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"Latitudes dos Cavalos": uma dramaturgia com análise das relações

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 05/12/2023 às 13:50:27

Muitas vezes tento entender a coragem dos jovens artistas ao se atirarem de um precipício, pois ir para o palco sem patrocínio me parece isso. Mas entendo um pouco dessa paixão (risos). Ela é voraz, faz com que nos comportemos como loucos e insensatos. Quem nunca sucumbiu nesse vendaval de emoções? Quanto às minhas experiências, afirmo que essas paixões são guardadas em minha memória afetiva, quando - de alguma forma - fogem da gaveta e me fazem rir dos melhores devaneios por mim cometidos.

Percebo que os jovens artistas futuramente viverão o que vivo hoje, porque cada passo dado fará parte de suas histórias, mesmo quando desenfreados pela paixão. As perdas e vitórias fazem parte do nosso crescimento. E, no caso deles, já levaram um prêmio e indicações. Tudo fruto da coragem e do amor pelo ofício árduo que abraçaram!

Assisti um espetáculo que não posso deixar de pontuar sua importância. Por que? Porque vi uma plateia de jovens, o que não é costumeiro de se ver, senhores e senhoras! Esses são os futuros espectadores e precisam ser regados para que floresçam amanhã. Isso seria suficiente para que eu escrevesse. Não existe teatro sem plateia!

No entanto, não é só isso que a obra apresenta. Há uma técnica muito bem trazida ao trabalho artístico da montagem. A começar pelo produtor Renan Fidalgo, que produziu também a artista Luciana Braga no espetáculo "Judy Garland". Por aí já percebemos que o trabalho é tratado por mãos potentes. Mas isso também não seria o suficiente para uma escrita que fala à sociedade, induzindo a assistir uma obra. O produtor poderia acertar em um e errar no outro. Isso acontece e é normal, ninguém é obrigado a acertar sempre.

Mas falo de uma técnica apurada, nada pueril. Falo da direção artística e também da direção de movimento, que são fantásticas. São dignas e palmas. Posso dizer sofisticadas.

O texto é de Gabriel Flores, que também está no elenco. Uma dramaturgia sem apelos, não toca o coração, não vai te levar às lágrimas, no entanto vai provocar análises bem interessantes quanto às relações que vivemos: até onde ela é tóxica? Até quando nos permitiremos estar dentro desse redemoinho sem soluções? Embora dois homens se beijem em cena, o espetáculo não apresenta um tema LGBTQI+. No entanto, contribui muito a favor da luta contra o preconceito. Afinal, que problema há em um beijo entre homens? São dois artistas no palco que discutem suas relações heteroafetivas. Dois homens se encontram, falam sobre os pormenores de suas vidas e resolvem ensaiar o término de um casamento.

"Latitudes dos Cavalos". Que sacada genial do dramaturgo! Se os dois personagens estão descontentes com o desdobramento de suas relações e, de alguma forma, precisam se libertar para que sobrevivam, seja até mesmo emocionalmente, as latitudes dos cavalos explicax. Essa era a forma de jogar ao mar os cavalos para que as viagens a bordo continuassem. Não é fácil deixar para trás relações, mesmo quando a chama da paixão está apagada. Existem histórias e momentos que guardamos e isso dói ao entendermos que é preciso deixá-las no passado para seguirmos. É um dos melhores enlaces escritos que já assisti.

Os artistas se complementam no palco. Se um ator carrega uma atuação mais densa (Gabriel), o outro, Danilo, traz dinamismo, movimento. Isso não deixa que a montagem caia na monotonia. Aliás, Gabriel Flores é um artista que o diretor faz brotar qualquer atuação, isso está evidenciado. Ambos os artistas nos trazem uma sensação de frescor. Danilo faz um trabalho corporal pesado. Acredito que, ao final do espetáculo, ele esteja "morto", a julgar pelas voltas e movimentos no palco. A direção de movimento é de Soraya Bastos, que não peca. Incrível seu olhar e criatividade! Sem ela, o espetáculo não seria o mesmo, muito raro esse reconhecimento.

Figurinos bem simples, assim como o cenário, que resume-se em fumaça, luz e cadeiras.

Eu percebi muita força desse teatro que é independente, uma técnica apurada que envolve a plateia. Em um determinado momento, era possível ouvir até mesmo as asas de um mosquito. Mas até o inseto seria seduzido pelo espetáculo e deixaria de lado suas asas...

Quase ao final da peça, uma música na voz de Maria Bethânia é levada ao palco. Os artistas a complementam com uma dança belíssima, que sintetiza o que pode ser uma relação. Quando não há equilíbrio, fica impossível continuar. É preciso que ambos estejam na mesma direção, com o propósito que seja, no mínimo, equivalente. Belo ato!

Eles estão na sua sexta temporada sem financiamento. Isso merece meu curvar, porque é preciso muita coragem. Digo mais: assim como eles, nesse ostracismo midiático que se encontram, temos Luiz Machado com "Artimanhas de Molière" e Cristina Mayrink com "O Som e a Fúria de Lady Macbeth".

O teatro e esses artistas que mencionei tem me afastado da religiosidade. Não da minha convicção em Deus, mas sim das nada sagradas devoções a credos que em nada me convencem. Desconheço artistas de teatro que pegam jatos e vivem mostrando ostentação. Eles são acessíveis, trabalhadores, ainda que já reconhecidos. É o caso de Paulo Moraes, da Cia Armazém, que porta de uma simplicidade refinada e invejável por não se vangloriar do tamanho do seu entendimento cênico, que não é pequeno. Todos esses os quais escrevi e os jovens do "Latitudes dos Cavalos" me ensinam, a cada dia, com a mais bela expressão, o verdadeiro sentido da fé.

Que voltem sempre aos palcos!

Sinopse

O espetáculo narra o encontro entre dois homens em conflitos amorosos: um deseja terminar um relacionamento falido, enquanto o outro busca reconquistar aquela que ele jura ser o amor de sua vida. Ao se conhecerem em circunstâncias inusitadas, os dois selam um acordo para se ajudar e passam, então, a interpretar cada um a mulher do outro, numa tentativa de ensaiar o que irão falar para elas. À medida que a relação entre os dois avança, os ensaios e as memórias do passado se embaralham para colocar em xeque as suas certezas e elucidar futuros possíveis, enquanto características elementares do universo masculino são expostas em cena.

Ficha Técnica

Elenco: Danilo Maia e Willean Reis

Stand-in: Gabriel Flores

Direção e Dramaturgia: Gabriel Flores

Direção de Produção: Renan Fidalgo

Produção Executiva: Gabrielle Novello

Iluminação: Paulo Denizot

Supervisão de Movimento: Soraya Bastos

Diretor Assistente: Gabriel Papaleo

Direção de Arte: Larissa Alpino

Trilha Sonora Original: Gabriel Papaleo

Realização: RG Cultural

Assistente de produção e administrador de temporada – Marcus Vinícius de Moraes


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