Pesquisa inédita sobre a expansão das organizações criminosas no Rio de Janeiro mostra que as milícias já controlam 25,5% dos bairros do Rio, totalizando 57,5% da superfície territorial da cidade. Os números são de 2019 e impressionam pelo rápido crescimento do grupo, que só começou a se articular no início dos anos 2000, enquanto o Comando Vermelho, que hoje ocupa 24,2% dos bairros, e outras facções como o Terceiro Comando (8,1%) e Amigo dos Amigos (1,9%) já estavam formados desde o início da década de 90.
Fruto de convênio entre o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI/UFF), o datalab Fogo Cruzado; o Núcleo de Estudos da Violência da USP; a plataforma digital Pista News e o Disque-Denúncia, o Mapa dos Grupos Armados do Rio de Janeiro foi coordenado pelos pesquisadores Daniel Hirata, Maria Isabel Couto, Renan Silva, Erik Gomes Nieto e Walkir Alexandre Toscano de Brito. Ouça o depoimento do professor Daniel Hirata, do GENI/UFF, no podcast do Eu, Rio! (eurio.com.br)
O mapeamento mostra que o poderio das milícias é maior que o de todas as facções juntas quando analisada a extensão territorial. São 686,75 quilômetros quadrados, equivalente a 57,5% do território da capital, nas mãos da milícia. Comando Vermelho, Terceiro Comando, e ADA têm, respectivamente, 11,4%; 3,7% e 0,3% desse domínio. Pouco mais de um quarto do território (25,2%) ainda está em disputa.
Quanto ao número de habitantes, também é a milícia que detém um universo maior de cariocas: são 2.178.620 habitantes nos bairros sob seu domínio, equivalente a 33,1% da população. Já as facções do tráfico seguem a seguinte ordem: CV, com 1.198.691 (18,2 %); Terceiro Comando, com 337.298 (5,1 %); e ADA, com 48.218 (0,7%). Quase metade da população carioca 2.659.597 de habitantes (41,4%) residem em territórios ainda disputados pelas organizações criminosas.
Na Região Metropolitana, o quadro não é muito diferente. As milícias detém o controle de 199 bairros (21,8%), ante a 216 (23,7%) do CV; 27 do Terceiro Comando (3%) e três da ADA (0,3%). Outros 165 bairros (18,1%) permanecem alvo da disputa dos grupos armados.
Considerando o número de habitantes, mais uma vez, a vantagem é dos milicianos, com 3.603.440 moradores no território sob seu domínio (29,2%). O Comando Vermelho tem hegemonia em uma área formada por 2.981.982 moradores (24,2%); seguido do Terceiro Comando, com 445.626 (3,6%) e ADA, com 48.232 (0,4%). Pouco mais de 4,4 milhões de fluminenses residem em bairros que ainda são alvo de disputa (36,2%).
Disputa por bocas de fumo deu lugar a controle de água, luz, gás e internet
O mapa chama a atenção para a mudança no cenário do crime no estado. Se antes a questão estava centrada nas disputas territoriais entre facções do tráfico de drogas e os tiroteios entre esses grupos e a polícia, hoje o cenário é bem diferente.
“Segundo o mapa, as milícias também entram em disputas territoriais violentas e atuam em territórios cada vez mais extensos, onde controlam esses bairros ilegalmente, cobrando taxas extorsivas sobre os mercados de serviços essenciais como água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança, além do mercado imobiliário”, ressalta Daniel Hirata. Tais controles são exercidos de maneira arbitrária, através da coerção pelo uso da força bruta.
Para chegar aos resultados apresentados no estudo, os pesquisadores tiveram acesso a um total de 37.883 denúncias (que mencionam milícias ou tráfico de drogas) recebidas pelo Disque Denúncia. A partir daí, seguiu-se uma triagem para validação, compondo uma base própria posteriormente classificada segundo o controle dos principais grupos armados do Rio de Janeiro: Comando Vermelho, Terceiro Comando, Amigos dos Amigos e Milícias.
Para definir o controle de cada grupo armado sob uma determinada área, foi criado um “dicionário” de termos presentes nas denúncias e, em seguida, definidos três critérios agregadores desses termos: controle territorial, controle social e atividades de mercado. “A combinação destes critérios permitiu que os pesquisadores pudessem caracterizar determinada área como controlada por um dado grupo armado”, explica a pesquisadora Maria Isabel Couto.
Fonte: Observatório da Cidadania