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Cinco anos sem inquérito

Defensoria cobra da Comissão Interamericana de Direitos Humanos investigação sobre chacina no Salgueiro

Operação da Polícia Civil e do Exército em São Gonçalo, durante a intervenção federal na segurança pública em 2017, causou oito mortes


Oito corpos foram resgatados por moradores em matagais no Complexo do Salgueiro, sem armamento. Foto: Agência Brasil

O Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria Pública do Rio solicitou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) reunião de trabalho para insistir na admissibilidade de investigação internacional sobre a operação conjunta da Polícia Civil e do Exército no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, em novembro de 2017, durante a intervenção federal no Estado, e que resultou na morte de oito pessoas. O caso nunca foi levado à Justiça brasileira.

No ofício encaminhado à secretaria executiva da CIDH, o coordenador do Nudedh, André Castro, a subcoordenadora, Maria Julia Miranda; e o defensor Luis Henrique Zouein destacam que a solicitação “tem como fundamento a persistência das graves violações de direitos em operações policiais, bem como a omissão do Estado Brasileiro em apurar as responsabilidades de forma adequada e compatível com os tratados e normas internacionais”.

Menos de seis meses após a operação policial no Complexo do Salgueiro, a Defensoria do Rio ingressou, em 2 de abril de 2018, junto à comissão, sediada em Washington, EUA, com petição sobre a chacina (Caso P-1094-18), até hoje não apreciada. A reunião de trabalho em favor da admissibilidade da investigação, se acatado o pedido recém-encaminhado pela Defensoria, se dará durante o 187º Período de Sessões da CIDH, entre 10 e 21 de julho próximo.

Entre os argumentos apresentados quanto à pertinência do Caso P-1094-18, o Nudedh menciona que “o Estado Brasileiro, por meio de seus agentes públicos, violou os preceitos contidos na Convenção Americana sobre os Direitos Humanos e em outros instrumentos internacionais”; “gravidade, persistência e impunidade das violações”; “clara ausência de vontade dos agentes envolvidos em cumprir as normas de direitos humanos protetoras da vida e da integridade física e psíquica em operações policiais”; “existência de provas de que as versões das vítimas não foram consideradas”; e “necessidade de garantir o acesso e a capacidade de agir das vítimas e de seus familiares em todas as etapas das investigações”.

Apuração das mortes parou na fase inicial, sem perícia nem depoimentos de militares

Inicialmente denominada “Furacão XII”, operação no Complexo do Salgueiro teve a participação das forças especiais da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro – a Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), e do Batalhão de Forças Especiais (BFE) do Exército. A apuração das responsabilidades pela morte de oito pessoas e ferimentos graves provocados em outras duas não passou da fase inicial, em decorrência do que “não há respostas estatais adequadas para a apuração dos fatos, responsabilização dos culpados, garantia de integridade dos sobreviventes e dos familiares das vítimas dos fatos, ou indenização para reparação dos danos”.

O ofício do Nudedh à secretaria executiva da CIDH ressalta que “no âmbito da justiça comum, a atuação dos agentes da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro (PCERJ) na operação foi alvo de Inquérito Policial, instaurado na Delegacia de Homicídios (integrante da própria PCERJ), e de Procedimento de Investigação Criminal, instaurado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). Ambos concluíram, em 2018, que não havia indícios acerca da participação de policiais civis da CORE nas mortes dessas oito pessoas, nem que tais mortes pudessem ter decorrido de um conflito entre criminosos, como aventado por autoridade militares”.

O documento menciona ainda que, no âmbito da justiça militar federal, o Ministério Público Militar (MPM) instaurou Procedimento Investigatório Criminal. E, em fevereiro de 2019, concluiu que “quaisquer que tenham sido os autores dos disparos, eram indivíduos externos ao contingente oficialmente empregado na operação''.

Ofício da Defensoria relata desprezo de provas pelo Ministério Público Militar

Assim, “nenhum dos 20 militares empregados sigilosamente na operação foram ouvidos no curso do processo investigatório, além de não terem sido realizadas perícias em quaisquer armamentos destes agentes, restando evidente a inconsistência dos métodos de apuração adotados pelo Ministério Público Militar na investigação. O inquérito policial foi arquivado mesmo com a existência de provas que, apesar de não terem sido consideradas, estavam entranhadas nos autos e corroboravam a versão das vítimas, restando evidente que o MPM não promoveu esforços necessários para que as investigações esclarecessem o ocorrido”.

Por fim, o ofício do Nudedh encaminhado à CIDH com o pedido de reunião de trabalho salienta que “casos de impunidade, como esse narrado na Petição Caso P-1094-18, não são acontecimentos isolados". Observe-se que, de acordo com a legislação brasileira, a Justiça Militar, além de ser competente para julgar crimes de militares contra civis em tempos de paz, também é competente para o julgamento de civis, acusados da prática de crimes militares. Essa indevida ampliação da competência da justiça militar federal é uma herança do regime de ditadura militar (1964 a 1985), sendo objeto de ações judiciais no Supremo Tribunal Federal”.

Prova de tortura na Penha inocentou acusados, mas não evitou impunidade de militares

E cita especificamente o chamado “Caso da Sala Vermelha”, ocorrido no Complexo da Penha, também durante a intervenção federal no Rio de Janeiro. Em 20 de agosto de 2018, quando um grupo de jovens foi detido “após confronto entre as Forças Armadas e supostos traficantes da localidade”.

“Os jovens foram presos e acusados dos crimes de tráfico de drogas e tentativa de homicídio de agentes do Exército. A investigação e o processo criminal referente à acusação de tráfico de drogas ocorreu na esfera da justiça comum (civil). Os acusados foram submetidos a exames com base no Protocolo de Istambul, sendo constatado que os achados eram altamente compatíveis com as torturas narradas pelas vítimas. Esses laudos foram decisivos para a absolvição dos acusados. Contudo, na Justiça Militar, os mesmos laudos foram reputados desinfluentes para a investigação dos crimes de tortura supostamente praticados pelos agentes do Exército, de modo que o Ministério Público Militar concluiu pelo arquivamento das investigações”, relata o documento.

Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

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