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"A Revolução dos Bichos": uma estória de grande importância para os dias atuais

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 12/09/2023 às 15:18:12

Por que George Orwell escreveu "A Revolução dos Bichos?"

Segundo o autor, o texto faz referência a fatos que se seguiram à Revolução Russa (1917) e a era stalinista na União Soviética. O desejo de Orwell era denunciar a ditadura instaurada depois que Stalin subiu ao poder.

Não faz um ano que o diretor Bruce Gomlevsky presenteou o público com o mesmo espetáculo, o mesmo tema, mas com diversos artistas no palco. O Teatro Municipal Sergio Porto acolheu a obra. Ingressos esgotados durante a temporada, uma peça que foi sucesso de crítica e público.

Mas o diretor não estava satisfeito, era preciso mudar. E corajosamente o fez. Detalhe: transformou a peça em um monólogo.

Na semana que antecipava o espetáculo, encontrei-me com Bruce no Centro Cultural do Banco do Brasil, onde a obra está sendo apresentada. Bruce estava cansado, isso estava em evidência em sua fisionomia.

Agora entendo o motivo. Uma obra como a que assisti obviamente necessitou de muito ensaio. Pode-se dizer que, provavelmente, de uma devoção para que se pudesse executá-la.

Para que tantas minúcias tivessem sido levadas para o palco foi preciso entrega. Isso, sem dúvida nenhuma, aconteceu.

Quando assisti ao primeiro espetáculo estávamos sendo governados pelo pérfido Bolsonaro, que se parecia bastante com Napoleão, o antagonista da trama. Foi um momento muito difícil para os brasileiros com boa alma, para os artistas e tantos outros que enterraram seus mortos por causa de um negacionismo burro. Os ismos, como sempre abundantes no Brasil…

O espetáculo mexeu muito comigo naquela época. Não imaginava que, mais uma vez, iria me tocar.

É um pouco complexo fazer uma análise desta obra levando em consideração que foi ao palco com um elenco muito maior. Posso afirmar que não há entre elas grande diferença. Mas, ao mesmo tempo, acho muito importante este trabalho voltar ao palco como voltou. Por que? Porque a significância dele é relevante, o tema é necessário.

No Brasil, não temos o hábito de estarmos nos teatros como estamos nas praias, nos bares, nos estádios de futebol ou em blocos carnavalescos. Isso é muito ruim, porque perdemos a oportunidade de aprender histórias. Pretensiosamente, o teatro abre portas para isso. O teatro é ouvir, é colocar as escutas em prática.

Exatamente por isso, com um grande elenco, é impossível sairmos do lugar. Não há receita/dinheiro para pagar o trabalho dos artistas. E a mensagem fica lá guardada, junto a um galpão de figurinos e cenários, perdendo a oportunidade de nos fazer entender um pouco as velhas histórias, que se repetem, seja para o bem ou para o mal.

Dessa vez, com apenas um artista no palco, Bruce poderá levar a mensagem para todo canto, fazendo com que as pessoas entendam e sintam de perto o perigo que, muitas vezes, estamos correndo.

Tantas peças que são financiadas pelo governo, espetáculos ocos, que arrecadam milhões, enquanto outros, como a primeira "Revolução dos Bichos", estagnados. Isso me causa um cansaço…

Existem obras que levantam questionamentos para que possamos mudar algumas das nossas concepções. Temos como exemplo Brecht, com a obra "Mãe Coragem", que deixa claro os efeitos das guerras. Temos também "Era uma Vez um Tirano", espetáculo infantil que aborda o autoritarismo na linguagem apropriada para os pequenos. Esses são espetáculos que não deveriam sair dos palcos, das escolas, das universidades, para atingir o grande público, as massas.

Às vezes, acho que Orwell (escritor, jornalista e ensaísta político inglês, nascido na Índia Britânica), o autor do texto, previa a história do Brasil em 2018, como foi feito também por Renato Russo, Cazuza e outros.

Basta atentar ao personagem Guerreiro, um cavalo que trabalhou durante toda sua vida. Ele é levado ao matadouro por não ter a mesma capacidade da juventude. Aí podemos ver a face do nosso Brasil e o Sistema Único de Saúde (SUS), que tem imenso valor para nós e que, ao mesmo tempo, deixa milhares de trabalhadores em filas imensas de espera para cirurgias e outros fins. O trabalhador contribui a vida inteira para que ele funcione e, muitas vezes, o que assistimos é o caos: mau atendimento de funcionários públicos e desvios do dinheiro público, entre outras SACANAGENS que, no SUS, infelizmente, acontece. Quando o teatro fala, pode-se dizer que passamos a entender, que o problema não é cavalo nem a instituição. Mas o governo, incapacitado de administrar a máquina pública.

Por isso, a cultura é, de certa forma, perigosa, porque excita o espectador a olhar de forma mais inteligente os fatos.

O palco do CCBB - o Teatro 3, mudou completamente de lugar, o que chamou muito a minha atenção. Lembro que assisti "Anastácia de Fiodor" No entanto, a plateia, na grande maioria, continua no lugar de costume. Já na "Revolução", foi tudo modificado para melhor acolhimento.

Com um conjunto de refletores comuns, sem grande sofisticação, a iluminação foi elegante e precisa. Nos trouxe nuances belas, que nos presenteiam com lindas fotografias.

O figurino também cumpriu a sua função. Nem mais e nem menos.

E como se explica uma obra dessa dentro do CCBB, que é uma das curadorias mais sofisticadas e assertivas do país?

Gustavo Damasceno.

