Quando penso em Elis Regina, penso no Brasil, penso que foram poucos que cantaram esse país como ela. Elis era de todos, ela é para todos…
Quando um musical completa 10 anos de existência, o que ele merece, no mínimo, é respeito. E quando ela defende um tema desse tamanho, somos obrigados a reverenciar a obra e rezar para que perpetue enquanto for necessário.
Sentada na poltrona H27 do Teatro Riachuelo, abrem-se as cortinas para um espetáculo que traz tanto de nós, traz tanto da nossa memória afetiva, que nos resta agradecer aos artistas em cena e todos aqueles que estão por trás dos bastidores também. Inclusive, o Diretor do Portal Eu, Rio!, Edison Corrêa, estava com sua mãe, Lourdes Corrêa, numa das poltronas atrás de mim. Ela acompanhou toda a carreira da "Pimentinha" e foi a shows dela. Que responsabilidade minha, portanto, fazer esta crítica!
Quando o espetáculo começou, parecia que eu tinha sido abduzida a vários outros espaços. Eu e as músicas da grandiosa Elis Regina. Consegui me ver ao lado da minha mãe cantando “Como Nossos Pais”, que ela adorava. Me vi também ao lado dos amigos cantando “Vou Deitar e Rolar” e me vi, faz pouco tempo, cantando junto a milhões de brasileiros “Deus Lhe Pague”. Lembrei da minha relação amorosa, com dezessete anos, ao escutar “Madalena”. Faltou somente a varanda onde eu gostava de tomar o meu vinho escutando Elis. “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá”: escutei muito durante a pandemia, jogando sinuca comigo mesma, em Saquarema, correndo do vírus que matava sem perdão! E tantas outras canções que nos levam a mergulhar em nossas histórias. Porque Elis faz parte de nossas vidas. Suas canções estão eternizadas, irão de geração em geração, pois são músicas de excelência, exprimem sentimentos e letras que falam à alma. São para além de uma música boa!
Elis era de todos, não tinha barreiras. “Black is Beautiful”! Ela apontou o homem negro sem amarras em seu repertório.
Cantou “Aquarela do Brasil” com um coro que entoava notas indígenas. Não há no país uma referência tão incandescente da música como Elis.
A atriz que encarna Elis Regina deu um banho de performance e voz. Já assisti algumas apresentações que traziam Elis Regina, mas confesso que quando a IMENSA Laila Garin traz à sua voz a música “Arrastão”, assim como suas expressões corporais, entendi porque o espetáculo foi sucesso em São Paulo. Laila é simplesmente um escândalo nessa atuação!
“É uma montagem grandiosa, digna dos maiores elogios, mas o centro de todas as atenções se volta para a interpretação de LAILA GARIN, que vive a personagem ELIS REGINA, com uma intensidade fantástica, uma entrega total”, diz o texto do crítico Gilberto Bartholo há dez anos. Chancelo suas palavras. Laila está para o vinho que, com o tempo, torna-se mais precioso!
“Dizer que ela está perfeita no papel ainda é muito pouco”. Mais uma vez, Gilberto previa o futuro!
Faz pouco tempo que a atriz fez a “Hora da Estrela”. Ela deu vida a Macabéa de Clarice Lispector, trazendo as canções de Chico César. Percebi que Laila é lindíssima e potente em todos os trabalhos que realiza. Mas posso dizer que, como Elis, ela parece chegar a um patamar pouco tangível.
Mais que isso: é entender que a atriz está dando a oportunidade de outra geração, de alguma forma, se aproximar da Pimentinha, como Elis era chamada pelo poeta Vinícius de Moraes. Eu não tive a oportunidade de assistir a um show da artista, mas vendo Laila, posso afirmar que a voz e todos os movimentos corporais marcados da Elis, seu jeito de falar, incluindo até mesmo suas palavras de baixo calão, acalentam o coração dos fãs. Principalmente, dar a oportunidade de ter um pouquinho a sensação de aproximação da artista, não mais presente entre nós, de corpo.
Foram muitos aplausos. A atriz foi ovacionada na noite de estreia. Mas não era para menos. O que Laila fez no palco faz a profusão de palmas serem mínimas.
Claudio Lins atua como um dos maridos de Elis, César Camargo Mariano. Confesso que não o reconheci. Ele está mais corpulento, ficou mais galã. Claudio, no teatro, é aquele artista correto, sem ser over. É gentil e elegante, sutil, com sua voz correta. Apenas traz mais perfeição à montagem. Ficou perfeito no papel. O mais interessante é que o pai do Cláudio compôs para Elis a canção "Madalena". A história viva da música que se encontra com o teatro. Lindo isso!
