Se eu tivesse um filho, certamente que o levaria para assistir ao espetáculo “Meus Dois Pais”, pois a peça iria contribuir ricamente com a educação que eu julgaria necessária para ele.
Incrível como o texto tem uma linguagem tão leve e própria para os pequenos. Um verdadeiro mapa que os ensina a como respeitar as diferenças, descomplicando o que todos teimam em complicar.
“Meus Dois Pais” é uma daquelas obras que deveriam ser apresentadas em todas as escolas do Brasil, pois além da linguagem apropriada para seu público alvo, esteticamente também apresenta uma pegada voltada ao universo deles, os levando a uma sensação de pertencimento. Isso foi exatamente o que vi.
As crianças quebram a quarta parede diante das narrativas do artista. Elas se conectam ao personagem, parecem entender aquele menino. Naldo conquista a todos. O ator encontrou a forma exata de levar ao palco um menino que atravessa algumas situações conflituosas.
Raramente começo um texto falando do ator, mas, nesse caso, fica impossível não falar de Pedro Monteiro. Ele trouxe uma trilogia que aborda a paternidade. Assisti a duas, sendo que uma delas não me impressionou, não me atravessou, enquanto essa, como um trator, me atropelou, deixando minhas emoções à flor da pele. Tocou-me muito, me fazendo questionar o quanto somos cruéis.
Temos muito que agradecer ao autor dessa peça. Primeiro por trazer esse assunto de forma tão inteligente, sutil e também por autorizar a realização dessa montagem.
Pedro parece ter regredido à idade do menino Naldo e faz uma performance incrível, vai do tom de voz a expressões faciais e corporais, tudo muito leal ao personagem. Ele encontrou a fórmula exata de encenar o menino!
Tudo é conquistador e está adequado. Melhor que isso, é saber que também temos um espetáculo educacional. Ah! Trata-se de um teatro humanizado e necessário.
Pedro se doou. Isso foi lindo e verdadeiro. E o teatro o presenteou com a conexão das crianças na plateia! Isso é o que realmente importa a um artista!
Inesquecível a forma com que Pedro atrai reações dos pequenos espectadores. Eles quebram a quarta parede, como se estivessem em casa. Isso nos traz esperança, a de que o teatro vai seguir. Tive a sensação que, se Pedro resolvesse abrir uma roda de conversa com os seus espectadores, eles iriam ouvi-lo. E um lindo bate-papo iria acontecer!
O artista se emociona quando deixa transparecer como fica a cabeça da criança diante dos preconceitos, dos olhares maliciosos. Isso é de doer a alma. Pedro nos conduz a mergulharmos nesses sentimentos doloridos do menino. É preciso do artista uma força imensa para não cair em lágrimas. Da plateia, fiquei com a imensa vontade de subir no palco e dizer ao ouvido do Naldo: "calma, isso tudo vai passar! Não ligue para eles, tudo é bobeira, nós te amamos muito!". E, em seguida, abraçá-lo afetuosamente, acolhendo-o e protegendo-o dessa mazela desumana que é o preconceito!
Mas Pedro não fez isso sozinho. César Augusto, o diretor, trouxe toda a ideia de um jogo para o palco. O personagem parece estar em um videogame, tudo leva a isso. Ele soube captar o universo das crianças dos dias atuais.
Mais que isso: César é um artista consagrado e soube também nos presentear com uma obra extremamente tocante. A sensibilidade desse artista é um bem ao teatro carioca.
Naldo, em sua inocência, não tinha percebido que o novo amigo do seu pai era o namorado dele. E isso, para a criança, pouco importava. O que interessava naquele momento pós-separação dos pais era como Celso o tratava bem, ainda mais com uma das suas características, que era saber cozinhar bem!
E essa inocência linda era suficiente para que a vida do menino corresse em paz. Mas, ao contrário de como deveria ser, os adultos da escola do menino começaram a atormentá-lo quanto à orientação sexual do pai. O texto, nessa hora, parece virar. O menino Naldo começa a questionar absolutamente tudo e, como se não bastasse, foi para a casa da avó. Puxa vida!
Até quando a sociedade vai continuar com esse comportamento tão vil, que faz tão mal a todos nós?
Exatamente por isso esse espetáculo merece tanto nosso apoio. Confesso que, muito melhor que expor fotos de preconceituosos em nossas redes sociais, seria compartilhar "Meus Dois Pais", por exemplo, pois se voltarmos ao que educa e realmente pode trazer mudanças, fato que ganharemos muito mais!
