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"A Exceção e a Regra": um teatro que não é para a elite carioca

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 08/05/2023 às 09:21:37

“A Companhia Ensaio Aberto propôs-se a retomar o teatro épico no Brasil na busca da superação do drama como forma cênica. Um teatro onde o solo do indivíduo desapareceu, onde o centro não está mais no indivíduo, mas no complexo das relações sociais”.

Essas são as palavras que estão no site da Armazém da Utopia. Essas palavras são suficientes para entender a grandeza desses fazedores de teatro. Para quem não sabe, essa companhia desarma qualquer investimento ou ideia de que os artistas não prestam favor a sociedade.

Para aqueles que não a conhecem, basta entrar no site https://www.armazemdautopia.com.br/ para entender o quanto eles atuam a nosso favor. São cursos e espetáculos gratuitos para todos e isso merece reconhecimento. Quando falamos em espetáculos, não mencionamos obras pequenas, rasas, mas aquelas com pesquisas profundas, sempre com mensagens do povo para o povo, um incentivo entre linhas, que norteiam o cidadão a espaços de maior compreensão de seus direitos e, principalmente, ética.

Não fazem teatro para a elite carioca, não mesmo! Quem frequenta o espaço sabe do que falo. Sempre quando estou lá, vejo uma parte da sociedade que não frequenta os demais teatros, acredito que seja uma questão de pertencimento. O que a Cia faz questão de deixar claro é que as relações sociais estão em voga para eles e essas independem de que lugar da pirâmide ocupada pelo espectador. É o teatro brasileiro educando e acolhendo a todos que precisam, sem distinção.

Marielle Franco, por exemplo, conheceu o trabalho "Missa dos Quilombos", uma montagem dessa cia, e entendeu a profundidade desses profissionais. Quem tem o mínimo de sensibilidade irá entender o tamanho dela, a potência e a responsabilidade que eles carregam sobre os seus ombros. Na ocasião em que fui ao local, a mãe da vereadora assassinada estava presente. Isso explica um pouco sobre Marielle, as questões que ela defendia, que parece as mesmas da Armazém.

"A Exceção e a Regra" é a nova montagem deles, que desnuda a injustiça, essa mesma que até os dias atuais nos abraça. Ao menos a nós, os desfavorecidos, os desabastados.

Fui assistir ao espetáculo duas vezes. Na segunda vez tive a honra de conhecer Lucas, que, aos vinte anos, estava apreensivo, pois nunca tinha entrado em um teatro. Ele é morador da Maré. Questiono aos leitores: como isso é possível em 2023?

Sabemos que temos espetáculos fomentados através das leis de incentivo que poderiam contribuir bastante com essa mudança tão necessária em nossa sociedade. Exitem peças que chegam a cobrar o valor de trezentos reais, o que não discordo. Afinal, são horas de ensaios exaustivos para que ela aconteça. No entanto, qual o retorno social, qual a transformação que essa montagem trouxe à sociedade? O que fizeram para os não favorecidos? Quantos depoimentos como os do Lucas tem em seus currículos?

Eu, por exemplo, não tenho como pagar esse valor para assistir uma montagem. Isso causa má impressão, pois esse aporte foi pago por mim, tenho essa consciência. Cabe uma análise profunda aos que estão diante da possibilidade de trazer essas mudanças.

Ao assistir à obra, escrita em 1929/1930 pelo dramaturgo alemão Bertolt Brecht, fica a sensação que pouco evoluímos, infelizmente.

A obra "A Exceção e a Regra" fala sobre um homem que assassinou seu empregado por seu "achismo". O caso é levado para o tribunal. Claro que esperamos que a justiça seja feita, é o que sempre esperamos…

E assim a montagem acontece. Em um deserto, o senhor leva o seu cule (empregado) a sofrer provações por sua ganância, não respeitando TODOS OS LIMITES.

Quando a injustiça chega aos palcos e são assistidas pelos injustiçados, estes já cansados, respondem dentro do ônibus que os conduzem para casa: vamos escrever outro final para esta peça! Ao menos nas artes cênicas eles têm o direito de sonhar com a justiça. Lamentável…

Isso vem de encontro a nós e impacta, porque como dizia Brecht: “pedimos expressamente a vocês, não considerem como natural aquilo que sempre acontece!”

