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"Pierrô do Méier": uma obra que merece ser vista e aplaudida de pé

Olhar Teatral, Por Paty Lopes, Crítica Teatral

Em 11/12/2023 às 07:46:57

Um artista e diversos personagens, poucos elementos que geralmente são utilizados no teatro e uma obra extremamente prazerosa de assistir.

Não sei por qual motivo o teatro não estava cheio, mas deveria. No Teatro Glauce Rocha, na frente do metrô da Carioca, em temporada, está "Pierrô do Méier", uma obra que merece ser vista e aplaudida de pé.

“Pierrô do Méier” aborda questões retratadas por Nelson Rodrigues nos anos 1950, que continuam em evidência nos dias de hoje, como a pretensa superioridade do sexo masculino, a desvalorização do desejo feminino, a violência contra a mulher e a criminalização do aborto. “Nelson Rodrigues foi um grande escritor e nos deixou uma obra muito extensa, em que considerou aspectos relevantes da alma humana. Nosso objetivo neste espetáculo foi valorizar aspectos positivos e românticos de personagens e situações rodrigueanas. Procuramos mostrar que o ser humano pode tropeçar e cometer erros, mas com a perspectiva de melhorar na vida e conquistar seus objetivos. Acreditamos que a vida tem seus percalços mas que ainda podemos ser felizes. Talvez por isso, a crítica Tânia Brandão tenha dito que ‘Pierrô do Méier’ é um espetáculo que faz bem para as agruras da alma”, explica Paulo Trajano.

As três crônicas têm um fio narrativo único, praticamente sem intervenções sonoras, em uma encenação camerística com poucos elementos cênicos. Para a pesquisadora Carmem Gadelha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), “o espetáculo cria a sensação no espectador de olhar pelo buraco da fechadura, mas é também exuberante e transborda em teatralidade”.

Primeiro, impossível não falar sobre os textos do Nelson Rodrigues, que são sensacionais. Nenhum outro dramaturgo alcança a magnificência de escrever uma história com tamanha visceralidade. O tempo passa e não vemos no mercado nada que se pareça com as histórias de Nelson. Às vezes, tenho a sensação que estou com um amigo, ouvindo uma história, algo da vida, algo natural. São de uma grandiosidade e naturalidade ímpares. Nelson me dá a sensação de estar narrando um fato ao vivo. Ele traz tanta verdade que, às vezes, o imagino em uma janela, ainda que indiscreta, observando as histórias alheias. Incrível é o senhor Nelson Rodrigues! Embora não esteja entre nós, sua essência sempre estará, sua dramaturgia o mantém vivo entre nós, nos fazendo rir e, muitas vezes, não acreditar em sua forma demasiadamente perfeita de nos retratar.

O visceral artista desse monólogo, Paulo Trajano.

Ator formado pela Casa das Artes de Laranjeiras (CAL) e pela Faculdade de Dança Angel Vianna (FAV). Mestre em Teatro pela Uni-Rio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro). Pós-graduado em Estudos Avançados em Dança Contemporânea pela UFBA/FAV. Estudou na Escola de Mímica Corporal Dramática de Paris, onde trabalhou com a Companhia Théâtre de L’ânge Fou, apresentando-se nos EUA, na Alemanha, na Holanda e na França. No Brasil, alguns de seus importantes espetáculos como ator foram “Os possessos” (1987), direção de Bia Lessa; “Na solidão dos campos de algodão” (2001), direção de Paulo José; “Pedras nos bolsos” (2012), direção David Herman; “Cauby! Cauby! Uma lembrança...” (2018), direção de Diogo Vilela e Flávio Marinho; “A verdade” (2019), direção de Marcus Alvisi. “Pierrô do Méier” (2023), direção Elena Gaissionok. Em 2018, estreia como diretor com o espetáculo “Amar é o crime perfeito”. Desde 1994 trabalha como professor na Faculdade e Escola Angel Vianna e no Instituto e Faculdade CAL de Artes Cênicas.

Raramente eu faço essa menção quanto ao conhecimento e experiência de um artista, mas essa servirá para chancelar cada palavra que eu direi a respeito dele.

