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Grande vencedora de prêmios, “Treta” perde 'timing' da boa comédia por trás da explosão de raiva

Cinestesia, Por Gabi Fischer, Cineasta e Produtora

Em 24/01/2024 às 09:28:16

Produção da A24, “Treta” conquistou o público e também prêmios, já que a minissérie da Netflix garantiu muitas subidas ao palco em importantes eventos no início deste ano. No Globo de Ouro, venceu as três categorias em que estava concorrendo (Melhor Minissérie, Melhor Ator e Melhor Atriz em Minissérie); no Critic’s Choice Award também venceu estas e ainda Melhor Atriz Coadjuvante em Série Limitada; e no Emmy 2023 foi ganhadora de oito prêmios.

Sinopse: Um incidente no trânsito desperta a fúria e os impulsos mais sombrios de dois desconhecidos: um empreiteiro falido e uma empresária frustrada.

A resposta das premiações reflete também o favoritismo do público, especialmente porque muitos maratonaram os 10 episódios, o famoso “binge watching”. A antologia criada por Lee Sung Jin se baseia na raiva da rotina que muitos de nós nos identificamos porque, em vários momentos, parece que vamos explodir. E aqui é isso que acontece com a dupla protagonista. O desentendimento em um estacionamento vira uma perseguição de trânsito e a treta só vai aumentando. Como disse o showrunner, “superficialmente, o tema de 'Treta' é sempre conflito, é sempre separação.”

Seja pelos estresses da rotina, uma raiva momentânea ou a ansiedade do mundo virtual, a vontade de gritar para extravasar é um fio comum entre a maioria de nós. Mas aqui, para além do grito ou qualquer outra forma de ficar mais leve, assistimos um retrato da nossa sociedade e como é possível que uma freada no trânsito seja o acelerador de um emaranhado de caos. É a hipérbole das reações que a comédia abre a brecha e sabe bem trabalhar, nos faz rir do exagero constante porque sabemos que este não é o comportamento normal. Como Freud já diria, somos uma sociedade porque a grande maioria é neurótico e passa por castrações. Só que a ficção está aqui para pensarmos além da realidade e brincarmos com o mundo sem limites.

Em 2014, “Relatos Selvagens” soube perfeitamente tratar essa ideia através de esquetes que se conectam pelo imediatismo. Aí que se sustenta a comédia da raiva e é por isso que o filme é digno de aplausos: ele faz funcionar! No entanto, o alongamento de “Treta” é o que faz a produção pecar.

As ótimas atuações sustentam a produção. Então, segui firme e forte pelos episódios graças a Steven Yeun e Ali Wong. Os dois perdendo a cabeça e encontrando as provocações, um com o outro, como um novo “gás” para aguentar a realidade, é a melhor parte da minissérie. Assim, os três primeiros episódios não perdem o ritmo e são muito bem desenvolvidos a partir desse fio condutor. A partir daí, começou a se perder. O que poderia ser uma ótima antologia de três, no máximo quatro, episódios, começa a expandir demais e a “treta” inicial fica em segundo plano. Parece que os próprios criadores percebem essa mudança de rota e tentam retomar, colocando até mesmo um episódio de flashback dos protagonistas. Só que a comédia lá do início fica em desequilíbrio com muitos outros dramas e tramas.

Recentemente, Lee Sung Jin comentou que está reunindo ideias para uma 2ª temporada, abrindo até mesmo para novos personagens. Pois é, a grande vencedora de minissérie pode virar uma série! Inclusive, há o caso recente de “The White Lotus” que seguiu esse mesmo caminho - teve até debate se confiscariam os prêmios porque a produção não é mais uma minissérie e foi vencedora nesse formato. Vou aguardar os próximos capítulos dessa negociação e - quem sabe? - dessa série. Mas com a certeza de que menos episódios, ou até como um longa-metragem, “Treta” conquistaria muito mais minha atenção.

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