O que você entende por “amor incondicional”? Peço licença porque esse texto é uma declaração de amor. Aos mortos. Mas antes que você venha pensar que é tarde demais, já lhe adianto que eu fazia questão de me declarar no dia a dia. É o que devemos fazer, não é? O óbvio precisa ser dito e as declarações precisam ir além das palavras.
Na primeira semana do ano perdi uma pessoa que muito amo e isso me fez refletir que talvez o ano de 2024 já estivesse prestes a ser enterrado para mim. Nenhum novo acontecimento me faria classificar este como o melhor ano de minha vida. Mas penso, os próximos seriam? Como? Já que a dor dessa perda vai me afetar a longo prazo... Admito que tive vontade até de jogar minha nova agenda no lixo porque não teria nada de bom para escrever nela.
Sabe como é, ano novo e a nossa velha mania de prometer fazer desse o melhor ano de nossa existência. Juramentos, metas, cor da roupa, viagem para a virada... Tudo precisa ser impecável senão o ano já era... Olha, não julgo, precisamos nos agarrar à esperança de dias melhores, acho que é o que nos move, não? Mas também é necessário cautela, planejamos em excesso, queremos ter controle de tudo e a vida simplesmente vai lá e nos dá uma rasteira e sacode todos os nossos planos.
Hoje vasculho as memórias e começo a perceber que os anos que eu julgava ruins não foram tão terríveis porque pessoas que eu amo ainda estavam ao meu lado. Agora, penso que nunca mais terei o “melhor ano da minha vida” porque falta um pedaço de mim. Porque estou incompleta. Porque estão faltando personagens importantes para os próximos epsódios. Os bons tempos passaram e nesse instante só me resta continuar... Assim, meio sem graça. Quero ser feliz? Lógico! Ainda há sonhos que desejo realizar? Muitos. Mas reflito que sou incapaz de classificar os próximos anos como os melhores... Vai saber?
Porém também questiono: o que faz de um ano o melhor? Amadureço o pensamento de viver um momento de cada vez. Alguns são bons, outros nem tanto. O ano é constituído por dias de sol, mas também por dias de chuva. Alguns instantes ruins não precisam nos fazer crer que tudo está perdido. Mas quando se trata de luto, é claro, é mais delicado... No dia seis de janeiro eu perdi a minha vovó, meu amor incondicional. E é sobre amor que vamos falar agora.
A minha relação com os meus avós ia além de encontros casuais em finais de semana ou datas comemorativas. Eu cresci com eles e moramos juntos até seus últimos dias. “Bom dia, vó”, “Boa noite, vô” eram a minha rotina diária. Não que a distância dite os afetos mas de repente não vê-los mais no café da manhã e no jantar é bem diferente. Passei o primeiro dia desse ano viajando para ficar de acompanhante no hospital com a minha vovó. Em determinado momento daquela noite, ela me disse que eu nunca mais faria isso por ninguém porque ela acreditava que estava me dando trabalho. Tive que rir. Menos de três anos antes, o meu vovô me disse exatamente o mesmo enquanto eu cuidava dele em um quarto de hospital e olhe onde eu estava agora...
Eles estiveram comigo em minhas primeiras fraldas, e eu, em suas últimas fraldas. Eles me vestiram. Eu os vesti. Eles me deram comida na boca inúmeras vezes, eu fiz o mesmo. Eles acompanharam meus primeiros passos e eu fui suporte em seus últimos andares. Eles me viram nascer e eu os vi morrer. O ciclo da vida é mesmo extraordinário, a gente cuida e tenta a sorte de um dia também ser cuidado, mas fato é: nesse pequeno fragmento de tempo que chamamos de vida, é um privilégio amar e ser amado.
Vai aí um conselho óbvio: cuide de quem você ama, a gente nunca sabe quanto tempo temos.
E a gente nunca supera dores que moldam o nosso ser. A gente tenta seguir em frente, fingir que está tudo bem, vai que um dia a gente acredita, né? Mas nós nunca mais voltamos a ser os mesmos quando quem amamos se vai. Ainda assim, não deixo de mencionar a esperança em dias melhores e, por falar nisso, me agarro à crença de que um dia iremos nos reencontrar. Talvez eu esteja ansiosa por isso. Calma, não se trata de uma daquelas cartas pelo qual o setembro amarelo existe. Mas fala sério: quem não quer viver no paraíso e abraçar mais uma vez aquele o qual não conseguiu se despedir?
A vida pode ser maravilhosa, mas também é uma escola rígida. Certas vezes pega bem na ferida para comprovar quão fortes podemos ser. Muitas vezes nos surpreendemos com o resultado. Ainda pretendo ter do que recordar desse ano, mas sem pressão e sem compromisso. Não tenho pressa para transformar esse em meu ‘’melhor ano’’, mas me permito voltar a sentir as alegrias da vida e com a certeza de um reencontro futuro. Pra que tanta pressa e obrigatoriedade em fazer com que tudo seja perfeito? Ando devagar e percebo a simplicidade do existir.
Que privilégio o meu em ter dividido os palcos da vida com eles e poder conhecer o que é o amor da forma mais singular de ser. Não parece maravilhoso cuidar e ter a certeza que no futuro será cuidado?
Talvez o grande barato da vida seja exatamente esse...
Até o próximo texto!
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