Temos uma obra que seduz, tem um encantamento genuíno, nos conectamos a uma contação de história de alto nível. Paulo Trajano não erra, não tem um arranhão, é imaculado. Ele chega ao palco cantando e assim começa a desbravar os textos do intenso Nelson, mas não o faz de qualquer forma. Confesso que quando as cortinas foram abertas, com um cenário que não me chamou atenção, falei para mim mesma: que o sono não me tome, Senhor!

E não me tomou! Porque Trajano tinha em mãos uma excelente dramaturgia e dele flui artes cênicas de valor, daquelas que não se esquece. Eu já tinha sido orientada pelos colegas para assistir a obra, mas não esperava que fosse tão bem-vinda, que fosse um desaguar de bom-senso do artista de teatro. Trajano chora, faz performance de mulheres diferentes, de cachorro, de homens machistas e cada personagem com singularidade. Mudava alguns objetos de cena para algumas construções de seus personagens, às vezes o próprio paletó, que transforma em um vestido para trazer ao palco uma mulher com um vestido de ombros desnudos. Seu corpo se movimenta, sem ser chato ou extrapolar, sem ser repetitivo. Seu tom de voz atua junto ao corpo e aos personagens. Meu Deus, que sorte a minha conhecer Trajano!

Um refinamento que não poderia ser diferente. Estamos falando de um professor, a ele toda a minha reverência! Amo professores e também amo teatro. Portanto, senhores, impossível não me deixar levar por esse imponente artista de teatro.

Quase uma hora e vinte minutos de obra que passam sem que a gente note. A plateia mantém-se quieta, ouve-se apenas os risos e os olhos que se deleitam no palco. Muito lindo de se ver! Aliás, isso deveria ser filmado para que o artista pudesse entender o tamanho da sua força hipnotizadora.

A diretora Elana apenas afirma a teoria de Bibi Ferreira, que dizia: "o teatro nunca vai acabar, porque ele é simples". E Elana soube, de fato, identificar a oportunidade de fazer um espetáculo riquíssimo com pouco.

Sem sonoplastia, sem um cenário faraônico, mas com objetos e pequenos móveis que servem o ator em sua performance. Figurino simplório, mas um artista de palco inesquecível.

É possível ver Nelson através do seu português notório, aguçado e debochado do dia-a-dia da sociedade.

O texto teria tudo para ser chato, monótono. Mas não, pois o artista exala vida e entende bem de jogos cênicos. Não sei de qual fonte ele bebeu, mas uma coisa afirmo: foi água da vida, ou melhor, da inquietante vida.

Ele muda de uma personagem para outra através da voz, da expressão facial e corporal, e o faz com perspicácia. Há competência de sobra.

Eu gostaria de saber mais sobre a obra, sobre os ensaios, sobre esse trabalho tão preciso. Penso que todos os artistas deveriam assistir Paulo Trajano. Mesmo diante de tanta educação, tanto conhecimento, porta de simplicidade, um artista com um olhar manso e palavras dóceis para nós que nos aproximamos. Acho que não mais esquecerei Paulo Trajano, que traz na alma a essência e o conhecimento do que realmente é teatro para todos! Um teatro elegante, com um texto feito para todos, trazendo democracia, acessibilidade de entendimento!

Muito obrigada, professor, você foi uma surpresa muito bem-vinda na minha noite de quinta-feira. Meus colegas estavam certos: eu realmente precisava te assistir para entender mais uma vez o que é o teatro!

Ficha Técnica

Autor: Nelson Rodrigues

Direção: Elena Gaissionok

Atuação: Paulo Trajano

Cenografia e figurino: Elena Gaissionok e Paulo Trajano

Iluminação: Thales Paradela

Programação visual: Aline Assumpção

Fotografia: Renato Neto

Direção de produção e produção executiva: Cláudio Calixto

Serviço

“Pierrô do Méier – 3 crônicas de Nelson Rodrigues”

Temporada: Até 28 de dezembro

Local: Teatro Glauce Rocha

Endereço: Av. Rio Branco 179 – Centro - RJ

Sessões: quartas e quintas, às 19h

Capacidade: 204 lugares

Duração: 70 minutos

Classificação etária: 16 anos

Ingressos: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia)

Vendas na bilheteria do teatro e no site da Sympla (https://www.sympla.com.br)

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