"Feio" é o nome deste espetáculo, que também não está mais em temporada, mas que precisa voltar o quanto antes! Às vezes, tenho a sensação que estou vivendo entre pessoas com algum problema mental, algum déficit. Vivem como robôs, apegados aos seus celulares, sem que tirem dessa incrível tecnologia ferramentas de desenvolvimento.
Por exemplo, o que seria de mim sem o santo Google? Muitas vezes, as pesquisas são feitas através dele, otimizando meu tempo. Eu adoro essa ferramenta para o trabalho que desempenho. Todas as pessoas que pesquisam entendem a maravilha do santo Google. Com os devidos cuidados, claro!
No entanto, o espetáculo "Feio" aborda o que realmente deve ser abordado. Como as pessoas se desconectaram do outro e se conectaram a um aparelho. Se jovens artistas conseguem ver isso como uma agressão, imagina eu vivendo meu meio século?
É feio demais chegar a um restaurante e ver um grupo de pessoas na mesma mesa sem trocar uma palavra. Famílias inteiras conectadas a um aplicativo, ou como idiotas tirando fotos dos seus pratos, como se fosse importante postar um pedaço de carne. Gente, percebo que estamos perdendo o bom senso…
Cinco jovens artistas no palco. Entre eles não há um diferencial. Todos eles estão banhados na comicidade, no ato de atuar. São potentes em seus corpos, em seus tons de voz e na forma de fazer teatro. Há elegância em suas posturas. Claro que existem elementos de teatro magníficos que atuaram com a mesma relevância, mas tenho que dar aos jovens artistas o lugar de destaque. A Breno Paraizo, Caio Passos, Fábio Lacerda, Helena Marques e Reinaldo Dutra, meus mais sinceros agradecimentos por atuarem com tanto esmero.
Quanto ao texto de Cecília Ripoll, o que tenho a dizer? Durante a pandemia, o Sesc Copacabana ofereceu um curso sobre dramaturgia, onde apresentei meu primeiro texto, "Luz & Fogo", que traz a vedete Luz Del Fuego. Foi premiado pela Prefeitura do Rio. Cecília mergulha em todos os devaneios possíveis, a meu ver, para executar seus textos. Isso está evidenciado nessa dramaturgia. Posso dizer que não imaginaria um assunto tão batido ser montado com tamanha peculiaridade, onde a inteligência se põe à disposição das palavras. O texto é repleto de sagacidade. É compreensível para todos, o que admiro da parte de um autor, porque entendo sobre um país pouco educado, na acepçãoda palavra "Educação" mesmo. Maravilha textual é o que posso dizer de "Feio"!
A iluminação da Ana Luzia Simoni é perfeita. O convite para assistir ao espetáculo veio dela. Já agradeci e aproveito para agradecer mais uma vez. Ana já sabe que não precisa dos meus textos para “avaliar” seus feitos. Ela já sabe qual é o meu olhar para toda sua criatividade artística. Ela é filha de Aurélio Simoni, um grande iluminador. Ele defende a profissional, reconhecendo os feitos da filha e vê nela um diferencial, com uma identidade independente. Posso dizer que, quando admiramos nossos pais, nos espelhamos neles. Afinal, Ana sabe colher com maestria o que precisa ser colhido. Certamente colheu do pai e dos grandes iluminadores da geração anterior, o trabalho dela. Soube tirar o que lhe era interessante. Não espero de Ana nada mais que o assertivo, pois a cada espetáculo mostra sua capacidade no que faz.
Quanto ao figurino, Tiago Ribeiro foi exímio. Os artistas se movimentam muito no palco, as indumentárias precisavam entender esses movimentos. E deu certo! Em relação às cores, também merecem relevância, tudo monocromático. Muito bom gosto. Acho que combinou muito com esse universo tecnológico. Os tecidos também trazem movimento ao espetáculo.
Posso dizer que o texto tem uma pegada da Família Jetsons, um desenho do final da década de setenta e também do eterno Patinho Feio. Sobre o primeiro, lembro que a dramaturgia acontece em um seio familiar; no segundo, temos uma criança que parece ser totalmente dispensada por um telefone celular. Aliás, é o "carrapato" que está na maioria das mãos das pessoas na maior parte do tempo…
Achei muito interessante uma das cenas. É quando a criança chama a atenção dos pais, que gastam a maior parte do tempo com os olhos no aparelho. Incrível essa informação! Embora o espetáculo conte com a comicidade, fato é que existem mensagens muito precisas no palco.
Helena Marques assina a direção artística. A meu ver, afirma um trabalho prodigioso, assim como a direção de sonoplastia de Breno Paraízo.
Um espetáculo interessante e muito bem montado, com um tema relevante para os dias atuais. As escutas precisam estar abertas para que a mensagem reconstrua um comportamento mais saudável entre nós. Um tema pouco abordado, saindo do "mais do mesmo" que assistimos nas salas teatrais.
O projeto foi patrocinado pelo Foca, edital cultural do município da cidade do Rio de Janeiro. E dou parabéns por isso
Sinopse
"Feio" é um retrato de nossas angústias humanas, fugas da realidade e relação com a tecnologia, com muito humor, estranheza e, paradoxalmente, beleza. O espetáculo convida o espectador a usar sua imaginação para mergulhar nessa realidade distópica e refletir sobre temas contemporâneos de maneira inesperada. A plataforma, recurso cênico de espaço reduzido usada em Hominus Brasilis, não está presente, mas seus princípios aparecem desdobrados e amadurecidos. A montagem fará ainda duas apresentações no Espaço Akros em Niterói, no dia 9 de dezembro, às 16h e 19h. Feio foi contemplado no edital Fomento à Cultura Carioca – FOCA, da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Secretaria Municipal de Cultura.
Ficha Técnica
Idealização: Breno Paraizo, Caio Passos, Fábio Lacerda, Helena Marques e Reinaldo Dutra
Direção Geral e Artística: Helena Marques
Dramaturgia: Cecilia Ripoll
Direção de Produção: Bárbara Galvão, Carolina Bellardi e Fernanda Pascoal (Pagu Produções Culturais)
Coordenação de Projeto: Breno Paraizo
Elenco: Breno Paraizo, Caio Passos, Fábio Lacerda e Reinaldo Dutra
Atuação no Prólogo: Helena Marques
Colaboração Artística: Matheus Lima
Direção Sonora: Breno Paraizo e Helena Marques
Trilha Original: Breno Paraizo
Cenário: Helena Marques
Figurino: Tiago Ribeiro
Iluminação: Ana Luzia Molinari de Simoni
Costura: Ateliê das Meninas (Maria)
Cenotecnia: Cabeção
Operação de luz: Diego Diener
Operação de som: Helena Marques
Produção Executiva: Fernando Queiroz
Realização: Dobra