas, me surpreendi com um teatro diferente, com um tema que apresenta a cultura oriental, essa que merece também nossa atenção, pois eles são milenares. Claro que a oportunidade de aprender me leva às nuvens. Vou até ao Japão sem sair do lugar e isso não tem preço!

Uma fábula japonesa no palco do Sesc Tijuca! Os artistas dizem que é um experimento, mas diante de tantos espetáculos assistidos, posso dizer ou mesmo afirmar que está pronto!

Mas eles dizem que não. Enfim, a obra é deles, respeitaremos! Mas cá entre nós, estando pronto ou não, assistam!

A busca do artista perfeccionista nos dá a garantia de excelentes espetáculos.

Eu confesso que, ao chegar em casa, fui procurar algo sobre a lenda na internet. Foi exatamente aquilo que assisti. O vídeo que encontrei era de animes, o que não gosto muito, e confesso que dessa vez o Japão ficou em segundo lugar. Não poderia ser diferente, nosso povo (uma parte dele) tem poesia. Diante disso, a lenda ficou mais rica, atrativa, menos maléfica, embora a história seja a mesma.

Os artistas no palco dão um show em manipulação de bonecos, fazem de forma tão rica que nos levam ao mergulho desse conto. São minuciosos, tratam seus bonecos com cordialidade e uma delicadeza única. Há beleza em tudo!

Ao começar o espetáculo, eles entram no palco com uma iluminação branca junto à fumaça. Uma bela plástica assinada por Jon Thomaz.

Com o apoio de um ventilador e pequenos pedaços de papel branco, podemos ver a neve. Tudo bem feito, que inclusive traz um efeito inusitado. Técnicas acolhidas com perfeição, que mexem com o nosso imaginário. Tudo provocante!

Sem muitas cores, mas o suficiente para nos levar ao espaço da concepção. Uirá Martins assina a cenografia.

A criação merece reconhecimento pelos bonecos que foram construídos. São fantásticos e causam efeito. Nós na plateia ficamos impressionados com o que assistimos. Quem criou as personagens (bonecos) foi o imenso Alexandre Guimarães. Sou fã dele, muito fã mesmo! Foi esse artista que fez a arara do espetáculo "O Devorador de Livros", d'O Tablado, que foi para o Sesc Tijuca, um dos melhores bonecos que vi na vida. A arara, desta vez, esteve na mão de Gabriella Rupeti, outra imensa atriz que admiro.

Esse pessoal desalinha minhas emoções, porque são realmente bons!

A sonoplastia de Isadora Medella está perfeita. Ela foi ao Japão só para isso? Porque há lealdade no som, na escala musical acolhida por ela.

Gilson Motta e Gaia Patricia são os figurinistas, que também não pecaram!

Carolina Garcia assumiu a direção. Um nome fortíssimo no estilo, ela é premiada e reconhecida, com devoção aos seus bonecos, melhor dizendo, à sua arte. Com uma carreira consolidada, atravessa sua trajetória com majestade. A Cia não pecou em tê-la à frente de sua montagem. Bingo!

Quem já assistiu ao trabalho dela pode notar um pouco de suas características.

"Yuki-Onna, a Mulher de Neve" é uma pesquisa que se iniciou como uma performance que percorreu ruas, metrôs, circos, municípios e estados, se configurando posteriormente em uma cena, que rodou em vários festivais e palcos.

Agora, Yuki-Onna se concretiza como espetáculo em processo, com muitas mãos parceiras em sua construção, tendo sido contemplada no edital SESC Pulsar, vindo ao palco do SESC Tijuca.

Yuki-Onna tem origem em uma lenda japonesa homônima e o grupo agora traz uma leitura ocidental da mesma.

O trabalho apresenta uma narrativa visual, na linguagem das formas animadas, com bonecos e fortíssima influência no Kabuki.

Tudo que se vê é apreciativo, não se ouve as vozes do artista no palco, mas também não precisa: pode-se entender toda a dramaturgia muda.

Ainda que eu descrevesse a peça, os bonecos, o suor que cada artista goteja ao dar movimento a eles, ainda não seria possível me fazer entender, entender o belo! Oriento a todos que assistam, que aprendam, que se encham de cultura, essa que nos atende e nos faz flutuar, mesmo diante das agruras da vida.

FICHA TÉCNICA

Direção: Carolina Garcia

Elenco Manipulador: A. Muniz, Fabrício Neri e Thales Sauvo

Pesquisador de Kabuki: Leo Thim

Preparação Corporal e Assistente de Direção: Rodrigo Sàngódáre

Cenografia: Uirá Martins

Assistente de Cenografia: Altair Oliveira

Criação e confecção de bonecos: Alexandre Guimarães

Assistente de confecção de bonecos: Bruno Palmieri

Modelagem de figurinos de bonecos: Rodrigo Barreto

Figurino: Gilson Motta e Gaia Patricia

Costureira: Edvalda Moura e KÁtia Barbosa

Trilha Sonora: Isadora Medella

Operador de Som: Rodrigo Pinho

Iluminador: Jon Thomaz

Operador de Luz: Rafael Cobo

Produção: Tammy Caroline e Wellington de Oliveira

Idealização: Grupo Depois do Ensaio

SERVIÇO

Até 30 de Abril

Quinta a Sábado às 19h

Domingo às 18h

Sesc Tijuca - Teatro II

Rua Barão de Mesquita, 539, Mesquita

Classificação: 12 anos

45 minutos de duração

Telefone: 21 98222-0790











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