A causa é justa e a pauta é muito séria, mas o que estaria por trás do discurso de influenciadores, artistas e de organizações nacionais e internacionais que pressionam Lula a nomear uma mulher em substituição a Rosa Weber, no STF?
Em seu livro “Guerra Híbrida: das revoluções coloridas aos golpes”, o analista político e membro do Institute of Strategic Studies and Predictions, Andrew Korybko, apresenta detalhadamente a tática global utilizada por potências, como os Estados Unidos, para enfraquecer regimes ou até destituir governos não alinhados aos seus objetivos geopolíticos. Em resumo, a identificação de pautas e temas caros a determinada sociedade são explorados, gerando a mobilização de setores influentes que acabam por pressionar governos, culminando em tensões e desgastes que deixam invariavelmente determinada estrutura de poder fragilizada.
Desde a “Primavera Árabe”, observamos como nações foram devastadas por “revoluções coloridas”, que tinham em sua gênese pautas importantes como a liberdade, democracia e igualdade de direitos, mas que, ao fim e ao cabo, culminaram na deposição de governos e na degradação total de países. Talvez o exemplo mais claro dos reais objetivos das “revoluções coloridas” seja o caso da Líbia. O país do norte da África, que possuía os melhores índices de IDH da região, ampla estrutura educacional e assistência em saúde, hoje vive sob o caos, o domínio de milícias armadas e convive com a escravidão e o tráfico de pessoas. Mas tudo bem, os poços de petróleo daquele país, antes sob guarda do Estado líbio, hoje estão administrados por empresas italianas, francesas e norte-americanas.
Dado o devido contexto, é seguro afirmar que as manifestações pró-impeachment de Dilma, sua deposição e a posterior eleição de Bolsonaro, motivadas ao fundo por não menos importantes pautas como o combate à corrupção e outros temas caros, que mobilizaram multidões, mídia e toda sorte de atores sociais, foram também fruto das táticas híbridas de influência geopolítica. Mas qual relação tudo isso teria com as recentes manifestações de setores da intelectualidade e de organizações de direitos humanos na tentativa de pressionar Lula a substituir Rosa Weber por outra mulher? A relação é bem simples, e passa pelo interesse de grupos de pressão em posicionar na mais alta corte do país um elemento que, não necessariamente, seja tão alinhado ao governo e aos mais elevados compromissos com a ordem institucional e a garantia da soberania nacional.
A escolha dos membros do Supremo Tribunal Federal é prerrogativa do Presidente da República, devendo ser aprovada a indicação pelo Congresso Nacional. Para a escolha, o Presidente deve considerar, além do notório saber jurídico do indicado, o perfil do mesmo, levando em conta o compromisso com a democracia, a manutenção da unidade nacional e, não menos importante, a compatibilidade ideológica ao mesmo. Alguns, de forma muito equivocada, dirão que considerar a afinidade do mandatário do executivo com o indicado seria sinal de imparcialidade ou desvio de função institucional. Essa afirmação não passa de absurda ou desonesta. Se todo poder emana do povo e o mesmo elege de forma direta um Presidente da República que tem dentre as suas prerrogativas a indicação de determinado Ministro para a Suprema Corte, isso significa, de forma simples e direta, à luz do direito e da teoria política, que tal indicação está emanando da vontade popular expressa por meio do voto depositado no Presidente eleito. Em última análise, a tentativa de grupos de pressão em interferir em uma prerrogativa do Presidente, seria uma forma de supressão de um mecanismo democrático e da vontade da maioria expressa no voto.
Feitas as devidas considerações, é importante desmistificar o mito da “identidade” como ferramenta de afirmação ou garantia de direitos. Obama, o primeiro Presidente negro da história dos Estados Unidos, aclamado pela intelectualidade e vencedor de um Prêmio Nobel da Paz, foi também o único Presidente em toda a história estadunidense a manter seu país em guerra constante durante todos os dias de seu mandato. Os gastos militares do primeiro Presidente negro da história americana foram 42% maiores que a média dos gastos dos EUA em toda a Guerra Fria. Além disso, foi durante a administração Obama que países da África e do Oriente Médio foram submetidos a mais de 100 mil ataques aéreos realizados diretamente pelos EUA, OTAN ou seus aliados. Avaliados os fatos, teria resultado a eleição simbólica de um negro na redução substantiva do genocídio dessa população e no avanço da democracia? Tirem suas conclusões.
Indo além, vamos então verificar, de forma superficial e sem grandes análises teóricas, como votou a mulher e Ministra da Suprema Corte a ser substituída, Rosa Weber, em relação a temas caros aos mesmos grupos de pressão que tentam impor a identidade sobre a finalidade. Votou favorável a condenação de José Genoíno no âmbito do processo do mensalão, mesmo sob provas frágeis contestadas pelo réu. A Ministra votou contra o habeas corpus impetrado pela defesa de Lula em 2018, após sua condenação no Tribunal Regional Federal da 4ª região, o que resultou em sua prisão, comprovada irregular posteriormente. Por fim, e talvez ainda mais simbólico, Rosa Weber votou contra a liminar impetrada por José Eduardo Cardoso que pedia a anulação da sessão do Senado que culminou na cassação da primeira mulher eleita Presidente da República do Brasil. Diferente do que pensam influenciadores e intelectuais, tenham certeza que a “sororidade” parece não ter movido a Ministra em suas votações.
Findo esse artigo com apelo para que intelectuais e formadores de opinião não se permitam mobilizar a sociedade em nome de pautas tão caras e importantes que possam ser utilizadas de formas escusas e perversas. Se Lula tiver em uma mulher a mais alta confiança para impedir desmandos no STF, que indique então a mesma, mas não o faça pelo simbolismo. Sabemos onde isso pode levar. Que Lula exerça sua prerrogativa de forma isenta e com sabedoria.
.