“Este já é um craque nesse tipo de espetáculo”, também crítica, há dez anos, o senhor Gilberto. Fato que Cláudio não perdeu seu posto!
Um dos grandes sucessos dessa época, e ao longo de toda a carreira de Elis Regina, foi a canção "Upa Neguinho", de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, que fez parte do musical "Arena conta Zumbi", dirigido por Augusto Boal, em 1965. E quem foi Boal? Um dos maiores diretores brasileiros de teatro. Nesse caso, senhoras e senhores, Elis tinha mais do teatro que podíamos imaginar. Seus movimentos no palco eram cênicos. Então, o teatro sempre será o lugar certo para fazer homenagens à artista.
Sobre FlávioTolezani, me surpreendi ao vê-lo no papel. Ele é um excelente artista de teatro e, nas últimas vezes que o vi, foram no "Sesc Ao Vivo", durante a pandemia. Muito bom vê-lo em cena no Rio de Janeiro. Ele é um mocinho imprestável, adorei o que assisti. Faz o papel do primeiro marido da Elis, Ronaldo Boscoli. Impossível não apreciar a performance, um estilo VAGABUNDO, muito bem elaborado. A cena de quando Elis joga os discos de Frank Sinatra dele no mar ficou incrível, pois nos remete a uma história contada pelo próprio Boscoli.
“Nossas brigas eram públicas porque éramos públicos. Nunca teve briga física em público. Ela me levava à exaustão, era como se me enfiasse uma broca na cabeça até o ponto em que eu teria que dizer: ‘vou te dar um tiro”. Era uma relação perigosamente deliciosa. Voava tudo pelos ares e, de repente, estávamos nos agarrando de paixão. Fazíamos coisas estranhas e bonitas. Entrei no casamento com cinco malas e saí com três. Uma ela queimou e a outra, cheia de discos do Frank Sinatra, ela jogou pela janela. Feito disco voador. Aconteceu depois de uma briga: ela foi para a sacada, de onde, com certa habilidade para arremessar, você acertava o mar. Foi uma chuva de Sinatra pela Niemeyer. Ela tinha um ciúme doentio do Sinatra, porque eu me identificava com ele.”
https://musicaemprosa.com/2018/11/11/sinatras-voando-pela-janela-ronaldo-boscoli-e-elis-regina/
Na cena, a atriz vestia uma indumentária que parecia veludo azul, com flores aplicadas e cabelos curtos. A atriz Laila ficou belíssima na cena.
O visagismo de Beto Carramanhos e o figurino de Marília Carneiro são deliciosos de se ver. Através deles entramos em uma cabine do tempo e nos encontramos com o time da Elis. Figurinos que despertam paixões, juro! Todos muito bem desenhados, nada discrepantes, nada bregas ou sem propósito. Aliás, o macacão final é um deslumbre!
“Fisicamente, ela não tem a menor semelhança com ELIS. Entretanto, graças a um belíssimo trabalho de visagismo, do craque BETO CARRAMANHOS, e de muita pesquisa quanto aos trejeitos da cantora, o público 'vê' a 'Pimentinha' em cena”. Nada mudou daquele olhar de Gilberto dez dez anos passados, só o tempo os deixou melhores.
A direção musical é belíssima, mas não vou deixar de ressaltar um detalhe: raramente vejo um coro de vozes masculinas nos musicais. Dessa vez foi tão bonito, forte, que me levou aos tristes anos de chumbo em que Elis atravessou. Excelente ideia da Claudia Elizeu.
Quanto à direção de movimento, basta falar o nome de Alonso Barros que a mágica acontece. É possível, durante todo o espetáculo, ver a Elis dos vídeos. Um trabalho excelente, que nos leva à artista, a maior e melhor intérprete da música brasileira! Alonso foi indicado a prêmios por um dos espetáculos mais belos que assisti nos últimos anos, "Funny Girl". Mais uma vez, ele soube trabalhar os corpos no palco com graça e muita maturidade.
“Há, entretanto, dentro da cabeça desse homem, uma usina de boas ideias, um potencial criativo tão grande, que podemos ter certeza de que, 'na próxima', ele irá nos surpreender e emocionar mais ainda”. Depois de dez anos, não podemos dizer que a crítica está passada, ela é como um relicário que Gilberto nos deixa para entendermos que "quem é rei não perde a majestade"!
O cenário casa-se com a iluminação de Marieta Spadua e Feliciano Malta. Canhões de luz e rajadas de iluminação que chegam a dançar no palco. A iluminação dentro dos cenários, a forma que deles. A luz explodia, às vezes em tom mais fechado e, outros, em tons mais abertos. Meio que trazia, ao espetáculo, a força e reconhecimento das músicas, como “Trem Azul”, cantada belíssimamente por Claudio Lins.