Não se trata somente de um texto relevante. A cada passo, sons são emitidos, tipo onomatopeias digitais, como se o menino estivesse jogando. Isso foi de uma sagacidade ímpar, tudo muito bem trabalhado, entre as imensas telas que traziam outros artistas, como a iluminação de Ana Luzia. Tudo harmônico, nada que ultrapassasse o limite do bom senso, nada over.
Quanto aos artistas das telas, mais uma vez o espetáculo nos garante uma obra preocupada em despertar olhares importantes. O namorado do pai de Naldo é um negro. De uma forma implícita, mais mensagens chegam, normalizando o que é para entender como algo normal. Uma forma de dizer "não" ao racismo também é trazido. O que mais gostei foi que o mote do espetáculo era a aceitação do menino quanto a orientação sexual do seu pai e não fazendo da obra um teatro panfletário, o que penso ser muito apelativo nos dias atuais, tudo repetitivo demais, com pouca inteligência, algo sacal! Esse não é o caso dessa obra, deixando claro que, em tudo, deve-se ter equilíbrio!
E quanto à importância dos pais… Este espetáculo está muito voltado a pré-adolescentes. Inegavelmente são eles os que mais sofrem durante uma separação. E quando o audiovisual apresenta os artistas com mensagens de amor em relação ao filho, isso nos emociona, pois frases impactam, entre elas “não vou desistir de você!”. É de explodir o coração! A mãe que auxilia o filho a amar o próximo, a tentar entender que, independente da escolha do pai, o mais importante é o amor. Isso é um bálsamo para nós, como tudo que esses artistas levam para o palco. Vivenciamos tantas coisas ruins, são tantos desafios. Quando o belo chega, parece que desabrochamos para ele.
Essa obra nos faz refletir quanto ao nosso comportamento, o que estamos semeando. Uma criança não nasce homofóbica, não nasce racista, ela apenas nasce. Cabe a todos nós orientá-la nesse caminho para que essa seja inserida na sociedade positivamente. Não traumatizá-la deveria ser um dever de todos, assim como não hostilizá-la também. Quando temos essa responsabilidade, fato que, lá na frente, teremos um retorno belo e humano. É o que sentimos falta hoje!
Nas minhas considerações finais, posso dizer que uma mulher levar seu filho a assistir essa obra é quebrar o machismo, ter um ser humano mais construtivo e um mundo melhor para todos nós.
Há uma luz no fim do túnel dentro do Teatro Oi Futuro!
SINOPSE
A peça conta a história de Naldo, menino de 9 anos, que precisa lidar com a separação dos pais. Quando a mãe precisa se mudar de cidade, ele passa a morar com o pai e seu amigo, Celso. Não demora muito, o garoto começa a sofrer bullying na escola e descobre que o pai é gay. Será que ele vai aceitar sua nova família? O projeto começou a ser desenvolvido antes da pandemia, quando o ator Pedro Monteiro, que vive o protagonista, leu o livro de Walcyr Carrasco e logo imaginou colocar esta história em cena. A peça encerra sua trilogia sobre paternidade, iniciada com o drama “Pão e Circo” (2021) e seguida pela comédia “Pai ilegal” (2022).
FICHA TÉCNICA
Texto: Walcyr Carrasco
Direção: Cesar Augusto
Assistente de direção: João Gofman
Elenco: Claudio Lins, KelzyEcard, Rodrigo França, Betina Viany, Gabriela Estevão, Tamires Nascimento, e Pedro Monteiro.
Figurinos: Marcelo Olinto
Cenário: Beli Araújo
Projeção mapeada: Renato Krueguer
Trilha sonora original: André Poyart
Iluminação: Ana Luzia de Simoni
Assistente de Produção: Caroline Matos
Direção de produção: Dani Carvalho (Desejo Produções)
Realização: Pedro Monteiro
SERVIÇO
Meus Dois pais
Temporada: Até 9 de julho de 2023
Centro Cultural Futuros – Arte e Tecnologia: Rua Dois de Dezembro, 63 – Flamengo (Acesso próximo ao Metrô do Largo do Machado)
Telefone:(21) 3131-3060
Dias e horários: sábados e domingos, às 16h
Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia-entrada)
Lotação: 63 pessoas
Duração: 50 min.
Classificação etária: livre
Venda de ingressos: acesse aqui
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