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"Órfãos": quando potentes profissionais se juntam para fazer teatro

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 12/06/2023 às 16:25:14

Eu já assisti a diversos espetáculos, perdi a conta, e posso dizer que venham mais um monte deles, que eu continuarei a me surpreender com o teatro que traz grandes artistas e grandes textos.

O texto é magnífico. Exatamente por isso é sucesso fora do Brasil há décadas. Texto dinâmico e muito real. Construído magneticamente, de forma que ficamos, o tempo inteiro, questionando aos personagens. Incrível a construção do texto, de 1983!

É claro que sempre procuro dramaturgias nacionais. Isso nos valoriza! No entanto, há casos como esse, por exemplo, que somente os “doentes da cabeça” não apontam ganhos em assistir à obra, ainda mais quando construída de forma tão atraente.

A peça não tem erros, não para mim. A equipe é uma junção de profissionais potentes do teatro, com portfólios de invejar qualquer um.

Fernando Philbert é o diretor do espetáculo, que acertou em tudo. Muitas vezes, eu tive a impressão de estar num filme. Por quê? Porque, no cinema, pode-se errar, fazer novamente, e o produto final fica perfeito para nós, cinéfilos. Já, no teatro, não existe esse recurso. Porém, mesmo assim, "Órfãos" não peca, do começo ao fim. Uma obra sem arranhões, por isso tanta indicação a prêmios. Posso estar errada, mas toda vez que assisto a um trabalho desse diretor, percebo como ele atua muitíssimo bem nos espetáculos recheados de dramas.

A cenografia é assinada por Natália Lana, que “abusa” em tudo que faz, constrói verdades para as obras teatrais. Ela mergulha no tempo, nos fatos e na dramaturgia, com afinco. E sabe trabalhar bem os temas. No caso de “Órfãos”, o texto apresenta dois irmãos que vivem em uma condição precária, em todos os sentidos, e ela nos conduz a isso através de sua criação. Madeiras, ferros, e até mesmo, janelas empoeiradas…

Ela cria as suas cenografias sempre com muito rigor, minuciosamente. Para Natália, não existe o dito que “o céu é o limite”, porque tenho a sensação de que ela brinca de ir e vir sem problemas. A cenógrafa fez a reutilização de cenários antigos e trabalhou de forma sustentável. As janelas mostram o mundo externo, que é inseguro, meio um “gueto”. Um lugar de subsistência.

O cenário tem um toque cinematográfico e ficou belíssimo.

O desenho de luz é assinado por Vilmar Olos, que, cá entre nós, agiu de maneira propícia, como deveria ser feito, sem grandes efeitos, o que ficaria “over” demais, mas os que apresentou foram de uma infinidade de bom senso. Em um determinado momento da montagem, quando um dos irmãos abre a janela, a iluminação que veio do chão traz a ideia de uma noite e ficou excelente. De resto, tudo ponderado e ótimo gosto!

Não posso deixar de falar sobre a direção de movimento, que traz leveza à obra, em alguns momentos, e visceralidade, em outros. Há uma pretensão de sapateado, que nos leva à sutileza, numa determinada cena, e, em outra, a um cavalo galopante, sem rédeas, nos corpos dos artistas. Um verdadeiro espetáculo! O início da obra também vem carregado de um manifesto corporal muito forte. Um dos artistas sobe e desce dos objetos. Sobe nos móveis de cena e desce deles, causando movimento e dinamismo intensos. Tudo muito belo, que se deve à profissional Monique Ottati.

A direção musical se comportou com elegância, ao escolher as canções que atravessam a encenação.

Os figurinos nos nortearam bastante ao estilo do espetáculo. Um estilo Bonnie & Clyde, tudo bem inusitado. Rocio Moure nos leva a essa viagem no tempo. Os adereços dos personagens também legitimam o estilo.

Ernani Moraes (Harold), Lucas Drummond (Phillip) e Rafael Queiroz (Treat) são os artistas no palco, todos bem dirigidos pelas mãos de pluma de Philbert.

Lucas é o idealizador do projeto e, como idealizador/ator, sabia o que estava levando ao palco. O ator chama muita atenção, por sua atuação bela, encantadora e convincente. Seu trabalho desperta nossa admiração. Ele é o irmão mais novo, e uma espécie de inocência o envolve. Esse personagem é poético. Deve ser o mundo que nos leva a essa compreensão. Vivemos sob um padrão da sociedade muito complexo, que, quando nos apresentam algo sem mácula, nos rendemos de imediato. Phillip atrai a nossa atenção por seus sentimentos e peito aberto. Se ficamos desconfiados, quanto ao comportamento de um personagem (Harold), que chega ao espaço dos dois irmãos órfãos, Phillip nos leva a risadas e um sentimento mais sincero. O artista sabia/soube qual seria a importância do seu personagem, equilibrando muito a obra e os desdobramentos do espetáculo também. O choro desse artista, ao encerrar a peça, é tão convincente e parece real e sentido, que ficamos comovidos, mas lágrimas não chegam, pois se trata de uma cena muito impactante.

