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"Meu Corpo está Aqui": ressignificando pensamentos abordados

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 23/10/2023 às 08:54:15

Este espetáculo tem movimentado o cenário teatral. Dei um jeitinho na agenda e, depois de duas peças assistidas, fui ao Teatro Gláucio Gil para tentar entender o que estava acontecendo por lá.

Deparei-me com um espetáculo que, inicialmente, satirizava a vida sexual dos deficientes. E, pasmem, além do aprendizado, dei umas boas gargalhadas, pois era exatamente isso que os artistas esperavam de nós. Há lógica no que é dito, que muitas vezes não chegam por termos um olhar preconceituoso em relação ao deficiente.

É preciso abrir as escutas para aprender e, assim, ressignificar fios de pesamentos.

O espetáculo é bom, passa rápido demais, e lembrem-se, esse foi o terceiro espetáculo assistido. Sendo assim, posso afirmar que não há na obra momentos enfadonhos. Confesso que o sono tem sido um inimigo impiedoso em alguns espetáculos. E este não foi o caso!

Existe uma necessidade imensa dessa obra estar no teatro, pois precisamos estar mais próximos de questões como as que foram abordadas. Quando convivemos com deficientes, aprendemos a lidar com as diferenças. Tudo passa a se normalizar, nos tornamos de fato mais inclusivos.

A plateia estava linda no dia que assisti ao espetáculo. Inclusive, parabenizo os artistas que estavam presentes. Penso que esse apoio é vital para a obra, posso dizer até mesmo para o teatro. Suzana Nascimento, Alexandre Lino, Luiz Machado, Gustavo Gasparani, artistas de peso das artes cênicas do Brasil.

Nesse dia, também ao meu lado, estava o crítico Gilberto Bartholo, ou seja, a obra tem chamado atenção de muitos. O tema é necessário nesse momento em que estamos talhando a inclusão no entretenimento. É uma batalha dura! Existem instituições que falam muito sobre a acessibilidade. No entanto, não é genuíno, trata-se apenas uma forma de “ficar bem” diante da sociedade. Digo isso por experiências vivenciadas e ser uma mulher PcD.

Faço residência Artística no MAM - Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro -, no bloco de acessibilidade, por meio de um edital patrocinado pela Petrobras. Posso afirmar que ainda são necessárias muitas ações para mudarmos essa realidade. O panorama ainda não é suficiente.

Através dessa peça podemos mudar muitas concepções sobre pessoas deficientes.

A dramaturgia é ótima, provoca fios de pensamentos interessantíssimos, além de um texto dinâmico e risonho, sem contar o deboche, que é assertivo.

A primeira cena fala sobre a Branca de Neve e os Sete Anões. O nanismo é um transtorno como muitos outros e isso não desqualifica essas pessoas em relação ao sexo. Elas transam!

Mas a senhorita Branca de Neve parece ter vivido com assexuados. Pior: com o primeiro hetero que a beijou, ela descobriu o amor, embora ele não tenha feito nada para salvá-la da bruxa. Não é para se pensar sobre?

Aliás, a história da Branca de Neve é um pouco diferente dessa que conhecemos. Branca de Neve é uma menina que come uma maçã envenenada e os anões, ao levarem o caixão da criança, o deixam cair, fazendo ela cuspir a maçã envenenada presa na garganta. Os anões se vingam, de maneira sórdida - ou posso dizer merecida? Eles fazem a rainha má dançar até a morte. Nas palavras originais dos Grimm: “Eles colocaram um par de sapatos de ferro em brasas que foram trazidos com pinças e colocados diante dela. Ela foi forçada a entrar nos sapatos quentes e dançar até cair morta”. Essa é a história original de 1812.

A dramaturga não hesitou em dizer que, se a bela Branca de Neve se envolvesse com os anões, ela teria uma sequência de Branca de Neve, Branca de Neve I, Branca de Neve II…

Branca de Neve poderia ter sido mais inclusiva!