Um artista no palco e variantes específicas do teatro, muito bem executadas. Daí entende-se a curadoria.

A entrega é tão latente que sentimos todo o esgotamento do ator. No final, todo suado, com sua camisa molhada, não consegue agradecer as palmas do seu público. Ele até tenta, mas fica impossiblitado. Se bem que ele não precisa agradecer, nós que devemos ser gratos por tamanha entrega.

Damasceno esteva no elenco do espetáculo que foi apresentado em 2022, ou seja, ele acompanhou todos os seus colegas de palco, adaptou-se a toda criação de personagem. Está apto para dar sequência à obra e seguir na estrada.

Ao entrarmos no teatro, o artista está sentado no palco, sem cenário, sem objetos de cena, apenas lá, nos recebendo com um sorriso…

Ao tocar o terceiro sinal, as luzes são apagadas e a fúria de um artista o toma. Como se ele nos perguntasse: vocês estão preparadas para o que tenho a contar?

Um longo grunhido de um porco toma a garganta do ator. Fiquei a questionar: como ele conseguiu trazer essa onomatopeia?

E não só do grunhido, mas também de tantos outros animais, como o de um rato. São peripécias inesquecíveis.

As mímicas são incandescentes ou indecentes, julguem como acharem melhor essa proeza do artista Damasceno.

Ele encarna no palco o dono da fazenda (Sr. Jones), a ovelha Mabel, o Cavalo Guerreiro, o corvo, o Bola de Neve (outro porco), as galinhas, uma ninhada de cachorros, Major (outro porco) e - pasmem! - para a atuação de cada personagem, ele gira no palco, rola, um absurdo cênico que obviamente deixaria qualquer um exausto.

As sombras de animais que são feitas à luz diante dos nossos olhos. São tão belas! Um fazer de nos deixar perplexos, tudo com esmero e manualidade como diz o crítico de artes visuais Filipe Grimaldi.

Não posso, de jeito nenhum, fazer uma comparação dos dois espetáculos, porque há neles um esbanjar de excelência cênica. Ao lembrar do primeiro, afirmo que não seria ética comigo mesma para delimitar a qualidade de ambas as obras, que são inesquecíveis. Inesquecíveis também são todos os artistas que caminharam com esse diretor, que escreve seu nome com uma caneta de ouro na história do teatro carioca.

A história é contada à risca. Volto a dizer que é de grande importância para os dias atuais. A literatura nasceu em 1945, onde o fascismo reinava no mundo. Quando, hoje, estamos enfrentando uma direita-extrema, querendo privar direitos de casais homoafetivos, percebo a necessidade dessa obra correr o país, fortalecendo e defendendo o direito do outro.

Quem já assistiu entende a tirania de um animal que nasceu de ideais políticos que defendiam os seus semelhentes, mas que se perde no caminho: o poder e a corrupção o levam a um comportamento bem parecido com o dos homens. O porco Major, antes da morte, deixa para os animais da fazenda alguns pontos cruciais, como um manuscrito, uma constituição, para a sobrevivência e desenvolvimento deles, negando o escravismo, as surras dadas pelo homem, a fome, o frio, etc.

1. Qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo.

2. Qualquer coisa que ande sobre quatro patas, ou tenha asas, é amigo.

3. Nenhum animal usará roupas.

4. Nenhum animal dormirá em cama.

5. Nenhum animal beberá álcool.

6. Nenhum animal matará outro animal.

7. Todos os animais são iguais.

Mas que são mudadas por Napoleão para seu próprio benefício:

4. Nenhum animal dormirá em cama com lençóis.

5. Nenhum animal beberá álcool em excesso.

6. Nenhum animal matará outro animal sem motivo.

7. Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros.

O que também parece ser bem complexo e remancescente é a escravidão do trabalhador, a classe operária, sempre exposta a trabalhos exaustivos, sem que tenha o retorno justo, criando assim uma nascente de injustiças socias que Karl Max julgava como opróbio.

Ao sair do CCBB nos deparamos com a realidade: pessoas dormindo debaixo das marquises, entre os ratos e sujeiras. Questiono: qual a diferença entre nossos governantes e Napoleão?

Penso que, quem perdeu o espetáculo no Teatro Sergio Porto, tem uma excelente oportunidade de ver o irmão mais novo da obra, que também nos faz entender tanto da história mundial e nos permite a ter um entretenimento de alto nível. Uma obra inquestionável, daquelas que ficam marcadas em nossa memória, para todo o sempre. Amém.

Sinopse

O clássico de George Orwell recebe nova encenação, transformada num solo. Gomlevsky embarca na aventura de se autoimpor um desafio cênico: numa espécie de “Dogma 95” do teatro, depois de uma montagem exuberante d’A Revolução dos Bichos em 2022, com 20 atores num palco repleto de feno, ele dirige agora nova versão com um único ator em cena.

Ficha Técnica

Dramaturgia: Daniela Pereira de Carvalho

Encenação, Cenário e Figurino: Bruce Gomlevsky

Elenco: Gustavo Damasceno

Iluminação: Elisa Tandeta

Operador de Luz: Bruno Primo

Direção de Produção: Gabriel Garcia

Realização: Banco do Brasil e Cia Teatro Esplendor

Serviço

ONDE: Teatro III do CCBB RJ - Centro Cultural Banco do Brasil

HORÁRIO: 4ª, 5ª, 6ª, sab e 2ª às 19h / domingo às 18h

INGRESSOS: R$ 30 e R$ 15 (meia) na bilheteria do CCBB ou no site: bb.com.br/cultura











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