Não se pode ouvir uma frase dessa de um adolescente e achar que está tudo legal, porque não está!

A obra é grandiosa, como tudo que fazem. A companhia acabou de levar o Prêmio Shell pela cenografia do seu penúltimo espetáculo, "Morte Vida Severiana", que foi um escândalo, uma estética sem arranhões e, mais uma vez, voltam com a mesma perspicácia.

Uma das coisas que me permito dizer é quanto o trabalho da Armazém chama nossa atenção, em todos os sentidos. Ao chegar no espetáculo não vejo o "mais do mesmo". Lá tudo é diferente. O público, por exemplo: são pessoas de todos os tipos, mais velhas, jovens, alternativos, imprimindo a democratização. Esse é um dos trabalhos constante deles: estão sempre em busca do seu público. Não lembro de ter enxergado aquele galpão vazio. Cansei de ver pessoas que pedem para ficar no chão, que ao final aplaudem de pé, ovacionando a montagem. E isso deve-se ao ingresso gratuito? Não! Deve-se a um trabalho do mais alto nível teatral.

Um teatro que seduz estudiosos e a todos os que buscam entendimento, qualidade, beleza, pois é exatamente isso que esses artistas trazem.

A cenografia de J.C Serroni é belíssima! São paletas enormes que sobem e descem com o apoio dos grandiosos artista e sacos de areia. Isso tudo nos leva ao Oriente, abraçados pelo iluminação de César de Ramires, que não peca. O âmbar é a cor que predomina, muito assertivo por conta do deserto e do sol escandante. E o azul na travessia do rio também caiu muitíssimo bem.

A direção musical é carregada de verdade, essa assinada por Felipe Radicetti, mas fica impossível não mencionar o percursionista que acompanha a obra.

Ele é fantástico, e mediante diversos sons, andamos naquele deserto junto ao antagonista, protagonista e coadjuvantes. Um grande salve a esse profissional da música, essa que parece sair de suas mãos e corpo, acompanhada por instrumentos da região.

Apresentando uma escala musical árabe, a voz de Rosana é posta e nos atropela. Ela, como sempre, nos emociona. Lindo, lindo, muito lindo!

Bruno Peixoto também chamou muito minha atenção. A voz do ator é potente e ele sabe disso, pois se encarrega de fazer uma teatro adequado ao papel que lhe foi entregue.

Não quero deixar de falar do artista Gilberto Miranda, nosso mascote! (risos)

O ator, ao lado do artista Leonardo Hinkel, faz o negociante. Gilberto é diferenciado. Por mais que o tempo voe, ele continua fazendo o seu teatro. Um teatro simpático, mesmo diante de um antagonista desumano!

O figurino é assinado pela dupla Beth Filipecki e Renaldo Machado, belíssimo. Tudo bem orquestrado. Um dos melhores que eu tenha visto nos últimos tempos. Merecido serem indicados a todas as premiações.

Carregam verdades por adornos do Marrocos, como bolsas, colares, sapatos, tudo contribui com beleza. Tudo trazido de lá, ao menos uma boa parte.

Fato que fizeram pesquisas profundas, porque até as cores são certas, as mais claras que absorvem menos calor. Na cabeça, turbantes de malha, bem enrolados e, nas pernas, também podemos ver tecidos que nos remetem aos que atravessam um deserto: um verdadeiro luxo!

Os objetos de cena gritam no espetáculo. Aliás, o Armazém da Utopia tenta fazer uma cópia da época vivida por seus personagens, e sempre são exatos, sem exceção. A regra deles é fazer bem feito!

Luiz Lobo, como sempre atua em suas obras - e atua ao receber seu público também - recebe as pessoas de perto, empurra cadeira de rodas, prioriza idosos e portadores de deficiência, educando a sociedade. Ah! Se todos tivessem a mesma conduta seria tudo tão diferente...

