O Município do Rio deixou de investir mais de R$ 1,5 bilhão na área da Saúde, nos últimos três anos, conforme informado à Justiça pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPRJ) e pelo Ministério Público estadual (MPRJ). Em ação coletiva que aponta redução, bloqueio e remanejamento indevido de verbas na pasta já de quase R$ 1 bilhão só em 2019 (foram R$ 995.535.618,56 esse ano), as instituições requerem a condenação do Município à adoção de uma série de medidas de urgência visando evitar a paralisação da rede.
A ação foi movida na manhã desta quarta-feira (11) e apresentada à imprensa em entrevista coletiva na sede da DPRJ. Entre as providências destinadas à regularização da situação nas unidades de Saúde, a Defensoria e o MPRJ requerem a criação imediata de um gabinete de crise intersetorial e interinstitucional (interagindo com as Organizações Sociais e com a RioUrbe, a RioSaúde, a Comlurb e demais pastas do setor) para funcionamento ininterrupto até que sejam superados os problemas decorrentes da crise como, por exemplo, restrições e suspensão de serviços, bloqueio e fechamento de leitos, interrupção no fornecimento de medicamentos e outros.
À Justiça as instituições requerem também um plano de contingência voltado à execução de ações emergenciais destinadas ao funcionamento adequado e contínuo das unidades municipais de saúde e, ainda, à contenção dos impactos da crise na população. Em estudo realizado com base nos dados divulgados pela prefeitura, a Defensoria e o MPRJ observaram que houve retirada indevida de recursos da saúde nos últimos três anos e que, em 2019, foram contingenciados indevidamente pela prefeitura R$ 710.748.795,00 da Lei Orçamentária Anual (LOA); R$ 279.035.768,67 referentes a remanejamentos para outras pastas e R$ 5.751.054,89 em relação às ações sem empenho (ou seja, são ações que, mesmo sem contingenciamento ou até com aumento de dotação orçamentária, não realizaram qualquer empenho durante o ano).
"Em suma, se verifica que o Município do Rio, além de reduzir a dotação destinada à saúde na LOA, vem se valendo ainda de inúmeras manobras de flexibilização do orçamento que remanejam os recursos para setores não prioritários, como encargos especiais, atenta contra a segurança e o devido processo legal do processo orçamentário e frustra os reais objetivos do orçamento à luz da Constituição, qual seja, concretizar prioritariamente os direitos fundamentais, sobretudo o direito à saúde e à própria vida. Como já repetiu diversas vezes o Supremo Tribunal Federal, não é lícito ao Poder Executivo manipular a sua atividade financeira para criar um cenário falso de escolhas trágicas que revele o ilegítimo, arbitrário e censurável propósito de frustrar e inviabilizar condições mínimas de existência à população", destaca a coordenadora de Saúde e Tutela Coletiva da Defensoria, Thaísa Guerreiro.
A Ação Civil Pública requer ampla publicidade ao Plano de Contingência e o informe diário do Município, à Defensoria e ao MPRJ, sobre as unidades de saúde com restrição, suspensão ou paralisação no atendimento, identificando o motivo e as medidas adotadas para o restabelecimento célere dos serviços. Foi requerida também na ação a publicação nos meios oficiais pelo Município, com antecedência mínima de 30 dias e em linguagem de fácil compreensão pelo cidadão, dos motivos referentes à implementação de qualquer decisão de bloqueio, contingenciamento, cancelamento ou outra forma de restrição ou limitação ao poder de gasto e ao repasse de recursos relativos a ações e serviços públicos de Saúde ou a qualquer ação ou programa previsto no Plano de Saúde, na Programação Anual de Saúde ou na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Crise começou em 2017
De acordo com a Ação Civil Pública, o Município do Rio de Janeiro ignorou decisão judicial de 2017 (atualmente em fase de execução) que, diante de situação similar levada ao Judiciário pela Defensoria naquele ano, classificou o contingenciamento na saúde como indevido e determinou a alocação de novos recursos para evitar a paralisação dos serviços. O mesmo problema ocorreu em 2018, e a Defensoria Pública ajuizou outra ação coletiva diante da crise. No momento, os autos encontram-se suspensos para tentativa de acordo com o Município.
Com significativa redução no orçamento da saúde nesses dois anos e também em 2019, a Defensoria e o MPRJ constataram a gravidade da situação atual em razão da desconfiguração do setor pelo Poder Executivo municipal, “de forma abusiva e unilateral, sem qualquer motivação e em nítido retrocesso e total descompasso com a Constituição”. As instituições apontam que houve também desrespeito pelo Município ao processo orçamentário e à “força normativa da lei orçamentária” pela realização de novo contingenciamento “desproporcional” no setor já em fevereiro de 2019. Na ocasião, R$ 416 milhões (78% do contingenciamento total) foram remanejados, inclusive, para setores apontados como não prioritários.
“Não há dúvida de que agora as dificuldades da rede municipal de Saúde alcançam o seu ápice, beirando ao colapso. Ao contrário do preconizado pela Constituição Federal, grande parte dos serviços de todos os níveis de atenção da rede municipal de saúde funciona precariamente. A atenção básica, com equipes e coberturas reduzidas e missão desconfigurada abruptamente no início de 2019, funciona desabastecida, sem resolutividade, com um pronto socorro de baixa complexidade que não se presta às suas importantes funções de prevenção e promoção da saúde. O resultado é o agravo das condições de saúde e o aumento vertiginoso da demanda nos serviços de urgência e emergência, conduzindo à cruel superlotação tão combatida e que vinha sendo superada nos anos anteriores a 2017”, destacam as instituições na petição inicial da ação.
Vistorias também dimensionam o impacto da crise
Vistorias realizadas pela Defensoria e o MPRJ mostram ainda os impactos da redução de verbas na Saúde em unidades como os Centros de Emergência Regional (CER) Santa Cruz, Realengo e Centro e nos hospitais municipais Pedro II, Albert Schweitzer, Souza Aguiar e Salgado Filho. Nas unidades, foram identificados problemas como insuficiência de leitos, superlotação das emergências, incidência de óbitos, desabastecimento expressivo de insumos e medicamentos, além de suspensão de cirurgias eletivas.
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