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"Macacos": porque há ainda muito o que fazer pelos negros

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 30/04/2023 às 10:35:28

Na semana em que a jornalista negra Samantha Vitena foi retirada de um avião sem um motivo que justificasse o ocorrido, assisto ao espetáculo "Macacos", me fazendo entender perfeitamente esse e muitos outros casos.

Clay Nascimento levou Prêmio Shell de melhor ator para casa este ano. No entanto, após assistir ao espetáculo, notei que a estatueta está muito além: é o reconhecimento de uma vida cheia de percalços, que comumente ou intencionalmente fazem com que pessoas como Clayton, ou da cor dele, desistam antes mesmo de chegar no meio do caminho, porque é tudo árduo demais.

O artista me deu a sensação de força em suas expressões faciais e corporais. Sem uma microfone de lapela, fala durante duas horas com uma narrativa visceral. Mas o poder da educação o coloca em outro patamar. Falo do poder!

O poder que, em nosso dicionário, é definido da seguinte maneira: capacidade de deliberar arbitrariamente, agir, mandar e, também, dependendo do contexto, a faculdade de exercer a autoridade, a soberania, o império. Poder tem também uma relação direta com capacidade de se realizar algo, aquilo que se "pode" ou que se tem o "poder" de realizar ou fazer.

Sem tirar uma vírgula.

Uma faculdade de saberes no palco do Teatro Ipanema, vinda do Piauí.

Escrever sobre esse espetáculo é preocupante. O artista faz teatro desde os seus oito anos, chegou à USP e à Escola de Arte Dramática. Acredito que qualquer crítico tenha esse receio pela grandeza da obra, da pesquisa feita, do teatrólogo em questão.

Com um texto profundo e educativo, o teatro acontece, contando com inúmeras personagens naquele mesmo corpo negro no palco, todos feitos com detalhes riquíssimos, que hora nos calam, hora nos fazem rir.

A peça não conta com grande produção, sem cenografia, sem figurino, sem sonoplastia minuciosa. Muito pelo contrário, tira tudo isso que você está acostumado a assistir no teatro, e o que sobra? Uma muralha!

Ele é abusado, tal como Estevão Silva, o precursor do modernismo no Brasil, filho de escravizados, e que antes mesmo da Lei Áurea, estudava na escola de Belas-Artes. Inclusive, se negou a receber a premiação do imperador ao não ficar em primeiro lugar. Clay é desse nível: nem mais, nem menos.

E muito mais que isso: como Estevão, um artista nato!

Os anos de pesquisa para a dramaturgia renderam a ele um texto repleto de informações que nos alcançam e nos levam a entender o caos que a sociedade negra viveu/vive. São duas horas de espetáculo, sem pausa. Oriento a não irem cansados, pois vale a pena beber da fonte que se chama Clay Nascimento!

Ele mergulha nos registros históricos de 1500 até 2023, sem deixar de explicar absolutamente nada. Uma verdadeira aula, um fio condutor de energia, de alta tensão, que queima, mas que nos deixa mais atentos aos fatos.

Com seu batom vermelho, desenha em seu corpo a história do negro no Brasil. Quem entende um pouquinho dela, sabe que ele não peca. Sabe que o vermelho conta uma história sangrenta…

A conexão dele com o público é vibrante! Ele quebra a quarta parede sem piedade e troca com a plateia deliciosamente. Ele faz dos espectadores alunos da sétima série F, "F" de fantástico! Só falando assim! E ficamos diante dele como crianças esperando sermos arguidos e acolhidos.

Não vou escrever muito dessa vez. Obviamente que este artista já teve diversos registros, sobre sua obra, dos melhores críticos da sua cidade. Falo de um artista premiado pelos melhores prêmios de teatro de São Paulo. Quero mesmo é falar com público!

Não é costumeiro encontrarmos uma concha com uma bela pérola dentro dela. Mas, dessa vez, temos a oportunidade de vê-la ao vivo. Só temos mais uma semana dessa joia no palco carioca!

Clay é nossa Beyoncè, nosso Abdias Nascimento, nosso Johnny Alf, nossa pantera-negra. Portanto, não deixe de ir para aprender com ele.

De um tempo para cá, o teatro tem sido um espaço invadido por corpos e vozes para discursar/defender ideias. Assim como de um tempo para cá, também descobri que Machado de Assis era negro, assim como Chiquinha Gonzaga, e o teatro tem auxiliado nessa função de desnudar a história contada com a ausência da ética.

Eu jamais imaginaria isso, e me pergunto: será que se eles não tivessem sido embranquecidos, teriam sido tão reconhecidos por seus dons? Não acredito! Porque o racismo faz isso, desconstrói, não reconhece aos negros e os seus saberes.

A história da nossa educação e da nossa segurança pública desde o império atuou para esse direcionamento cruel a eles. Para saber mais sobre isso, assistam "Macacos", para entenderem sobre a perspicácia da oligarquia branca em território brasileiro.

"Macacos" é mais um grito de uma mãe negra que perdeu seu filho no Complexo do Alemão aos seus nove anos, enquanto ele enquanto brincava com seu carrinho. Foi atingido por um fuzil. Seu cérebro ficou como decoração na sala da mãe, porque a polícia confundiu o carrinho do menino Eduardo com um revólver. E a justiça? Rasa e racista, arquivou o processo, enquanto Teresa, a mãe do menino, chora até hoje a perda do seu filho.

E será que estamos evoluindo?

Depende do seu conhecimento, do seu ponto de vista. No metaverso, por exemplo, o universo virtual que anda em passos rápidos, o racismo e o assédio já são pontuados, inacreditavelmente reais.

“Há, por exemplo, várias denúncias recentes de que algoritmos discriminatórios reduzem o alcance de publicações de negros, privilegiando o rosto de pessoas brancas em recortes automáticos de fotos — ou reconhecendo automaticamente uma pessoa negra como um gorila.” (UOL)

Aqui no Rio, os tapumes da Linha Vermelha devem ter tentado esconder nossa realidade, enfim…

É Clayton, você ainda te muito trabalho pela frente!

Enquanto isso, sigo cantando com Caetano…

"Alguma coisa

Está fora da ordem

Fora da nova ordem

mundial"

Sinopse

"Macacos" é uma montagem que conta somente com um ator e um batom, e trata sobre a urgência da vida negra no Brasil. O preconceito contra os povos pretos é abordado em cena a partir do relato de um homem-preto que busca respostas para o racismo que rodeia seu cotidiano e a história de sua comunidade.

Ficha Técnica

Ator, Diretor e Dramaturgo: Clayton Nascimento

Serviço

Apresentações sextas e sábados às 20h, domingo às 19h

28, 29 e 30 de abril;

5, 6 e 7 de maio.

Teatro Ipanema (192 lugares)

R. Prudente de Morais, 824 – Ipanema, Rio de Janeiro

Ingressos disponíveis no Sympla

Inteira: R$40 / Meia R$20





























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