Já Rafael Queiroz entra mais audacioso, um personagem perigoso. Afinal, ele abastece a “família”, por meio de pequenos furtos, e “protege” o irmão mais novo. É um personagem que se faz entender somente no final. Ele vem carregado de uma maldade ingênua, porque é apenas uma resultante da vida que teve/tem. São dois irmãos sozinhos.

Um fato interessante é que eu tenho acesso a uma casa de acolhida e, mensalmente, levo os meninos dessa casa ao teatro. Posso dizer que certas emoções e comportamentos que eles apresentam são os mesmos que presenciei no palco da Casa de Cultura Laura Alvim. Quando estou com eles, um simples braço ao redor daqueles corpos faz com que eles venham ao meu encontro. Encolhem-se, como passarinhos. Isso me fez entender a maturidade dessa montagem, que está muito além de apenas saber fazer teatro, mas, sim, de também entender o outro. Uma obra madura de sentimentos também.

Quanto a Ernani Moraes, que trabalho arrebatador! Posso dizer que até este mês de junho, meio do ano de 2023, atuações como a de Ana Lucia Torre ("Longa Jornada Noite a Dentro") e Ernani Moraes foram as melhores a que assisti. São tão bem definidas e levadas ao palco com perfeição, que chega a ser inacreditável. Esses dois artistas, simplesmente, me mostraram performances de um nível positivo extremo.

Ernani, com sua voz forte e uma expressão corporal tão abusada, alavanca, em nós, todos os elogios que um crítico pode escrever, ao realizar um texto sobre o trabalho dele. É incrível a performance desse ator, o qual, como um ímã, nos leva a uma conexão imediata. A palavra certa, pode-se dizer, é que sua atuação é alucinante! Seu personagem, Harold, é sequestrado por um dos irmãos, mas, depois, ele se entrosa aos outros personagens, com atuações que nos levam às dúvidas, quanto às suas verdadeiras intenções, em relação aos dois meninos.

No final do espetáculo, me vi como ficava quando criança, à procura da constelação “Três Marias” e, ao encontrá-la, ficava admirando-a por alguns minutos. E assim foi em “Órfãos”: três estrelas que brilhavam à minha frente, trazendo beleza aos meus olhos, alimentando-me do mais belo teatro.

Sinopse

Em cena, dois irmãos órfãos (Lucas Drummond e Rafael Queiroz) sequestram um misterioso homem de negócios (Ernani Moraes) para pedirem resgate e acabam encontrando a figura paterna que nunca tiveram e com a qual sempre sonharam. “Me apaixonei por essa peça desde que a li pela primeira vez, em 2018. É uma história linda sobre a luta do homem pela sobrevivência e, principalmente, sobre o afeto, que às vezes é bruto, tóxico", resume Lucas Drummond.

Ficha Técnica

Idealização e coordenação do projeto: Lucas Drummond

Texto: Lyle Kessler

Tradução: Diego Teza

Direção: Fernando Philbert

Elenco: Ernani Moraes (Harold), Lucas Drummond (Phillip), Rafael Queiroz (Treat)

Figurino: Rocio Moure

Cenário: Natalia Lana

Iluminação: Vilmar Olos

Trilha Sonora: Marcelo Alonso Neves

Fotografia e Vídeo: Costa Blanca Films e Gaulia Filmes

Direção de produção: Bruno Mariozz

Direção de movimento: Toni Rodrigues

Produtora executiva: Angélica Lessa

Assistente de direção: Luisa Vianna

Assistente de direção de movimento: Monique Ottati

Assistente de produção: Priscila Fernandes

Realização: Palavra Z Produções Culturais

Serviço

“Órfãos”

Até 25 de junho de 2023 (sexta e sábado às 20h, domingo às 19h)

Na estreia haverá um bate-papo com o dramaturgo Lyle Kessler logo após a sessão

Local: Casa de Cultura Laura Alvim (Av. Vieira Souto, 176 – Ipanema)

Ingresso: R$ 40,00 (inteira) | R$ 20,00 (meia entrada)

Vendas online: https://funarj.eleventickets.com

Duração: 90 min. Capacidade: 190 lugares

Classificação indicativa: 14 anos

Tel: (21) 2332-2016

No dia 17/06 haverá sessão acessível com tradução de libras e audiodescrição

Instagram: @orfaosteatro





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