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"Vestido de Noiva", de Nelson Rodrigues, explode no CCBB

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 01/11/2023 às 11:12:27

“O crítico sério participa do processo teatral, atua para o aprimoramento da arte. Não é necessário citar as numerosas campanhas que ele patrocinou ou apoiou, para a melhoria das condições dos que trabalham no palco. […] Porque o crítico, à semelhança de qualquer espectador, gosta de ver um bom espetáculo, e sente perdida a noite, se não aproveitou nada do que viu”.

Palavras de Sábato Magaldi, um grande nome desse gênero e principal crítico das obras de Nelson Rodrigues. Para minha sorte, a noite não foi perdida!

A peça "Vestido de Noiva" foi apresentada pela primeira vez em 1943 e tem como principal característica a divisão da dramaturgia em três planos de narrativa: realidade, alucinação e memória. No mundo real, Alaíde, uma moça da elite carioca, é atropelada e levada ao hospital entre a vida e a morte, ficando inconsciente.

Vale falar sobre "Vestido de Noiva" na íntegra, quando foi montada em 1943.

A peça foi patrocinada pela família Guinle. Quando Ziembinski chegou ao Brasil, fugindo da Segunda Guerra Mundial, tinha uma opinião “grosseira” sobre o teatro brasileiro, assim afirmou Nelson Rodrigues. No entanto, antes de se conhecerem, foi apresentado ao texto "Vestido de Noiva", e apenas disse: “não conheço nada no teatro mundial que pareça com isso”.

A montagem levou oito meses, com ensaios de até oito horas, sem atrasos, pois não eram permitidos pelo polonês. Nelson acompanhava cada um deles. O diretor não era uma pérola. Ao contrário, gritava, e cobrava muito dos artistas. Estes tinham de estar afiados com o texto, as leituras de cada frase eram intensificadas com centenas de repetições para encontrar a forma certa de levar ao público.

Ziembinski também trabalhava com afinco, era focado em fazer acontecer da melhor maneira. Na noite da estreia, pegou a iluminação do Palácio Guanabara (onde morava o presidente), porque a iluminação do Teatro Municipal não era suficiente.

Enquanto isso, a promoção do espetáculo já rondava as praças: Dulcina, Procópio Ferreira, todos se empenharam em trazer novos espetáculos. E - pasmem! -, Jaime Costa pôs na porta do teatro uma cartaz que dizia: "uma peça sem 'Ziembinskices'".

O cenário teatral pegava fogo. Roberto Marinho pediu para ler o texto de "Vestido de Noiva". Disse para seu querido Nelson: “você precisa parar com essa mania de ser um gênio incompreendido!”.

Falou que, dessa vez, ele tiraria de casa diplomatas, políticos e empresários que só iam ao teatro assistirem peças estrangeiras, que dessa vez eles iriam pagar para assistir a peça do dramaturgo.

O dia da estreia chegou. No primeiro e segundo atos, foram poucos os aplausos. Nelson contabilizava e ficava muito nervoso. Sabia que, a seu favor, estava Manuel Bandeira e seus amigos na plateia, mas isso não seria o suficiente diante de um público de mais de duas mil pessoas. Alguns acidentes aconteceram, como uma cruz que caiu no meio do palco, mas isso não abafou o que aconteceria.

No final, os aplausos foram ensurdecedores. As pessoas gritavam pelo autor, que estava ao lado do Roberto Marinho, no camarote. Nelson disse que "se sentiu um marginal da sua própria glória por não ser aplaudido como mereceu".

Nelson Rodrigues, após reinventar o teatro brasileiro, saiu como um zumbi na noite de estreia, na Avenida Rio Branco, sem um tostão para comemorar.

Falar sobre "Vestido de Noiva" é um prazer para mim, porque falo sobre o teatro que abriu as portas para o novo, para o "nosso teatro".

“A carreira de Nelson é notável, entre outras coisas”, segundo Barbara Heliodora. Se ela falou, está falado! Fica complicado discordar tanto dela quanto do dramaturgo.

Eis que agora estamos em 2023, no Centro Cultural do Banco do Brasil, com a remontagem da obra "Vestido de Noiva", montada por um coletivo de quarenta e cinco anos. O que dizer? Acho que Nelson e Ziembinski adorariam. A peça é cheia de movimentos e novidades. Os atores são exagerados, corajosos e inovadores e isso já seria suficiente para ambos.

Embora eu não curta projeções/audiovisual no teatro - acho que é um trauma pandêmico -, confesso que eles não pecam e trazem muitas informações precisas para a imensa tela no palco, auxiliando na dramaturgia. E creiam, se encontram com os artistas no palco, como uma profecia.

Ao assistir à peça me questionei sobre muitas coisas. Uma delas foi: como eu não conhecia a Oficcina Multimédia?

O Grupo Oficcina Multimédia pertence à Fundação de Educação Artística desde 1977, quando foi criado pelo compositor Rufo Herrera no Curso de Arte Integrada do XI Festival de Inverno da UFMG. O espetáculo “Sinfonia em Ré-fazer” (1978) inaugurou a linguagem multimeios e, pela primeira vez, levou para o palco os instrumentos de Marco Antônio Guimarães (UAKTI) integrados ao texto, movimento e material cênico.

Desde 1983 sob a direção de Ione de Medeiros, o grupo mantém um permanente trabalho de corpo, voz, rítmica corporal e pesquisa de material cênico, no processo de elaboração de seus espetáculos.

https://oficcinamultimedia.com.br/v2/o-grupo-oficcina-multimedia/

Confesso que me senti envergonhada.