“Se nossas crianças fossem educadas dentro dos conceitos inclusivos, iríamos vivenciar uma nova e revolucionária ética, fundamentada na igualdade de valor entre TODAS as diferenças”. (Claudia Werneck, ativista social)

A atriz da cena é Juliana Caldas, que não economiza na comicidade. Em outra cena, ela é uma menina preconceituosa (representada por uma Barbie). Estão em uma boate. Essa cena também justifica muitíssimo a comediante que é a atriz.

A iluminação é de Paulo César Medeiros que, inclusive, acabou de ganhar o Prêmio Bibi Ferreira por sua iluminação no espetáculo "Ficções". Nessa obra, ele soube ser bastante eficiente, principalmente quando os artistas quebravam a quarta parede, quando a plateia é convidada a pensar.

Já a cena do artista Bruno Ramos é de uma poesia ímpar. Ele atuou ao lado do intérprete de libras Jadson Abraão. Conheci Jadson quando fiz um curso de libras na Escola de Gente. Profissional sem arranhões. Aliás, podemos dizer o mesmo da intérprete Thamires Alves, que também está trabalhando nesse projeto. Ambos são capacitadíssimos! Nessa cena, Bruno explica que não somos iguais.

“Cada pessoa é única e tem o seu valor, independente de qualquer outra característica. Só o fato de ser um Ser Humano, ele já carrega um valor pessoal!” (Romeu Kazumi - "Pai da Inclusão")

Esse foi um ensinamento errôneo dos meus pais, que até entendo. No entanto, precisamos compreender que deveríamos ser iguais diante da lei, pois somos diferentes sim. Cada um de nós tem sua peculiaridade! Bruno utiliza a mímica para relatar uma relação sexual com um surdo, o que é divino e também engraçado. Esse artista é de uma eficiência no palco gigante! Ele explica como podemos nos entender através das vibrações corporais. Lindo mesmo! O artista além de lindo visualmente, tem um corpo que sabe acolher expressões. Assim como as expressões faciais que convencem, posso afirmar que ele hipnotiza.

Já Haoner Thinar tem brilho nos olhos, uma alegria que sentimos emanar dela. Até o tom de sua voz nos leva a uma festa! É uma atriz que defende seu lugar. A cena dela é sobre o romance. Esse, como sempre, dando trabalho para as mulheres... De alguma forma, o texto relata a história de uma menina deficiente e o “boy magia” da escola. Tinha harmonia com ela, uma atriz angelical, embora corpulenta e alta.

Haoner é uma atriz que caiu bem na personagem. Ela se ajusta no papel e em nós.

Quando seu romance vem ornamentado por preconceito, aí o sofrimento é maior.

No entanto, o mundo mudou. Nós, mulheres, mesmo que PcD, mudamos também. Aprendemos a nos blindar. Isso fica bem claro na dramaturgia de Julia Spadaccini e Clara Kutner, quando a personagem não se limita a viver um relacionamento secreto.

Pedro Fernandes: esse artista trouxe temas mais pesados. Muito mais pesados, pelo menos para mim. Questões que estão para além. Confesso que fiquei impactada com a vida de um cadeirante, a forma que muitas vezes (sem generalizar), o amor e o sexo chegam para ele. Não duvido nada em relação ao texto. A procura do prazer com um profissional do sexo pode ser uma verdade. Afinal, as pessoas limitam tanto, cobram tanto, que fico a imaginar a dificuldade de encontrar uma relação nesse caso. A cada dia, as pessoas estão mais exigentes, como se fossem deuses do olimpo.

A forma com que a homossexualidade também é trazida é excelente e precisa. Afinal, a orientação sexual não é vedada para PcDs.

A obra faz pensar. Os artistas se comunicam com a plateia. Eles mexeram comigo, são perspicazes e irresistivelmente acolhedores no palco.

