O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a pedir cautela na análise e votação do chamado excludente de ilicitude, como é conhecido ato praticado por policial que alega legítima defesa.Maia pediu uma avaliação cuidadosa do trecho, previsto em projeto de lei analisado por um grupo de trabalho na Câmara, depois da morte da menina Ágatha Félix, de apenas 8 anos, na favela do Alemão, no Rio de Janeiro, no último final de semana. Segundo moradores da favela carioca, policiais militares atiraram contra uma moto que passava pelo local e o tiro atingiu a criança.
Para o presidente da Câmara, o excludente de ilicitude já é previsto no artigo 23 do Código Penal e uma alteração no texto pode ser interpretada como autorização para atos que podem tirar a vida de pessoas inocentes.
"Este é um tema polêmico. Da forma como esteja escrito você pode estar de fato protegendo um policial em combate, da forma que está escrito você pode estar liberando demais, para que alguma vítima possa perder a vida", afirmou. As declarações de Maia ocorreram durante o lançamento de um programa de parcerias público-privadas do governo do Paraná, em Curitiba.
Maia pediu mais debate sobre o assunto no grupo de trabalho que analisa propostas de alteração na legislação penal e processual penal apresentadas pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro (PL 882/19), o chamado pacote anticrime; e pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. O Grupo de trabalho que analisa mudanças na legislação penal, entre os quais o excludente de ilicitude, tem reunião marcada para esta terça-feira (24) para concluir a votação do relatório apresentado pelo deputado Capitão Augusto (PL-SP).
Ele evitou polemizar com o ministro da Justiça, que disse que o excludente de ilicitude não tem relação com a morte da menina Ágatha. "O trabalho da polícia nunca é: porque nós estamos avançando contra o crime organizado, nós podemos perder a vida de uma criança. Acho que esse é o debate", disse.
Para Rodrigo Maia, o combate à criminalidade e à violência tem que passar também pela análise de outros fatores, como a proteção das fronteiras e mais investimentos em tecnologia e informação por parte do aparato de segurança pública.
Ele criticou, por exemplo, o baixo investimento no programa de proteção de fronteiras, orçado em R$ 11 bilhões, e que só obteve até agora a liberação de R$ 2 bilhões nos últimos anos.
"Como é que um investimento de R$ 11 bilhões, nos últimos anos, nós só aplicamos R$ 2 bilhões? E certamente muitas armas que matam a vida das nossas crianças, e drogas também, que tiram a vida de muitas crianças, elas passam por essas fronteiras", lamentou.
Rodrigo Maia falou também sobre o provável conteúdo do discurso que o presidente Jair Bolsonaro fará nesta terça-feira na abertura da Assembleia Geral da ONU, em Nova York.
Maia esteve com o presidente no sábado e disse que, pelo teor da conversa, Bolsonaro deverá falar que o Brasil não está se negando a resolver os problemas das queimadas em área ilegal e que o país sempre esteve na vanguarda da proteção ao meio ambiente.
Proposta de Moro, promessa de campanha de Bolsonaro, permite a juiz reduzir à metade ou cancelar pena para abuso policial
O excludente de ilicitude está previsto no artigo 23 do Código Penal, que exclui a culpabilidade de condutas ilegais em determinadas circunstâncias. Conforme esse artigo, "não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito". O parágrafo único diz: "O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo."
O Projeto de Lei 882/19, apresentado à Câmara pelo presidente Jair Bolsonaro como parte do pacote anticrime do ministro da Justiça, Sérgio Moro, acrescenta a esse artigo o seguinte parágrafo: "O juiz poderá reduzir a pena até a metade ou deixar de aplicá-la se o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção." Os críticos do projeto afirmam que essa proposta representa uma espécie de carta branca para policiais matarem.
O ministro Moro, em artigo publicado na imprensa em março, nega que essa interpretação seja verdadeira. Segundo ele, texto apenas descreve "situações de legítima defesa já admitidas pela prática", como na prevenção de agressão a pessoas mantidas como reféns, por exemplo. O ministro ainda disse que a proposta regula a questão do excesso em legítima defesa, "reconhecendo que quem reage a uma agressão injusta pode exceder-se". A ampliação do excludente de ilicitude foi uma das promessas de campanha de Bolsonaro.