A segunda pergunta: quanto tempo esses artistas levaram para montar uma obra dessa?

Porque é uma sequência de teatralidade muito complexa. Aliás, o texto - por si só - é complexo. É preciso estar atento para entender as mazelas de Lúcia e as loucuras de sua irmã. E do marido, claro…

Duas atrizes protagonizam Alaíde: Priscila Nataly e Camila Felix. A dualidade, o espelhamento, é de uma precisão nada leviana. Impressionam quem as assiste. São PERFEITAS e corajosas, no sentido literal. Elas se jogam em macas, no chão com seus vestidos de noiva, que dão à plateia um belíssimo espetáculo visual. Belíssimo mesmo, pode-se dizer triunfal!

Porque é possível perceber que elas chegaram lá, entenderam os devaneios mais sensatos dessa dramaturgia.

O posicionamento dos copos são iguais, as falas no mesmo segundo, nada foge delas, tudo em um compasso complexo demais. Como conseguiram?

São textos fragmentados que saltam das bocas. As vozes se encontram no ar, provocando na plateia um choque do que se vê, do que se ouve.

Assim como a iluminação, nada over, apenas abrilhantando o que deveria ser foco.

Penso que peças de Nelson tinham de passar por um crivo para serem montadas, pois são sempre elogiadas, como essa obra.

O encontro da dramaturgia de Nelson com a montagem é belíssima. O grupo entendeu aquela sensação fúnebre. Afinal, enquanto as pessoas comentavam, em 1943, que o espetáculo era chulo ou vulgar durante os intervalos, outros diziam que era espírita, outros de uma pobreza nos diálogos, sem entenderem que o dramaturgo corria do parnasianismo e abraçava a escrita simples.

Nelson apenas dizia mais tarde à imprensa: “palpite não se discute”.

No entanto, a obra trata sobre a morte de Alaíde, as mazelas dos seres humanos.

Nelson adorava expor tudo que era abafado, todas as verdades da sociedade. Isso, em sua época, foi complicado e, muitas vezes, censurado. Ele não fazia um teatro europeu, mas sim do nosso cotidiano. Escrevia sobre os brasileiros! Em suas dramaturgias tinham negros bons (na época isso não podia acontecer...), havia gays e "mulheres da vida", ele pintava o ser humano sem esconder a vida devassa deles. Nelson gostava de apontar que as mulheres gostavam de sexo, que não éramos as santas que a sociedade queria que fôssemos, como nos pintavam. Ele esculachava a sociedade! Na verdade, ele não esculachava nada, apenas afirmava quem realmente éramos. Desnudava tudo.

Aliás, outro personagem brilhante foi da prostituta Madame Clessi, interpretado por Jonnatha Horta Fortes. Não houve erro por parte da direção em trazer o artista para esse papel. Um homem nesse papel foi uma sacada de mestre! Claro que não cairia como uma luva se não fosse a atuação do ator, que está sensacional. Inebriante!

Ione de Medeiros é responsável por (quase) tudo: figurino, cenário, direção e concepção. Eis aí uma mulher de talento. Abraçar todas essas rubricas não é para qualquer um(a)!

Penso que nunca irei esquecer aqueles vestidos brancos rodando em um banco, as mulheres/homens de véu preto, as atrizes se jogando no chão durante o atropelamento, elas em suas respectivas macas, rodopiando muitas vezes no palco, vestindo seus vestidos e a iluminação adequada enquanto tudo isso acontecia. O texto original, escrito em 1940, sendo levado para a plateia. E claro, o dinamismo das encenações. Minas Gerais tem tradição de teatro também, só que eu não imaginava tanto e nesse nível de loucura coerente e persuasiva.

Os profissionais mostraram que um cenário não precisa ser faraônico, mas sim ter objetos que tragam a verdade ao espectador e auxiliem na execução da obra teatral.

O projeto merece estar no palco do Centro Cultural do Banco do Brasil, ensinando e relembrando o maior dramaturgo desse país.

Ainda que eu assista outras montagens, sei que a Oficcina entendeu os fazedores de teatro de 1943, entenderam que inovar é necessário, que a audácia é pertinente quando falamos de Nelson e Ziembinski. Batata!

Sinopse

A peça conta a triste história de Alaíde que, após ser atropelada por um carro em alta velocidade, entra em estado de choque. Oscilando entre a vida e a morte, mesclando realidade, memória e alucinação, Alaíde busca reconstruir sua própria história com a ajuda da enigmática Madame Clessi. Mantendo a dramaturgia original da peça escrita na década de 1940 por Nelson Rodrigues, a montagem do Grupo Oficcina Multimédia incorpora soluções cênicas que colocam em diálogo simultâneo o teatro, o vídeo e o movimento coreográfico de cenário e objetos.

Ficha Técnica

Texto: Nelson Rodrigues (1943)

Direção, concepção cenográfica e figurino: Ione de Medeiros

Elenco: Camila Felix, Henrique Torres Mourão, Jonnatha Horta Fortes, Júnio de Carvalho, Priscila Natany e Victor Velloso

Elenco em vídeo: Alana Aquino, Heloisa Mandareli, Henrique Torres Mourão, Hyu Oliveira, Jonnatha Horta Fortes e Thiago Meira

Serviço

Centro Cultural do Banco do Brasil

Teatro II

Quarta a sábado 19h | Domingo 18h

R$ 30 (inteira) R$15 (meia-entrada)

Até 5 de novembro.

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