Tuca, um dos nomes fortes da companhia, atua na obra com sua voz forte. Com teatralidade perfeita, penso que foi um dos espetáculos que a vi mais forte, embora eu tenha adorado "A Gata do Dragão". Ela, nessa obra, apresenta melhor seu condicionamento artístico, que impacta. E, diga-se de passagem, Tuca é atriz nata, que estuda, não tem uma formação de teatro como as de hoje. Em sua época, a educação teatral não era tão difusa como hoje. Isso faz-me lembrar Eva Vilma que dizia: o artista tem 10% de dom, 90% de estudo. As falácias atuais andam dividindo muito. Óbvio que a cultura de um povo é, sem sombra de dúvidas, uma ferramenta indispensável para qualquer construção artística, mas essa pode vir do diretor, do dramaturgo e - por que não? - de um consultor?

Veja Tania Alves: é atriz carioca, no entanto, ao lembrar de Maria Bonita, é ela que vem a nossa cabeça! É preciso ESTUDAR, MERGULHAR, para poder encarnar personagens, e pronto!

Aos artistas do Armazém, posso dizer que adoro vê-los quando entro no Galpão, aqueles rostinhos já conhecidos. Eles me fazem sentir em casa, atuam com os olhos também, o tempo todo, procuram a sua plateia, se conectam assim, além de emprestarem seus corpos e almas.

Para um espetáculo desse tamanho e também relevância é preciso muito trabalho, artistas entregues.

Sabemos que a sociedade não tem condições financeiras de ocupar assentos para obras deste tamanho. Essa é a regra, mas nesse caso há exceção!

Há ainda um povo que luta pelo povo, esse que - junto ao Estado - nos garante acesso à cultura!

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Obrigada, Armazém da Utopia!

Sinopse

O tema de “A EXCEÇÃO E A REGRA” é a divisão de classes reinante na sociedade capitalista, de como nela as relações de poder se naturalizam e, ao mesmo tempo, se tornam desmedidas. Um comerciante viaja pelo deserto com um carregador, seu empregado, na tentativa de conseguir uma concessão de petróleo.

Ficha Técnica

Bertolt Brecht

Tradução: André Vallias

Direção: Luiz Fernando Lobo

Cenografia: J.C.Serroni

Figurinos: Beth Filipecki e Renaldo Machado

Iluminação: Cesar de Ramires

Direção musical e trilha original: Felipe Radicetti

Direção de Produção: Tuca Moraes

Programação Visual: Marcos Apóstolo, Marcos Becker e Tatiana Rodriguez

Produção: Marina Gadelha

Preparação Vocal: Ana Calvente

Preparação Corporal: Luiza Moraes e Paulo Mazzoni

Em Cena

Negociante Leonardo Hinckel (+cantos Negociante) e Gilberto Miranda

Cule Tuca Moraes, Luiza Moraes ( + aéreo), Dani Arreguy (+ cantos Cule) Capataz Bruno Peixoto

Soldados Felipe de Góis, Mateus Pitanga (+ clarin), Grégori Eckert e Amanda Tamarozzi

Estalajadeiro Igor Federici

Mulher do Estalajadeiro

Pamella Almeida

Juiz Luiz Fernando Lobo

Mulher do Cule Rossana Rússia (+ canto Estação 1)

Chefe 2a Caravana Felipe de Góis

Coro de Cules e Guias

Amanda Tamarozzi Bruno Peixoto Dani Arreguy Douglas Amaral Eduardo Cardoso Felipe de Góis Grégori Eckert Igor Federici

Luiz Rodrigues

Luiza Moraes

Mariana Pompeu ( + stand in aéreo) Mateus Pitanga

Pamella Almeida

Rossana Rússia

Tuca Moraes

Antônio Hinckel Lobo - Participação especial dentro da barriga

Cules Músicos

Mingo Araújo – Percussão Luiza Moraes – Piano Pamella Almeida - Lira

Serviço

A EXCEÇÃO E A REGRA

Até 22 de maio

Sextas, sábados, domingos, segundas e terças | 20h

Abertura da casa 1h antes do início do espetáculo

Local: Armazém da Utopia | https://www.armazemdautopia.com.br/como-chegar/

Classificação indicativa: 12 anos

Agendamento de grupos: (21) 98909-2402 - WhatsApp

Abertura da casa: uma hora antes do início do espetáculo

Lotes de retirada de ingressos disponíveis a partir de 03/03 no Sympla.

Companhia Ensaio Aberto / Armazém da Utopia








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