Encontrar Leandro Mello no palco foi sensacional. O artista é sempre inusitado e muito provocante em seus papéis. Chris Penna, um querido do teatro musical: delícia vê-lo atuando com toda a volúpia que possui, assim como Fabrício Negri. Artistas que estão aqui e em São Paulo por serem imensos com seus corpos e vozes.
Posso permitir falar sobre Guilherme Logullo, que assumiu a direção associada. O artista é um fera também, disciplinado e querido.
Como espectadora, só posso agradecer muito a esses artistas que me fizeram mergulhar em Elis Regina, que é um marco da nossa revolução, de alguma forma. Tenho a declarar que assistir cada um de vocês foi prazeroso demais, me levaram à alegria, à vida, à responsabilidade de quem sou na sociedade, me posicionando em questões políticas do meu país mais uma vez. Vocês contribuem para que sejamos, para além de um espectador teatral, submetidos a rever conceitos da vida através dos seus corpos e vozes. A emoção que vocês, artistas, sentem nos aplausos calorosos, são apenas o retorno da emoção que nos dão durante horas de um trabalho belíssimo e contundente. Tantas técnicas de teatro emanam, tudo muito bem-vindo nessa resenha. O amor ao que fazem, isso sim é o que nos impacta e o que nos faz dizer: que continuem trilhando e defendendo o teatro que tanto nos ensina e nos inspira.
Aos técnicos que seguram um canhão de luz e manejam uma mesa de inúmeros botões, a esses também segue o obrigada. À camareira que nos traz a Elis em “carne e osso”, a eles o “Redescobrir” é o mais apropriado.
"Como se fora brincadeira de roda
Jogo do trabalho na dança das mãos
O suor dos corpos na canção da vida
O suor da vida no calor de irmãos"
Quanto ao Dennis Carvalho, são anos dirigindo, trabalhando com os artistas teatrais, entendendo como deve ser. Fico pensando quanto conhecimento, quanta história vivenciada, quanta bagagem ele carrega. E de tanto carregar, aprender e ensinar, hoje colhe os frutos de mais uma vez brilhar…
Para sempre Elis, para sempre esses artistas e para sempre o teatro em que a Pimentinha também se rendeu!
Sinopse
O premiado espetáculo “Elis, A Musical” volta ao Rio de Janeiro em edição especial comemorativa de 10 anos Com produção da Aventura e patrocínio da Bradesco Seguros, a peça fica em cartaz entre os meses de novembro e dezembro, com texto de Nelson Motta e Patrícia Andrade e com Dennis Carvalho na direção. Sucesso de bilheteria visto por mais de 300.000 espectadores, o premiado espetáculo “Elis, A Musical”, volta aos palcos do Rio de Janeiro em uma edição especial comemorativa de 10 anos. As apresentações acontecem entre os dias 10 de novembro e 10 de dezembro no Teatro Riachuelo, no Centro do Rio. Os ingressos já estão disponíveis para o público.
Ficha Técnica
Elenco: Laila Garin (Elis Regina), Lílian Menezes (alternante Elis Regina), Flavio Tolezani (Ronaldo Boscoli), Claudio Lins (Cesar Camargo Mariano), Santiago Villalba (Tom Jobim e Luiz Carlos Miele), Fernando Rubro (Jair Rodrigues), Leandro Melo (Lennie Dale), Chris Penna (Seu Romeu), Pablo Áscoli (Henfil), Isaac Belfort (Marcos Lázaro), Aurora Dias (Dona Ercy), Fabricio Negri (Pierre Barouh), Bruno Ospedal (Nelson Motta), Joyce Cosmo (personagens femininos) e Adê Lima (personagens masculinos).
Direção: Dennis Carvalho
Texto: Nelson Motta e Patrícia Andrade
Diretor Associado: Guilherme Logullo
Direção Musical e Arranjos: Claudia Elizeu
Direção de movimento e coreografia: Alonso Barros
Cenografia: Marieta Spada
Figurino: Marilia Carneiro
Visagismo: Beto Carramanhos
Desenho de Luz: Feliciano Mafra
Desenho de som: Gabriel D’angelo e Joyce Santiago
Direção de Produção: Bianca Caruso
Direção artística e produção geral: Aniela Jordan
Direção de negócios e marketing: Luiz Calainho
Serviço
Temporada: 10 de novembro a 10 de dezembro
Teatro Riachuelo - Rua do Passeio, 40, Rio de Janeiro
Plateia Vip - R$ 200
Plateia - R$ 170
Balcão Nobre - R$ 150
Balcão - R$ 50
Duração: 2h20 minutos (15 minutos de intervalo)