Alguns pontos foram discutidos entre eles como, por exemplo, a questão da superação. Alguns deficientes se olham como pessoas que se superam, por tamanha dificuldade que enfrentam em suas vidas. Já ouvi artistas defenderem esse posicionamento. Uma cega que levou em consideração a cidade, que não a beneficia em nada. Acessibilidade arquitetônica – sem barreiras ambientais físicas no interior e no entorno dos escritórios e fábricas e nos meios de transporte coletivo utilizados pelas empresas para seus funcionários, por exemplo.

Outros deficientes também abraçam a causa de serem vítimas por não terem tanta agilidade em algumas situações. Todas essas informações não são achismos. Em um edital patrocinado pelo Instituto Vale Cultural, tive a oportunidade de participar de discussões profícuas com deficientes de todo Brasil. Respeito cada opinião ouvida, são pareceres diferentes.

Parabenizo Claudia Marques, da Fábrica de Eventos, que abraçou a obra. Uma mulher do teatro, que esteve à frente da produção de Julio César, com grandiosos artistas. É um spetáculo de grande sucesso de público e crítica. É fundamental que pessoas como ela abracem causas e auxiliem a abrir portas maiores para a inclusão.

A minha vivência nos últimos dias tem sido crescente nesse assunto. Faço parte de um grupo de mães atípicas interessadas em entretenimento para seus filhos. Esse grupo pertence a Fabiana Marins, da Eventinhos PcD. Vejo trabalhos como o dela de grande importância para a sociedade, pois leva entretenimento para crianças deficientes, atuando na base de um Brasil menos preconceituoso.

Estou aberta a pessoas que lutam a favor dessas inclusões, principalmente quando olham menos para si e mais para o outro, a fim de trilhar um futuro mais digno para todos.

“?Inclusão não é colocar um aluno especial junto com os demais, mas sim incluir o mesmo à turma sem medir seus limites. Suas limitações não definem sua capacidade de desenvolvimento”. (Fernando Castellari).

Sinopse

“Meu Corpo Esta? Aqui” e? um espeta?culo teatral inédito baseado nas experiências pessoais de Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes, em que eles pro?prios esta?o em cena falando abertamente sobre seus relacionamentos, seus corpos, seus desejos. Uma mistura de depoimentos ficcionalizados por Julia Spadaccini e Clara Kutner retratando o jogo entre as pulso?es e os obsta?culos que se apresentam nas descobertas e nas experiências de afeto e sexualidade em corpos PCDs. Um tema original e ine?dito nos palcos, que se aprofunda na reflexa?o desses corpos invisibilizados socialmente.

Ficha Te?cnica

Texto: Julia Spadaccini e Clara Kutner

Direça?o: Clara Kutner e Julia Spadaccini

Elenco: Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes

Direça?o de Produça?o e Coordenaça?o Geral do Projeto: Claudia Marques

Diretor Assistente: Michel Blois

Produça?o: Fabricio Polido

Pesquisa de dramaturgia: Marcia Brasil

Colaboraça?o de texto: Bruno Ramos, Haonê Thinar, Juliana Caldas e Pedro Fernandes

Figurino e Cenografia: Beli Araujo

Iluminaça?o: Paulo Cesar Medeiros

Direça?o de Movimento: Laura Samy

Mu?sica: Luciano Camara

Visagismo: Cora Marinho

Audiodescriça?o: Graciela Pozzobom

Inte?rpretes de Libras: Jadson Abraa?o e Thamires Alves Ferreira

Realizaça?o: Fa?brica de Eventos

Servic?o

Local: Teatro Gláucio Gill – Praça Cardeal Arcoverde, s/nº, Copacabana, RJ

Pro?ximo a Estaça?o Cardeal Arcoverde do Metrô Rio

Temporada: Até 30 de outubro de 2023

Dias e Horários: Sa?bados e segundas a?s 20h e domingos a?s 19h

Ingressos: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia)

Bilheteria: Segunda a sexta a partir das 16h, sa?bado e domingo a partir das 14h

Vendas antecipadas online: https://funarj.eleventickets.com

Classificaça?o indicativa: 16 anos

Duraça?o: 60 minutos


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